ALEITAMENTO MATERNO: ESTUDO REFLEXIVO À LUZ DA FILOSOFIA
BREASTFEEDING: REFLECTIVE STUDY IN THE LIGHT OF PHILOSOPHY
LACTANCIA MATERNA: UN ESTUDIO REFLEXIVO A LA LUZ DE LA FILOSOFÍA
Ana Raquel Bezerra Saraiva Tavares1
Vanusa Maria Gomes Napoleão Silva2
Emanuela Machado Silva Saraiva3
João Emanuel Pereira Domingos4
Edna Maria Camelo Chaves5
1Enfermeira. Mestre. Aluna do curso de doutorado. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: raquel.tavares@aluno.uece.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4398-2633
2Enfermeira. Mestre. Aluna do curso de doutorado. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: vanusa.napoleao@aluno.uece.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4059-5849
3Farmacêutica. Mestre. Aluna do curso de doutorado. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: emanuela.machado@aluno.uece.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8394-5963
4Enfermeiro. Aluno do curso de mestrado. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: joao.emanuel@aluno.uece.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8368-2451
5Enfermeira. Doutora. Professora Adjunta. Universidade Estadual do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil. E-mail: edna.chaves@uece.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7752-3924
Autor correspondente
Ana Raquel Bezerra Saraiva Tavares
Rua Sinobilina Peixoto, n° 73, Bairro Coqueiro, Crato-CE- Brasil
Fone +55 (88)988365769
E-mail: raquel.tavares@aluno.uece.br
RESUMO
A amamentação envolve vários fatores para o seu pleno “sucesso”, no entanto esse momento repleto de experiências diferentes do que a mulher já havia apreendido, tende a deixá-la assustada, impotente e/ou culpada. Objetivou-se refletir sobre a amamentação à luz da filosofia e suas implicações para início e continuação. Estudo de reflexão, fundamentada em leituras de filósofos como Heidegger, Ide Pascal, Nerecí e Espinosa, analisando a relação filosófica com a prática do aleitamento materno, diante da assistência a puérpera. A escolha desses referenciais surgiu como forma de discutir aspectos que possibilitem e/ou comprometem o início e continuação do aleitamento materno, sendo dividido em dois pontos: Amamentação e suas nuances; Culpa X Amamentação. Refletir sobre a amamentação possibilita aos profissionais compreender o ato de amamentar não mais como instintivo e natural, mas sua complexidade, em diversos aspectos biopsicossociais, percebendo cada mulher como protagonista e suas singularidades.
Palavras-chave: Aleitamento Materno; Cuidados de Enfermagem; Cuidado Pré-Natal; Gravidez; Filosofia.
RESUMEM
La lactancia materna involucra varios factores para su pleno “éxito”, sin embargo este momento lleno de experiencias diferentes a las que la mujer ya había aprendido tiende a dejarla asustada, desamparada y/o culpable. El objetivo fue reflexionar sobre la lactancia materna a la luz de la filosofía y sus implicaciones para el inicio y la continuación. Estudio de reflexión, a partir de lecturas de filósofos como Heidegger, Ide Pascal, Nerecí y Espinosa, analizando la relación filosófica con la práctica de la lactancia materna, frente a la asistencia a la puérpera. La elección de estas referencias surgió como una forma de discutir aspectos que permiten y/o comprometen el inicio y la continuación de la lactancia materna, siendo dividida en dos puntos: La lactancia materna y sus matices; Culpa X Lactancia Materna. Reflexionar sobre la lactancia materna permite a los profesionales comprender el acto de amamantar no ya como instintivo y natural, sino su complejidad, en varios aspectos biopsicosociales, percibiendo a cada mujer como protagonista y sus singularidades.
Palabras clave: Lactancia Materna; Atención de Enfermería; Atención Prenatal; Embarazo; Filosofía.
ABSTRACT
Breastfeeding involves several factors for its full "success", however this moment full of experiences different from what the woman had already learned, tends to leave her scared, powerless and/or guilty. The objective was to reflect on breastfeeding in the light of philosophy and its implications for initiation and continuation. Reflection study, based on readings by philosophers such as Heidegger, Ide Pascal, Nerecí and Espinosa, analyzing the philosophical relationship with the practice of breastfeeding, in the face of assistance to postpartum women. The choice of these references emerged as a way to discuss aspects that enable and/or compromise the initiation and continuation of breastfeeding, being divided into two points: Breastfeeding and its nuances; Guilt X Breastfeeding. Reflecting on breastfeeding enables professionals to understand the act of breastfeeding no longer as instinctive and natural, but its complexity, in different biopsychosocial aspects, perceiving each woman as a protagonist and her singularities.
Keywords: Breast Feeding; Nursing Care; Prenatal Care; Pregnancy; Philosophy.
INTRODUÇÃO
Avaliando pela perspectiva biológica que envolve o aleitamento materno (AM) sabe-se que é importante fator de proteção para o recém-nascido (RN), pois contribui sobremaneira na redução da morbimortalidade infantil, diminuindo doenças alérgicas e problemas gastrointestinais, melhorando a imunidade do bebê através das imunoglobulinas passadas de mãe para filho, além do leite materno ser de fácil digestão para o bebê(3-4).
O AM traz benefícios não apenas na primeira hora de vida do bebê, mas sua prática é protetora para a saúde do binômio mãe-filho, com redução do risco de obesidade infantil, incidência de doenças crônicas não transmissíveis e prevenção de 20 mil mortes ao ano devido ao câncer de mama nas mães(4).
Quanto as evidências científicas acerca da amamentação percebem-se que além de salvar vidas possibilita o desenvolvimento socioeconômico dos países, por isso a missão do Global Breastfeeding Collective (GBC) visa reunir apoio político, legal, financeiro e público, aplicados em políticas globais que favoreçam o aumento das taxas e incentivo do aleitamento materno exclusivo (AME)(4).
Dentre as ações que o GBC realiza junto aos países é de prover as mães suporte técnico, financeiro, emocional e público para que a amamentação seja realizada na primeira hora de vida do bebê, estendida exclusivamente até os 6 meses de idade e continuada de forma complementar com a alimentação saudável, até os 2 anos de vida da criança ou mais(4).
Partindo do princípio que amamentar envolve o ato de oferecer a mama, pode-se inferir que vai além de alimentar ou nutrir o filho, pois, consegue ultrapassar barreiras, emoções e sentimentos que envolvem a formação do vínculo mãe-filho, sendo visto ampliado no contexto familiar que os cercam(5).
Existem vários fatores que levam ao “insucesso” da amamentação e contribuem para o desmame precoce, fatores psicossociais, como a intenção materna de amamentar, o suporte social e a confiança(6).
Essa intenção da mulher e seu comportamento diante da amamentação podem estar relacionados ao que Gadamer esclarece sobre a compreensão humana, inerente ao ser e que constitui sua existência baseada pela historicidade(7). A experiência estética consiste na captação do significado que é “individual, intraduzível e inesgotável”(7). A amamentação reflete-se como um momento individual e intraduzível, sem perder sua essência; já quanto ao inesgotável perpassam as experiências, pois cada momento será vivido de forma singular.
Considerando a fenomenologia, as pessoas se situam conforme suas angústias e preocupações, proporcionando um faixo de luz diante da gama de vivências maternas nesse momento tão singular(8). Ao mesmo tempo, possibilita a compreensão observando as mudanças e adaptações dessa “nova mãe”, mostrando que suas angústias determinarão as novas experiências com a amamentação, quer sejam positivas ou negativas. Esse conhecimento pode ser dividido em categorias de compreensão da realidade, desde o momento vivido, até a utilização da epistemologia para investigar o que foi vivido(8).
Logo, o puerpério por ser um período conturbado para o início e manutenção do AM, repleto de intensas mudanças e adaptações, para a mulher, família e o bebê(5). Essas inexperiências e novas experiências, diferentes do aprendido, tende a deixar a mulher assustada, evidenciando o sentimento de impotência ou culpa. E essa dificuldade inicial de adaptação aliada a falta de apoio, poderá culminar com complicações e levar ao desmame precoce.
Ao longo dos anos percebi que as mulheres não desistem de amamentar facilmente, essa decisão faz parte de um processo sofrido e doloroso, cheio de culpas e luto. As mulheres questionam-se sobre vários aspectos, inclusive sua capacidade materna.
Espera-se que este estudo possa contribuir para que os profissionais de saúde, que atuam diretamente com as mães, nesse período, compreendam a gama de sentimentos que permeiam o início e continuação da amamentação.
Objetivou-se refletir sobre a amamentação à luz da filosofia e suas implicações para início e continuação.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo de reflexão, fundamentada em leituras de filósofos como Heidegger, Ide Pascal, Nerecí e Espinosa, analisando a relação filosófica com a prática do aleitamento materno, diante da assistência a puérpera.
A escolha desses referenciais surgiu como forma de discutir aspectos que possibilitem e/ou comprometem o início e continuação do aleitamento materno. Partindo dessa perspectiva, a enfermagem se destaca à medida que busca e trabalha o cuidado através da prática, transcendendo o cuidado materno não apenas sob o olhar fisiológico da amamentação, mas utilizando reflexões do AM integrado a questões pouco abordadas como a filosofia, a qual permitirá elucidação do fenômeno proposto.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
As reflexões tecidas foram apresentadas em dois eixos temáticos: Amamentação e suas nuances; Culpa X Amamentação.
AMAMENTAÇÃO E SUAS NUANCES
Amamentar não é simples, vivenciar esse período é um grande desafio para todos desde a mãe, pai, bebê e demais familiares. Observar os fatos a partir dos fenômenos possibilita analisar os que estão inseridos na natureza de um momento. Essa avaliação atenta dos fatos naturais, permite descobrir quais são as formas de comportamento maternas que podem levar ao desmame precoce(2).
A fenomenologia permite conhecer determinados fenômenos humanos, compreender aquilo que não está evidente, revelando conhecimentos geradores de reflexão culminando com mudanças(10).
Nessa perspectiva, a mulher sente-se cobrada tão logo engravida, pois a gestação vem enraizada de conceitos e temores, porém a busca por informações minimiza sofrimentos ou dúvidas. Contudo, nem sempre consegue resultados que procura, dificultando sua adaptação no pós-parto.
A mulher inicia sua gestação pensando na amamentação e como esta ocorrerá. Esse pensar, a faz imaginar fatos que ocorreram e experiências de outras pessoas como se fossem suas. O pensar, antes de toda e qualquer coisa culmina antecipando fatos e levando a sentimentos diferentes do que irá acontecer(9).
Essa nova realidade, Heidegger ilustra como um despertar do conceito ou ideia, obrigando a mãe a exprimir esse conceito puramente inteligível(11), mas ao mesmo tempo semelhante ao pedido de ajuda, para o medo do que virá e que não se sabe.
Partindo da premissa, de que a mulher possui intenção e desejo de amamentar, o ato torna-se consciente e voltado para alguém ou alguma coisa, no caso manter o AME(12). O seu corpo, agora dedicado a amamentação, não pode impedir sua mente de pensar, ao mesmo tempo que a mente materna não consegue determinar o corpo(13), porém para viabilizar essa adaptação a rede de apoio deve participar apoiando a decisão e escolha materna, entendendo essas novas adaptações.
No entanto, existem informações que poderiam esclarecer dúvidas e “conceitos” que as mulheres buscam. Pois, o fato de possuir informações não significa que tenha conhecimento, ao mesmo que conhecer algo não significa necessariamente que ocorrerá mudança nas atitudes, assim a decisão da realização do AM perpassa o ato de realização da amamentação(5).
O uso de referenciais teóricos, para apreender a complexidade do fenômeno da amamentação, pode ser uma estratégia para quem assiste a puérpera. Pois, ampliar o olhar, para além da técnica, percebendo a mulher enquanto ser fragilizado, seja pela questão hormonal, ou simplesmente por não compreender mudanças em sua rotina, arraigada de sobrecarga de trabalho, possibilitará uma nova visão de assistência, compreendendo as relações entre fenômenos e fatos existentes(14).
Dessa forma, a compreensão passa inicialmente pelo entendimento, numa perspectiva hermenêutica, os seres humanos entendem-se ou simplesmente fazem um movimento interior e relacional com outro, buscando atos de entendimentos ou “acordos consensuais”(14).
Para Ide Pascal, toda vez que encontramos uma “ignorância”, a melhor forma de melhorá-la e reduzi-la é orientar para o conhecimento, levando a visão geral ou dita universal, para uma noção mais particular dos acontecimentos(15). Já para Espinosa, existem três gêneros que envolvem o entendimento: a imaginação ou opinião; a ciência racional através das noções comuns e ideias adequadas; e a intuição. A compreensão do primeiro gênero é vista como a única causa de “falsidade", ao mesmo tempo que o segundo e do terceiro gêneros são verdadeiros(13).
Durante o pré-natal, parto e pós-parto as experiências poderão ser minimizadas quando se aliam o saber familiar ao saber científico. Pois, ao orientar e esclarecer as dúvidas maternas, nesses diferentes contextos, o profissional permite que o aspecto universal de seu conhecimento seja reduzido até se tornar particular diante dos fatos, levando ao início e manutenção do AM, minimizando a culpa que a mulher sente ao se frustrar com as dificuldades.
Observando esse entendimento, percebe-se que a verdade da ideia pode ser dada quando existe um encadeamento lógico no sistema de ideias, e não apenas na sua correspondência extrínseca ao seu objeto(13). Tendo em vista que a família já possui um saber sobre o período da gravidez, parto e pós-parto, o quais podem interferir na decisão de início e continuação de aleitar, esse saber pode através de orientações ser adaptada ao saber científico.
A gestante, que vivenciará o ato de amamentar, vivencia um mundo de imaginários ao que ainda não viveu, mas Heidegger diz que o pensável é o que dá a pensar, mas que está relacionado ao que se propõe a pensar, ao mesmo tempo se desvia daquilo pensado pelo homem(9). Porém, esse ato de pensar e de distanciar da realidade imaginando o que ainda nem aconteceu, transporta a mãe para um lugar não vivido e originando sofrimento, devido às experiências externas que não são suas.
Para Ide Pascal, o fundamento do conhecimento comum está ligado aos sentidos. Quando parte do seu conhecimento sensível, a mãe alia ao seu objeto singular, sua inteligência, apreensões, medos e angústias quanto a amamentação, além de extrair um conceito que parece ser universal, mas confuso(15).
Logo, assemelha-se àquilo pensado por Espinosa quando formulou o conceito de atributo, sendo uma descrição completa da substância, que não exclua outras descrições, definições ou separe de uma e da mesma coisa(13).
Corroborando com o dito por Heidegger, o pensamento presente no imaginário da gestante, voltando para o AM, toma uma medida que altera seu modo próprio de ser, perceber e vivenciar. Assim, esse pensamento é reflexo daquilo presente em sua vivência, possibilitando a mãe entregar seu imaginário sem ao menos questionar a possibilidade da não ocorrência de outras experiências, mas apenas como uma verdade que não, necessariamente, será sua(9).
CULPA X AMAMENTAÇÃO
No dicionário Online de língua portuguesa a palavra culpa vem do latim culpa, definida como “um sentimento doloroso de quem se arrependeu de suas ações”, considera, ainda, como um “motivo ou razão que dá origem a algo ruim” (16). Partindo dessa perspectiva, pensando nos conflitos vivenciados pelas mães, refletiremos o surgimento da culpa que compromete o início e continuação do AM.
Durante a gravidez ocorre um fenômeno de “bombardeio” de imagens de mulheres amamentando, repletas de sorrisos, envoltas em expectativas e demonstrando possibilidades, por vezes não alcançadas. Essas campanhas pró-amamentação incluem mulheres, porém excluem dificuldades, insucessos ou mesmo as com algum impeditivo de aleitamento como as portadoras do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)(17), pois por não se sentirem representadas culminam com o misto de felicidade, pela chegada do bebê, e de culpa por não conseguirem ou poderem amamentar.
Heidegger acrescenta que a faculdade de perceber denomina-se razão(9). Quando a mulher se percebe como “única a promover o melhor alimento”, sente-se cobrada e culpada quando não consegue realizar. Pois, seu sonho da amamentação começou a ser idealizado na infância com as bonecas, e não conseguir amamentar evocam sentimentos negativos, além do peso de não se sentir representada nas campanhas pró-amamentação.
Assim, as campanhas de incentivo a amamentação apontam o discurso de que o leite materno é desejável e ideal para a saúde das crianças, induzindo a mulher ao sentimento “única” responsável pelo seu início e continuação. Porém, na sociedade, não só o parto, mas o AM é valorizado e instituído como responsabilidade e até um “dever” da mulher, o que contribui para o imaginário da amamentação, como processo sociocultural e histórico(17).
A definição, trazida por Heidegger, consiste com precisão o que uma coisa é, desde sua natureza, até sua essência. Portanto, um discurso ou um conjunto de palavras, é visto com o que é a coisa. Para definir qualquer coisa precisaremos de palavras, que tenham sentido para aquilo que iremos e queremos dizer(9). Isso é visto quando a mãe refere seu desejo de amamentar, mas que na prática não consegue pela falta de uma rede de apoio ou orientação pré-natal.
Nereci mostra que os fatos são vistos como fenômenos, verificados em sua natureza, utilizados como material da ciência. Essa observação é como uma consideração atenta dos fatos, partindo das descobertas das formas de comportamento e suas causas(2). Logo, amamentar não é apenas o ato de colocar o bebê para sugar, vai além de evidenciar o comportamento, manejo e fala materna e familiar.
O fato da mãe, portadora ou não de doenças que impedem o AM como HIV, vírus T-linfotrópico humano (HTLV), surgirão alterações sejam físico-orgânicas como as mamárias visíveis e sentidas em todo o corpo feminino, mas principalmente envoltas de sentimento de tristeza, sofrimento, dor e culpa(17).
A compreensão da causa e efeito, são dependentes de outras, como suas causas e necessitam ser analisadas através delas. Já as coisas são auto dependentes, mas concebidas por si mesmas(13). Assim, quando a mãe entende a existência de fatores impeditivos para amamentação e/ou contribuem para sua descontinuação, como causa e efeito, ocorre redução do sentimento de culpa, experienciados por tantas mulheres.
O rompimento do sonho de amamentar, ocasiona sofrimento psicológico, funciona como se a mãe negasse o melhor alimento, privando-o de todos os benefícios sabidamente conhecidos, reforçados e difundido na mídia como “o melhor remédio para a saúde do filho(17).
Pensando no sentido de causa e efeito, amamentar e sentir-se culpada, é possível compreender de forma mais ampla, da causa motora, que seja mais eficiente. Além do mais, causa é tudo aquilo que se pensa ser de uma coisa dependente de outra, “tanto em seu ser quanto em seu devir”. Essa definição responde a critérios precisos, servem para descobrir e avaliar as definições contidas nos textos quanto elaborar outras(9).
Esse pensar, na perspectiva do desejo materno em amamentar e não conseguir ou não poder amamentar devido algum impeditivo, é também parte de uma escuta, avaliar o que é consentimento, principalmente daquilo que deve tornar-se como questão. Heidegger, mostra, ainda que esse pensamento também é o que pensa, desde sua essência, e permeia um questionar, nesse caso o “poder e conseguir” ou “não posso e nego o melhor ao meu filho”(11).
Quando questionamos, estamos realizando uma conexão com o pensamento. E assim, quando conseguimos formular o pensamento, dependendo de como e se o pensamento consegue escutar o consentimento, chega-se à essência da linguagem, verbalizando através da fala e o que está em sua essência(11).
Agora, essa falta de representação e linguagem pertence ao “âmbito da paisagem misteriosa” segundo Heidegger, a qual está em evidência até de forma poética quando o “dizer delimita a fonte cheia de destino da linguagem”(11). Se não sabemos ao que se destina nosso discurso, poderemos excluir sem ao menos ter noção de que excluímos. Mas no fundo o ser excluído, compreende que foi, mas não consegue expressar o seu sentimento.
Os sentimentos, devido à ausência de representação das mulheres, com falta de apoio ou mesmo orientações amplamente divulgadas, reprimem e sufocam o sonho e o desejo de amamentar. Mesmo entendendo que seu estado sorológico ou complicações com o caminhar da amamentação inviabilizam essa continuação, a mulher não recebe o acolhimento apropriado, quer seja pelas propagandas ou equipe de saúde. Contudo, esse ato de não amamentar, para manter a saúde do filho, obriga a mulher a procurar uma autodefesa, para um sistema que a exclui, que seria sufocar o seu desejo(17-18).
Portanto, quando as mães não podem/conseguem amamentar procuram a assistência em saúde, sentem o constrangimento evidenciado pelo despreparo da equipe, em aparar as mulheres com impossibilidade de aleitar, levando a uma vivência penosa e sofrida (17-18).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nenhuma vivência pode ser vista igualmente a outra, as mulheres podem até apresentar fissuras mamilares, ingurgitamento mamário ou mastite, mas a experiência é única, singular e específica. Dessa forma, os profissionais de saúde necessitam se apropriar dos conceitos maternos e angústias, para ampará-la e incluí-la no sistema que a acompanha. O ato de não conseguir ou não poder amamentar, é percebido como conflituoso, pois mesmo aquelas impossibilitadas por motivo de doença, sentem o desejo de amamentar, pela própria construção da maternidade.
Assim, não iniciar ou parar o processo de lactação são decisões difíceis, repletas de sentimentos de tristeza, culpa, raiva e principalmente frustração, já que não envolve apenas a mulher, mas a saúde do bebê e família.
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Submissão: 2022-01-05
Aprovado: 2022-03-29