DESAFIOS VIVENCIADOS NA SORODIFERENÇA AO HIV: REFLEXÕES À LUZ DA FILOSOFIA DA VONTADE DE SCHOPENHAUER

SERODIFFERENT RELATIONS TO THE HIV VIRUS IN LIGHT OF ARTHUR SCHOPENHAUER'S PHILOSOPHY OF WILL

RELACIONES SERODIFERENTES CON EL VIRUS DEL VIH A LA LUZ DE LA FILOSOFÍA DE LA VOLUNTAD DE ARTHUR SCHOPENHAUER


Valéria Gomes Fernandes da Silva1

Bruno Neves da Silva2

Maria Aparecida Alves de Oliveira Serra3

Anny Suelen dos Santos Andrade4

Érika Simone Galvão Pinto5

Nilba Lima de Souza6

 

1Universidade Federal do Rio Grande do Norte.  Natal, RN, Brasil. ORCID: 0000-0003-1381-8664. E-mail: valeriafernandes7@hotmail.com.

 

2Universidade Federal do Rio Grande do Norte.  Natal, RN, Brasil. ORCID: 0000-0001-9854-4492. E-mail: enfbneves@gmail.com.

 

3Universidade Federal do Maranhão. Imperatriz, MA, Brasil. ORCID: 0000-0003-0952-9560. E-mail: maa.oliveira@ufma.br.

 

4Universidade Federal do Rio Grande do Norte.  Natal, RN, Brasil. ORCID:  0000-0001-7460-5625. E-mail: anny_suelen@hotmail.com.

 

5Universidade Federal do Rio Grande do Norte.  Natal, RN, Brasil. ORCID: 0000-0003-0205-6633. E-mail: erikasgp@gmail.com.

 

6Universidade Federal do Rio Grande do Norte.  Natal, RN, Brasil. ORCID:  0000-0002-3748-370X. E-mail: nilba.lima@hotmail.com.

 

Autor correspondente

Valéria Gomes Fernandes da Silva

Endereço: Avenida Senador Salgado Filho, n. 64. Bairro: Lago Nova. Natal-RN. CEP:  59056-000

E-mail: valeriafernandes7@hotmail.com

Telefone: +55(99) 98531-8939

 

RESUMO

Objetivo: refletir sobre as relações sorodiferentes ao vírus HIV e seus desafios a partir da filosofia da vontade de Arthur Schopenhauer. Método: trata-se de um estudo teórico-reflexivo realizado a partir da busca por artigos e livros, nos meses de outubro e novembro de 2021. Resultados: Observa-se que os pressupostos conceituais e a filosofia da vontade de Artur Schopenhaouer têm relação com o contexto atual referente aos desafios que os parceiros sorodiferentes vivenciam em suas relações, como a invisibilidade dessas relações na condição da diferença sorológica perante a sociedade e nos serviços de saúde, o preconceito e a falta de informação acerca das possibilidades que se sobrepõem ao conceito de sofrimento e dor, constantemente associados a essas parcerias. Considerações finais: as reflexões realizadas sinalizam que a vontade dos parceiros sexuais de permanecer no relacionamento em condição de sorodiferença ao vírus HIV é a força matriz para vencer os desafios e riscos peculiares a essa forma de convivência. Acredita-se que a compreensão das relações sorodiferentes ao vírus HIV a partir de uma fundamentação filosófica é relevante no processo ressignificação da infecção na sociedade, pelos profissionais de saúde e nos diferentes âmbitos dos serviços responsáveis por acompanhar e acolher esses parceiros.   

Palavras-chave: HIV; Serviços de Saúde; Parceiros Sexuais; Síndrome da Imunodeficiência Adquirida; Filosofia.

 

ABSTRACT

Objective: to reflect on the challenges experienced in serodifferent relationships with the HIV virus based on Arthur Schopenhauer's philosophy of will. Method: this is a theoretical-reflective study carried out from the search for articles, books, dissertations and theses in the months of October and November 2021. Results: It is observed that the conceptual assumptions and the philosophy of will of Artur Schopenhaouer are related to the current context regarding the challenges that serodifferent partners experience in their relationships, such as the invisibility of these relationships in the condition of serological difference before society and in health services, prejudice and lack of information about the possibilities that overlap to the concept of suffering and pain, constantly associated with these partnerships. Final considerations: the reflections carried out indicate that the desire of sexual partners to remain in the relationship in a condition of serodifference to the HIV virus is the matrix force to overcome the challenges and risks peculiar to this form of coexistence. It is believed that the understanding of serodifferent relationships to the HIV virus from a philosophical foundation is relevant in the process of resignifying the infection in society, by health professionals and in the different scopes of the services responsible for monitoring and welcoming these partners.

Keywords: HIV; Health Services; Sexual Partners; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Philosophy.

 

RESUMEN

Objetivo: reflexionar sobre los desafíos vividos en las relaciones serodiferentes con el virus del VIH a partir de la filosofía de la voluntad de Arthur Schopenhauer. Método: se trata de un estudio teórico-reflexivo realizado a partir de la búsqueda de artículos, libros, disertaciones y tesis en los meses de octubre y noviembre de 2021. Resultados: Se observa que los presupuestos conceptuales y la filosofía de la voluntad de Artur Schopenhaouer están relacionados al contexto actual respecto a los desafíos que experimentan las parejas serodiferentes en sus relaciones, tales como la invisibilidad de estas relaciones en condición de diferencia serológica ante la sociedad y en los servicios de salud, el prejuicio y la falta de información sobre las posibilidades que se superponen al concepto de sufrimiento y el dolor, constantemente asociados a estas asociaciones. Consideraciones finales: las reflexiones realizadas indican que el deseo de los compañeros sexuales de permanecer en la relación en condición de serodiferencia al virus del VIH es la fuerza matriz para superar los desafíos y riesgos propios de esta forma de convivencia. Se cree que la comprensión de las relaciones serodiferentes al virus VIH desde una base filosófica es relevante en el proceso de resignificación de la infección en la sociedad, por parte de los profesionales de la salud y en los diferentes ámbitos de los servicios encargados del acompañamiento y acogida de estos asociados.

Palabras clave: VIH; Servicios de Salud; Parejas Sexuales; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Filosofía.


 

 

INTRODUÇÃO

A realidade atual das pessoas que vivem com o vírus HIV, causador da Síndrome da imunodeficiência adquirida, se transformou ao pensar na evolução dessa infecção no transcorrer dos quarenta anos que se passaram desde o seu descobrimento ¹. Essa evolução assegurou inúmeros avanços e possibilidades para uma qualidade de vida cada vez melhor, mediante as políticas de tratamento, estratégias de combate e prevenção da infecção disponibilizadas para essas pessoas, o que se reflete em seu contexto individual e coletivo 2,3,4.

Fruto dessas conquistas, as relações afetivas/sexuais sorodiferentes ou de sorologia mista, caracterizadas por um parceiro que possui sorologia positiva para o vírus HIV e outro sorologia negativa, são cada vez mais visíveis nos serviços de saúde, comparado aos primeiros anos da epidemia, sejam visualizadas na presença do parceiro positivo que é acompanhado no serviço, sejam pelo parceiro negativo por meio da busca da Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) ou da Profilaxia Pós-Exposição (PEP), ou quando os parceiros sexuais juntos procuram os serviços 5,3.

Apesar dos avanços nas últimas décadas, quanto ao tratamento, controle e prevenção da infecção pelo vírus HIV, em outros aspectos, essa velocidade não obteve o mesmo êxito, como é o caso, do estigma e preconceito relatado pelas pessoas que vivem com HIV, especialmente as que estão em relações sorodiferentes 6,7.

            O pensamento fortemente difundido na sociedade de que as relações sorodiferentes ao vírus HIV são caracterizadas como doentias, condenadas à morte ou a viver um sofrimento crônico, em que a transmissão do vírus para o parceiro negativo é apenas uma questão de tempo, mostram-se como um desafio para permanência nessas relações 7. Apesar de desmotivadora, essa realidade alcança ainda cenários importantes, como o serviço de saúde, em que profissionais com conhecimento defasado se tornam réis desses estigmas, e fragilizam a assistência integral e humanizada. Em sua maioria, o déficit de conhecimento e capacitação, bem como a reprodução de condutas estigmatizadas, são apontadas como potencializadoras frente à incompreensão e os preconceitos que circundam as parcerias sorodiferentes ao vírus HIV 8,7.

            Ao se estabelecer uma relação sorodiferente, assim como em qualquer outro tipo de relacionamento afetivo, a intenção é viver livremente sua sexualidade movida pelos mais variados sentimentos ou desejos. Para a Organização Mundial da Saúde, sexualidade é compreendida a partir do exercício integral da personalidade humana, que tem o poder de se conectar a pessoas por meio de sentimentos, pensamentos, ações, comportamentos, diálogos, intimidade, prazer, e não se limita ao cunho orgânico, mas tem a capacidade de integrar aspectos biopsicoemocionais de um indivíduo a outro 9.

Essa compreensão é necessária, pois parte dela a ideia de que as relações sorodiferentes precisam ser refletidas inicialmente como qualquer relação estabelecida entre dois sujeitos movidos pelo desejo de viver sua sexualidade, que é individual e subjetiva, com um outro parceiro, independentemente do seu status sorológico 10.

Nesse sentido, o presente estudo partiu da seguinte indagação: Como as relações sorodiferentes ao HIV e seus desafios podem ser pensados a partir da filosofia da vontade de Schopenhauer? Diante disso, o estudo objetivou refletir sobre as relações sorodiferentes ao HIV e seus desafios a partir da filosofia da vontade de Arthur Schopenhauer.

O estudo foi estruturado em dois eixos reflexivos. O primeiro foi elencado conceitos advindos do pensamento do filósofo Arthur Schopenhauer com foco em sua filosofia da vontade como representação do mundo, e o segundo apresentou reflexões acerca das relações estabelecidas dos aspectos filosóficos com as relações sorodiferentes ao HIV, com foco nos desafios vivenciados.

 

SCHOPENHAOUER E A VONTADE COMO REPRESENTAÇÃO DO MUNDO

Arthur Schopenhauer, filósofo alemão, nasce em 1788, e se dedica aos estudos de filosofia e toma como referência bases conceituais e reflexivas de Platão, Immanuel Kant e a filosofia hindu 11,12. Se destaca no século XIX e XX a partir de sua filosofia, que também pôde ser conhecida como metafísica da vontade, na qual nasce a partir da sua obra mais conhecida e importante “Mundo como vontade e representação” escrita entre o período de 1814 a 1818, e publicada fragmentada em quatro partes, a primeira publicada em 1818 13.

A construção da base conceitual do mundo como vontade e representação, parte inicialmente de uma das grandes influências que Schopenhauer recebeu, o pensamento de Kant acerca da tentativa de se chegar ao conhecimento das coisas em si, que mesmo considerando impossível, acreditava que o ponto de partida seriam as experiências práticas a partir dos fenômenos, partindo de como as coisas se apresentam no cotidiano, que para Kant seria o conhecimento fundamental e universal das coisas 14.

Nesse sentido, Schopenhauer considera o conhecimento da coisa em si, a própria vontade. Para o filósofo vontade vai além de um desejo, está relacionada com a força cósmica que impulsiona a vivência de todos os seres, através da individualidade e subjetividade. Sua filosofia fica conhecida por revelar a valorização da vontade em face da razão, e, portanto, evidenciá-la como a essência de tudo que existe, pois é impossível o homem diante, de sua existência, escapar dela 14.

Pensando na vontade como o impulso para a vivência dos seres, Schopenhauer destaca que o homem transfere todo o sentido da sua existência nos objetos, entendidos como qualquer coisa que se coloca diante do ser humano. O objeto carrega sua importância não podendo ser pensado sem sujeito e vice-versa, pois cada um deles tem sentido e existência apenas para e através do outro, essa relação entre sujeito e objeto, Schopenhauer chamou de objetivação da vontade 14.

A objetivação da vontade traduz o sujeito empírico que se enraíza no mundo, cuja essência é sentida na exteriorização das suas ações como uma força atuante, um fato da consciência que nada mais é que a vontade 14. Assim a consciência do indivíduo é a responsável por fazê-lo perceber como algo que quer, isto é, como uma manifestação individual da vontade, que lida com os objetos deste querer, as coisas externas do mundo por intermédio da representação que tem delas 14,15.

A representação, portanto, é um fato da consciência, são conhecimentos abstratos e conscientes do que se é percebido de um objeto, ou seja, é o acessar o mundo a partir das representações dos fenômenos, o que explica uma das máximas de Schopenhauer “o mundo é minha representação” 14. Tudo o que se percebe do mundo através da vontade é uma representação do mundo, no entanto, o mundo em si é desconhecido, só se conhece a representação que chega até nós, ou seja, os fenômenos, através da vontade 14.

A vontade como a essência da vida, nasce de uma carência a partir de um estado de sofrimento, pois para o filósofo, quando a vontade não se satisfaz, o sofrimento se instala. Quando é alcançada, a vontade não cessa, pois nunca se chegará a um estado de satisfação plena, partindo do pressuposto que novas perspectivas para satisfazer-se surgirão. Tal compreensão impele Schopenhauer a afirmar que a vida é um vale de lágrimas, no qual revela a condição de sofrimento do ser humano em um círculo infinito de dor e carência 14

Essa visão, revela que ao mesmo passo em que a vontade leva ao desejo no ser humano de vida, leva também ao sofrimento, e que quanto maior for à objetivação consciente da vontade, maior será seu sofrimento, pois a vontade é irracional e a razão aparece apenas como uma ferramenta. Esse pensamento explica uma das características marcante da filosofia schopenhauriana: o pessimismo 14.

Mesmo no estado de submissão às vontades, o sofrimento é inevitável, pois quando o indivíduo chega ao alcance de seus desejos, a sensação não será de felicidade, mas de tédio. Portanto, viver seria um estado de sofrimento perpétuo, em que não há possibilidades para ser feliz 14, 16.

Esses conceitos constituem e fundamentam a filosofia básica de Schopenhauer dando lugar a mergulhos ainda mais profundos e variados que mais tarde irão influenciar e impulsionar teorias e pensamentos de outros filósofos, como Frederich Nietzshe e Sigmund Freud 11.

 AS RELAÇÕES SORODIFERENTES AO VÍRUS HIV E O PENSAMENTO DE SCHOPENHAOER

As relações sorodiferentes ao vírus HIV enfrentam na sociedade os desafios que é viver sua sexualidade e parceria de vida com a presença de um vírus considerado incurável 17. Esses desafios se estendem a diferentes razões, como a presença do estigma e preconceito presentes desde o início da infecção e que perdura até os dias atuais, a falta de entendimento do que de fato são essas relações, os cuidados e métodos preventivos existentes, e como elas devem ser encaradas 7.

Esses desafios parecem ter origens diferentes, no entanto, a filosofia Schopenhauriana convida a uma reflexão em que se permite pensar essas relações como uma manifestação da vontade de dois sujeitos que em suas individualidades e essência decidem e se permitem viver o fenômeno da sorodiferença no mundo. E para isso, não é necessário pensar em uma razão que explique o que para muitos seria irracional viver, como é o caso de se envolver afetivamente e sexualmente com alguém que viva com o vírus HIV, pois a vontade existe por si só e é capaz de mover o ser humano no mundo.

Essa compreensão é necessária, pois reflete a ideia de liberdade em viver as escolhas e desejos que é próprio de cada ser 15. Sua importância se estende a sociedade em geral que precisa normalizar a existência dessas relações, não partindo de uma ideia fictícia que o vírus não existe diante da sexualidade dos parceiros sexuais e assim desprezar os cuidados, mas enxergando essas relações como possíveis e reais, dignas de viver todas as possibilidades que uma relação afetiva sem o vírus pode, como por exemplo, a gestação 5.

Um outro cenário que merece essa reflexão, são os serviços de saúde desde a Atenção Primária à Saúde (APS) aos Serviços de Assistência Especializada (SAE), responsáveis por acolher os casais sorodiferentes e prestar assistência terapêutica necessária 18. O manejo correto dos profissionais de saúde para lidar com esses casais é uma realidade desafiadora, pois depara-se com o déficit de conhecimento e preparo associado aos conceitos estigmatizantes alimentados no convívio social e que são reproduzidos nos serviços 19,20. Esses dilemas podem ser potencializados ou até mesmo nascer a partir da falta de compreensão acerca do respeito à vontade enquanto essência de cada sujeito.

Nesse contexto, o indivíduo soronegativo, sofre com a incompreensão e acaba sendo julgado pela escolha de permanecer ao lado do companheiro (a), em situações em que o vírus surgiu já em uma relação existente, ou, quando ele decide entrar em um relacionamento dessa natureza. Esse julgamento, muito se dá em decorrência do pensamento dos que os veem de fora por não ser uma vontade que eles teoricamente teriam ou cederiam diante da possibilidade de envolvimento com um parceiro que vive com HIV. É nesse ponto que a filosofia de Schopenhauer chama atenção, pois se a vontade é a essência do ser humano, e ela é individual e subjetiva, ou seja, sentida cada um à sua maneira, então as vontades de uns não deveriam ser julgadas com base nas vontades dos outros 14,15

Ao analisar a característica pessimista da filosofia shopenhauriana, o sofrimento pode ser refletido a partir de dois contextos quando se refere a sorodiferença. Partindo do pensamento de que a vontade nunca se esgota, os parceiros vivenciam o dilema de mesmo serem conscientes sobre a importância do uso dos métodos preventivos, se deparam com o desejo de viver a relação sexual livre, sem a interferência de um método de proteção, como é o caso do preservativo 10,21. Mesmo atualmente tendo se alcançado a taxa de carga viral I=I (Indetectável é igual a Intransmissível) a partir do tratamento com os antirretrovirais, ainda existe o receio da transmissão, e a sensação de angústia permanece 21.

Outra reflexão importante sobre o sofrimento, é a visão negativa construída da sociedade sobre a sorodiferença, que converge para a ideia de que relações dessa natureza são condenadas ao sofrimento, pois como não há cura, viverão constantemente reféns da dor. Tal característica era marcante nas três primeiras décadas da infecção, no entanto, evidencias científicas atuais, mostram que essa realidade ainda toma espaço considerável 20.

Na obra Metafísica do amor e da morte considerada suplementar a obra Mundo como vontade e representação, Schopenhauer fala do amor e da morte como fenômenos que ocasionam sofrimento 14 (SCHOPNEHAUER, 2005). Ao pensar na metafísica do amor, é traçado um paralelo com a vivencia da sexualidade, no qual revela ser os impulsos sexuais o cerne da vontade dos corpos, movido pelo amor, força motriz desse desejo. E mesmo perante à existência do sofrimento que para ele é inevitável, enfrentá-lo a partir dos perigos que podem surgir da satisfação do núcleo do seu ser movido pela vontade, vale a pena 14.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A filosofia de Schopenhauer permite refletir as relações sorodiferentes ao vírus HIV a partir da vontade como essência do ser humano que se manifesta no mundo. Um mundo, partindo do contexto de sociedade, as enxergam de forma conflituosa e preconceituosa. Além disso, chama a atenção para o ponto de partida que se deve observar essas relações, o qual fortalece e direciona para o alcance de uma compreensão básica necessária no processo de ressignificação da infecção pelo vírus HIV. 

A intepretação das relações sorodiferentes à luz de Schopenhauer tanto evidencia a direção para melhor compreensão da vivência de relações dessa natureza, como traz a realidade dos desafios por meio de sua caraterística pessimista acerca do sofrimento, que hora se apresenta de fato como uma realidade, hora consiste apenas no reflexo do estigma reproduzido na sociedade. Além disso, é importante considerar que, embora frente a todos os riscos existentes nas relações sorodiferentes, a permanência no relacionamento tem estreita relação com a filosofia de Schopenhauer, na qual a vontade de permanecer no relacionamento é a força matriz para vencer os desafios.

Nas práticas de saúde, essas reflexões apontam para a necessidade de haver atualização e capacitação profissional constante na mesma velocidade em que a evolução das políticas e estratégias de enfrentamento da infecção pelo vírus HIV acontecem, uma vez que, a atuação competente e atualizada dos profissionais de saúde será determinante para intensificar as ações de educação em saúde na sociedade, e a assistência integralizada e acolhedora dos parceiros sorodiferentes, e no âmbito da prática da enfermagem isso não é diferente.

Sendo a enfermagem a profissão que frequentemente realiza o primeiro atendimento e o acolhimento do indivíduo no serviço de saúde, torna-se indispensável a compreensão das relações sorodiferentes, tanto no que concerne aos seus aspectos clínicos, quanto sociais, e as reflexões suscitadas a partir da filosofia schopenhauriana possibilitam ao profissional de enfermagem e de toda a equipe multiprofissional desenvolver o pensamento crítico-reflexivo para além do raciocínio clínico, contribuindo para o desenvolvimento de um cuidado congruente às especificidades de sua clientela.

Como limitações, aponta-se a escassez de estudos que promovem a fundamentação da temática em questão com um aporte filosófico. Assim, este estudo assume um caráter inovador contribuindo para subsidiar reflexões importantes no contexto da saúde e da enfermagem.

 

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Submissão: 2022-02-08

Aprovado: 2022-02-25