ESTADO VACINAL DE COLEGIAIS ADOLESCENTES
VACCINATION STATUS OF ADOLESCENT SCHOOLCHILDREN
ESTADO DE VACUNACIÓN DE ADOLESCENTES ESCOLARES
https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.3-art.1921
1Ana Beatriz Sousa Alencar Cantuária
2Flávia Martins Montelo
3Henrique Teixeira Abella
4Tereza Raquel Carvalho da Silva
5Ulisses Vilela Hipólito
6Mirian Cristina dos Santos Almeida
1Universidade Federal do Tocantins, Palmas (TO), Brasil, https://orcid.org/0000-0003-2305-3861
2Universidade Federal do Tocantins, Palmas (TO), Brasil, https://orcid.org/0000-0003-0676-256X
3Universidade Federal do Tocantins, Palmas (TO), Brasil, https://orcid.org/0000-0002-2953-2145
4Universidade Federal do Tocantins, Palmas (TO), Brasil, https://orcid.org/0000-0002-7355-005X
5Universidade Federal do Tocantins, Palmas (TO), Brasil, https://orcid.org/0000-0003-0353-6479
6Universidade Federal do Tocantins, Palmas (TO), Brasil, https://orcid.org/0000-0002-9178-1345
Autor correspondente
Ana Beatriz Sousa Alencar Cantuária
Submissão: 05-07-2023
Aprovado: 13-06-2024
RESUMO
Propõe-se avaliar o estado vacinal de escolares matriculados dos 4º aos 9º anos em escolas municipais de Palmas - TO. Método: Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, transversal, com abordagem quantitativa realizado entre novembro de 2020 e abril de 2021 por meio da avaliação de 145 cartões de vacina de estudantes das 4 regiões da cidade. Resultados: A idade média foi de 11 anos e 5 meses, com maior participação de estudantes do sexo feminino (53,79%). Dos cartões avaliados, 62,76% dos colegiais estavam com o estado vacinal em atraso, incluindo Febre Amarela, Difteria/Tétano, Tríplice Viral, Meningites ACWY e HPV. Notou-se associação entre sexo e o estado vacinal em atraso, onde as meninas apresentaram maior índice de atraso vacinal. Conclusões: Mais da metade dos colegiais estavam com estado vacinal em atraso, com maior percentual nas vacinas contra Febre Amarela (reforço) e Meningite ACWY.
Palavras-chave: Programas de Imunização; Cobertura Vacinal; Adolescente; Atenção Primária à Saúde; Saúde do Estudante.
ABSTRACT
It is proposed to evaluate the vaccination status of students enrolled from the 4th to the 9th years in municipal schools in Palmas - TO. Method: This is a descriptive, exploratory, cross-sectional study with a quantitative approach carried out between November 2020 and April 2021 through the evaluation of 145 vaccine cards from students from the 4 regions of the city. Results: The average age was 11 years and 5 months, with a greater participation of female students (53.79%). Of the evaluated cards, 62.76% of the students were in arrears with their vaccination status, including Yellow Fever, Diphtheria/Tetanus, Triple Virus, ACWY Meningitis and HPV. There was an association between gender and the status of vaccine delay, where girls had a higher rate of vaccine delay. Conclusions: More than half of the students were in arrears with their vaccination status, with a higher percentage of Yellow Fever vaccines (booster) and ACWY Meningitis.
Keywords: Immunization Programs; Vaccination Coverage; Adolescent; Primary Attention; School Health.
RESUMEN
Se propone evaluar el estado vacunal de los alumnos matriculados del 4º al 9º año en las escuelas municipales de Palmas - TO. Método: Se trata de un estudio descriptivo, exploratorio, transversal con enfoque cuantitativo realizado entre noviembre de 2020 y abril de 2021 mediante la evaluación de 145 carnés de vacunas de estudiantes de las 4 regiones de la ciudad. Resultados: La edad promedio fue de 11 años y 5 meses, con mayor participación de estudiantes del sexo femenino (53,79%). De los carnés evaluados, el 62,76% de los estudiantes se encontraban en mora con su estado de vacunación, incluyendo Fiebre Amarilla, Difteria/Tétanos, Triple Virus, Meningitis ACWY y VPH. Hubo una asociación entre el género y el estado de retraso en la vacunación, donde las niñas tenían una mayor tasa de retraso en la vacunación. Conclusiones: Más de la mitad de los estudiantes se encontraban en mora con su estado vacunal, con mayor porcentaje de vacunas de Fiebre Amarilla (refuerzo) y Meningitis ACWY.
Palabras clave: Programas de Inmunización; Cobertura de Vacunación; Adolescente; Atención Primaria de Salud; Salud del Estudiante.
INTRODUÇÃO
A descoberta da imunização foi um dos mais importantes avanços da medicina, sendo que sua utilização em larga escala permitiu a diminuição e erradicação de doenças entre os séculos XVIII a XX. Em contraponto, a vacinação sempre encontrou obstáculos de aceitação por parte da população no decorrer dos anos, exemplo disso, foi o cenário de instituição da vacinação obrigatória contra varíola imposta pelo governo federal em novembro de 1904, que provocou revolta na população, principalmente pela forma violenta e autoritária que fora administrada, deflagrando o movimento popular chamado “Revolta da vacina”⁽¹⁾.
Apesar da negligência em relação à vacinação colocar em risco toda a população, em pleno século XXI, o movimento antivacina tem apresentado crescimento, refletindo na diminuição da cobertura vacinal e consequentemente no risco do ressurgimento de doenças erradicadas ou controladas, trazendo preocupações com a saúde pública. Conforme dados apresentados pelo Observatório da criança e do adolescente, nos últimos anos a cobertura vacinal, de maneira geral, apresenta-se abaixo da meta esperada. Em 2015, o índice brasileiro era de 95%, sendo o ano com maior cobertura desde que começou a ser registrado em 1994. Em 2019 a cobertura vacinal no país foi de 73,4% e no estado do Tocantins 87%, com queda acentuada em 2021 para 61,5% considerando todo o território e 79,9% no Tocantins⁽²⁾.
Reconhecido internacionalmente por sua atuação, o Programa Nacional de Imunização (PNI) completou 50 anos em 2023. Mesmo com as coberturas abaixo do ideal, quase 43 milhões de doses de vacinas de rotina foram aplicadas em 2022, contanto com a atuação de cerca de 193 mil profissionais de enfermagem atuantes nas mais de 38 mil salas de vacina distribuídas em todo o Brasil⁽³⁾. O cartão de vacina ou a caderneta de saúde da criança/adolescente (CV) resguarda o direito de todos os cidadãos quanto ao registro das informações sobre as vacinas recebidas, contendo espaço para registro das vacinas do calendário básico nacional, com seus respectivos lotes, identificação da unidade de administração, nome do profissional responsável pela aplicação, data da aplicação e aprazamento para a próxima dose. Essas informações são imprescindíveis tanto para controle e notificação de eventos adversos, quanto para facilitar o retorno da população que não possui conhecimento sobre o calendário vacinal à unidade de saúde(4).
O período da adolescência, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), compreende de 10 a 19 anos; dentro desse período nos anos de 2020/2021 eram recomendadas no Brasil pelo PNI as seguintes vacinas: Hepatite B, Febre Amarela, Tríplice viral, Papiloma Vírus Humano (HPV), Meningocócica ACWY e Dupla adulto (dT), devendo ser considerado o histórico vacinal anterior. Nesse período as vacinas contra HPV e Meningocócica ACWY possuíam idade restrita para aplicação, sendo HPV para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos e a meningocócica ACWY para adolescentes entre 11 e 12 anos(5).
Devido ao contexto mundial, o enfrentamento da pandemia contribuiu para que o índice de vacinação diminuísse em consequência do distanciamento social e das restrições para o combate à COVID-19(6). Na Inglaterra, após três semanas de implementação do isolamento social, a cobertura vacinal de sarampo-caxumba-rubéola teve uma queda em torno de 19.8% em comparação ao mesmo período em 2019(7). Em consoante, dados coletados pela OMS, Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), GAVI Alliance, e o Sabin Vaccine Institute, apontam que a vacinação de rotina foi prejudicada em pelo menos 68 países durante a pandemia de COVID-19, afetando em torno de 80 milhões de crianças(8).
Assim, o presente estudo tem como objetivo analisar a situação vacinal e os registros de imunização de estudantes matriculados dos 4° ao 9° anos em escolas municipais de Palmas-TO.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, de campo, transversal, com abordagem quantitativa, realizado nas escolas municipais de Palmas, capital do Tocantins, situada na região norte do Brasil, no período de novembro de 2020 a abril de 2021. O estudo foi realizado por amostra não probabilística por conveniência, onde buscou-se garantir a participação de estudantes do Ensino Fundamental da 4ª a 9ª série das 4 regiões da cidade: Centro, Sul, Norte e Campo. Para este fim, foi realizado o sorteio de 1 escola por região. Por se tratar de período pandêmico, onde as aulas presenciais estavam suspensas, para enviar o convite de participação na pesquisa, os pesquisadores foram inseridos nos grupos do aplicativo “WhatsApp” de cada turma de escolares ou receberam uma lista com dados dos números de telefones dos responsáveis pelos estudantes.
Desse modo, foram contatados aproximadamente 729 pais/responsáveis e aqueles que concordaram em participar do estudo, enviaram as fotos do cartão de vacina (CV) das folhas de identificação (data de nascimento, sexo biológico do estudante) e dos registros de imunização. Assim, a amostra foi constituída pelo total de CV analisadas (145), após anuência dos responsáveis, e exclusão das CV, que no momento da coleta de dados estavam ilegíveis, impedindo a identificação do estudante ou dos imunobiológicos. O critério de inclusão foi estar matriculado entre o 4º e 9º ano, nas escolas municipais de Palmas (TO).
Após anuência para participação no estudo, os responsáveis receberam via WhatsApp uma cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), bem como orientações sobre o estado vacinal do estudante e a importância da imunização. Os que estavam com imunização em atraso foram orientados a procurar a unidade de saúde mais próxima para atualização.
Este estudo faz parte de um projeto maior, denominado "Análise do estado vacinal e dos registros de imunização de crianças e adolescentes”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Tocantins (UFT) (Parecer Nº 3.537.521- CAAE 13308119.8.0000.5519).
As informações das fotos dos CV demográficas (sexo, idade, escola, série) e relacionadas a cada imunobiológico do calendário nacional de imunização (nome do imunobiológico, número de doses, data de administração, presença de aprazamento e estado vacinal no momento da coleta de dados) foram passadas para planilha do programa de computador Excel, em forma de banco de dados, codificados e após a correção de erros e inconsistências, foram exportados para o Software Statistical Package for the Social Sciences for Windows (SPSS) versão 22.0, onde foram realizadas análises com base estatística descritiva e inferencial (para as associações).
Os dados foram apresentados na forma de tabelas com frequência relativa e absoluta, média, DP, valores mínimos e máximos. Para a análise da associação entre estado vacinal e sexo, região e presença da anotação do aprazamento, utilizou-se o Teste Qui –quadrado e para a associação com a faixa etária o teste Exato de Fisher, considerando valores significativos valor de p menor ou igual a 0,05.
RESULTADOS
Dos 725 pais/responsáveis que receberam o convite, apenas 145 aceitaram participar do estudo e enviaram a foto do CV. Dessa forma, foram avaliados 145 CV de estudantes, onde a idade média foi de 138,68 meses (11 anos e 5 meses), sendo a maior idade 188 meses (15 anos e 6 meses) e a menor 101 meses (8 anos e 4 meses), com desvio padrão de 21,26 meses. Foram coletadas amostras de escolares de todas as regiões de Palmas (TO), sendo 29(20,01%) na região Rural, 44(30,34%) na Norte, 26(17,93%) no Centro e 46(31,72%) no Sul de Palmas -TO.
Atendendo o calendário vacinal proposto pelo PNI para adolescentes, que considera a administração das vacinas realizadas na infância (minimamente 3 doses contra difteria e tétano, com reforço a cada 10 anos; 2 doses contra sarampo, caxumba e rubéola (tríplice viral); 3 doses contra Hepatite B; 2 doses contra febre amarela) verificou-se que 45 (31,03%) estudantes não estavam com esse esquema mínimo completo, sendo que alguns apresentavam ausência de mais de uma vacina. A Tabela 1 apresenta os dados referentes às vacinas em atraso do calendário mínimo e que ainda podem ser atualizadas na adolescência, incluindo a vacina DTP (contra difteria, tétano e coqueluche) que deve ser substituída pela dT (dupla adulto), devido à idade. Destaque para o reforço da febre amarela com 39 doses não administradas (Tabela 1).
Tabela 1 - Distribuição das vacinas em atraso referentes ao calendário vacinal mínimo da infância. Palmas, 2020/2021
Vacinas |
N |
% |
|
1º reforço DTP |
1 |
1,79 |
|
2º reforço DTP |
7 |
12,50 |
|
1º dose Tríplice viral |
1 |
1,79 |
|
2º dose Tríplice viral |
7 |
12,50 |
|
Febre Amarela 1º dose |
1 |
1,79 |
|
Febre amarela (reforço) |
39 |
69,63 |
|
TOTAL |
56 |
100,00 |
Considerando todas as vacinas do calendário preconizadas pelo PNI para os adolescentes, identificou-se que 62,72% dos estudantes encontravam-se com estado vacinal em atraso (Tabela 2).
Tabela 2 - Associação da situação vacinal dos estudantes e faixa etária, sexo e presença de anotação do aprazamento no cartão de vacinas. Palmas (TO), 2020/2021.
Situação Vacinal atualizada |
|
||||||||
|
Sim |
Não |
Total |
P valor |
|
||||
N |
% |
N |
% |
N |
% |
|
|||
Faixa Etária |
|
|
|
|
|
|
|
|
|
< 9 anos |
4 |
7,41 |
1 |
1,10 |
5 |
3,45 |
0,087* |
|
|
De 9 a 12 anos |
40 |
74,07 |
65 |
71,40 |
105 |
72,41 |
|
||
≥ 13 anos |
10 |
18,52 |
25 |
27,50 |
35 |
24,14 |
|
||
Sexo |
|
|
|||||||
Feminino |
23 |
42,59 |
55 |
60,44 |
78 |
53,79 |
0,037** |
|
|
Masculino |
31 |
57,41 |
36 |
39,56 |
67 |
46,21 |
|
||
Presença de anotação do aprazamento |
|
||||||||
|
|||||||||
|
|||||||||
Sim |
31 |
57,41 |
59 |
64,84 |
90 |
62,07 |
0,372** |
|
|
Não |
23 |
42,59 |
32 |
35,16 |
55 |
37,93 |
|
||
Total |
54 |
37,24 |
91 |
62,76 |
145 |
100,00 |
|
|
*Teste Exato de Fisher
**Teste Qui-quadrado
Verificou-se associação entre sexo e a situação vacinal (x²=4,343, p=0,037), onde o maior índice de atraso vacinal foi no sexo feminino (60,44%). Quanto ao aprazamento (data de retorno para a próxima dose da vacina), 90 (62,07%) CV apresentavam essa anotação e 55 (37,93%) não (Tabela 2). É importante enfatizar que destes 55 sem aprazamento, 32 estavam em situação vacinal em atraso.
Tabela 3 - Distribuição da administração das vacinas específicas para adolescentes, segundo o calendário nacional de imunização. Palmas, 2020/2021
VACINA |
Administrada |
Não administrada |
Total |
|
|||
|
|||||||
N |
% |
N |
% |
N* |
|
||
HPV 1ª dose |
71 |
63,96 |
40 |
36,04 |
111 |
|
|
HPV 2ª dose |
43 |
45,26 |
52 |
54,74 |
95 |
|
|
Meningo C** |
30 |
35,29 |
55 |
64,71 |
85 |
|
|
Meningo ACWY |
15 |
18,29 |
67 |
81,71 |
82 |
|
|
dT (reforço) |
5 |
41,67 |
7 |
58,33 |
12 |
|
|
Total de doses |
164 |
42,60 |
221 |
57,40 |
385 |
|
*considerando a idade dos escolares no momento da coleta de dados e a idade mínima recomendada para vacinação, segundo o PNI (2021).
**a partir de 2020 a vacina Meningocócica C foi substituída pela Meningocócica ACWY. Os adolescentes que já haviam recebido a Meningocócica C também eram elegíveis para receber a meningocócica ACWY, desde que estivessem com idade entre 11 e 12 anos.
Considerando a idade dos escolares no momento da coleta de dados, dentre as vacinas preconizadas a partir dos 9 anos (HPV, Meningocócica C /ACWY) a 1º dose de HPV foi a que apresentou maior número de doses administradas 71 (63,93%) (Tabela 3). Dos que não receberam a 1ª dose da HPV (40; 36,04%), 2 estudantes perderam o prazo de administração, segundo as normas do calendário básico do adolescente, pois possuem 15 anos ou mais.
A 2ª dose de HPV não foi administrada em 52 (54,74%) estudantes (Tabela 3). Desses, 30 não fizeram nem mesmo a 1ª dose da vacina e já possuíam idade para a 2ª dose; 2 perderam a oportunidade de vacinação (são os mesmos que perderam a primeira dose de HPV). Apenas 5 estudantes que haviam recebido a 1ª dose da vacina contra HPV, ainda não estavam no prazo recomendado para receber a 2ª dose (intervalo de 6 meses entre a 1ª e 2ª dose), ou seja, para completar o esquema vacinal para HPV.
Na análise sobre a vacina meningocócica ACWY, 67 (81,71%) estudantes não foram imunizados (Tabela 3). Desses, 32 perderam o prazo para imunização devido à idade preconizada (entre 11 e 12 anos), sendo que no momento da introdução da vacina no PNI (2020), 18 já possuíam idade superior à estipulada para a vacinação. Assim, 35 estudantes foram encaminhados para unidade de saúde mais próxima da residência para receber a vacina (em atraso).
Dos 55 (64,71%) cartões de vacina que não constavam o registro da vacina meningocócica C (Tabela 3), 9 havia registros da ACWY, portanto estão imunizados. No entanto, 16 colegiais com 13 anos ou mais que não foram vacinados contra meningocócica C ou meningocócica ACWY perderam a oportunidade de receber essas vacinas devido à idade, seguindo o calendário nacional de imunização vigente em 2020/2021.
Quanto ao reforço da dT, dos 12 escolares que já estavam no período para receber, 7 (58,33%) ainda não haviam recebido.
DISCUSSÃO
Nesse estudo, dos 145 cartões analisados, mais da metade (62,76%) estavam com atraso vacinal, apresentando em alguns casos, mais de uma vacina não administrada, denotando que os participantes do estudo se encontravam desprotegidos contra algumas doenças para quais são oferecidas imunizações gratuitas pelo PNI. Assim, considerando que a vacinação é um importante meio de controle de doenças deve-se fomentar a manutenção do CV atualizado, de forma que se a imunização é adiada ou não realizada, o risco de contágio aumenta, podendo causar uma série de problemas para a sociedade, de uma maneira geral.
Como repercussão, dentre as doenças imunopreveníveis que tiveram aumento de casos confirmados nos últimos anos, é possível citar o Sarampo e a Febre Amarela, sendo que surtos de sarampo ocorreram em 11 unidades federativas em 2018 com um total de 10.326 casos, onde havia 90% de cobertura de primeira dose e 79% de cobertura de segunda dose(9). No presente estudo, encontrou-se escolares com atraso da vacina tríplice viral, que protege contra Sarampo, Caxumba e Rubéola, sendo que a prevalência dessas doenças demonstra que mudanças importantes e métodos adicionais são essenciais para o resgate e vacinação de certas populações vulneráveis, como crianças, tendo em vista que a presença de patógenos, como a poliomielite e o sarampo estão presentes em países da Ásia, África Central e Oriente Médio, representando um risco iminente de surtos epidêmicos que podem chegar ao Brasil(6).
As arboviroses também têm sido, historicamente, um desafio para os sistemas de vigilância em saúde, sendo a Febre Amarela, em particular, uma arbovirose humana imunoprevenível com potencial epidêmico que pode causar quadros clínicos graves com alta taxa de letalidade(10). Além disso, a baixa cobertura vacinal para febre amarela é evidenciada na literatura: os índices de atraso vacinal no estudo de Viegas et al(11) estavam em 64% da amostra, dados estes semelhantes ao encontrado no atual estudo onde 69,63 % dos participantes apresentaram atraso do reforço contra Febre Amarela.
Há alguns anos a Organização Mundial da Saúde (OMS) revisou sua estratégia de eliminação dos surtos de Febre Amarela e enfatizou que as estratégias para eliminar as epidemias devem ir além da imunização, como fortalecer a capacidade de testagem de vigilância e a capacidade de resposta laboratorial, porque a manutenção de 100% de cobertura vacinal contra a Febre Amarela em algumas áreas não é viável(6). Com relação ao Brasil, o governo seguiu recomendações da OMS, ofertando apenas uma dose da vacina até o ano de 2019, entretanto, houveram altos índices de casos confirmados entre os anos de 2017 a 2019, com observação para o ano de 2018 que teve registro de 1.376, dos quais 483 evoluíram para óbito(10,12). Assim, a vacinação contra a febre amarela foi atualizada a partir de estudos que apontam declínio das respostas imunes em crianças vacinadas nos primeiros anos de vida, instaurando-se no Brasil, a partir de 2020, a segunda dose da Febre Amarela para quem tomou a primeira dose antes dos 4 anos de idade(2,5,6).
Vacinas como a HPV e Meningocócica C/ACWY possuem faixa etária restrita para serem administradas no PNI, dessa forma o adolescente que perde o prazo para receber o imunizante, fica vulnerável a possíveis infecções posteriormente, exceto nos casos de indivíduos imunossuprimidos que possuem ampliação da idade para a imunização(13). A vacina contra HPV protege contra o câncer de colo uterino, que anualmente apresenta aproximadamente 570 mil novos casos no mundo, sendo a 4º causa de morte mais frequente entre mulheres(14). Com a análise dos dados coletados nesta pesquisa, foi detectado que mais de 30% dos estudantes não tomaram a primeira dose de HPV e mais da metade não tomaram a segunda dose, denotando o atraso do estado vacinal pelo grupo em questão, podendo implicar consequências para a saúde desses, implicando negativamente no perfil de morbimortalidade futuro.
A literatura aponta que a adesão de adolescentes à vacina contra o HPV está associada ao conhecimento dos pais e adolescentes em relação à doença e o imunizante, a relação entre o câncer de colo de útero e verrugas genitais e oferta da vacina em escolas através da recomendação de professores e profissionais da saúde(15). Em relação a não adesão foram observados fatores como hábito de uso de preservativos, dor associada a vacinação, eventos adversos e baixo risco percebido de infecção pelo HPV, crenças e valores quanto ao comportamento social, considerando também que responsáveis de adolescentes associam a imunização ao início precoce da vida sexual e apresentam dificuldades em abordar assuntos relacionados a sexualidade com os filhos(15).
Apesar dos avanços conquistados pelo PNI com a introdução no decorrer de sua existência de diversos imunobiológicos no calendário básico, garantindo acesso gratuito e impactando no perfil de morbimortalidade(16). Nesse interim, após avanços na vacinação da população contra a COVID-19, foi necessário retomar o enfrentamento de outro desafio: reverter a queda na cobertura vacinal de vacinas do calendário básico, que com a pandemia, passou a registrar números ainda menores. Em julho de 2020, a UNICEF e a OMS alertaram sobre o declínio no número de crianças e adolescentes imunizados, devido a diminuição de fornecimento e aceitação de vacinas, além da ocorrência da pandemia de COVID-19(7,8). Viegas et al(11) consideraram que a hesitação vacinal pode estar associada falta de conhecimento sobre os imunizantes e suas importâncias, visto que os adolescentes do estudo realizado consideraram a vacinação importante, porém mostraram-se leigos acerca do calendário vacinal e dos imunizantes que são disponibilizados.
Em consoante, uma pesquisa realizada nos primeiros meses de 2021em oito países sobre o motivo pelo qual os pais não estavam vacinando seus filhos contra meningite meningocócica encontrou que o medo de contrair a COVID-19 e as devidas precauções de contato foi um dos fatores que contribuíram para a redução da vacinação. No Brasil, 72% dos entrevistados que não vacinaram seus filhos apontaram que as restrições para precaução do COVID-19 foi o motivo da ausência. Considerando os oito países onde a pesquisa foi realizada, 63% atribuíram o atraso vacinal devido a medidas de isolamento, 33% afirmaram ter medo de contrair a doença em locais públicos e 20% dos responsáveis não levaram as crianças por terem contraído a doença ou por estarem cuidando de alguém infectado(17).
Com relação à doença meningocócica no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, é mais incidente em crianças menores de 1 ano, mas também atinge substancialmente adolescentes e adultos jovens, sendo esses atores importantes na transmissão do meningococo na comunidade, devido às elevadas taxas de colonização de nasofaringe. Entre 2015 e 2019 mais da metade dos casos de doenças meningocócica ocorreram em maiores de 15 anos e neste mesmo período, a letalidade média entre adolescentes de 10 a 19 anos foi de 17,2%(18). Considerando a letalidade e as sequelas resultantes da doença meningocócica, a falta de adesão à vacina é um problema para o controle da doença, somado ao fato da eficácia protetora das vacinas para os sorogrupos ACWY diminuir com o tempo(19). Nesta pesquisa, grande parte dos escolares que possuíam idade recomendada não receberam as vacinas Meningocócica C ou a Meningocócica ACWY.
Outra explicação que justifica a baixa adesão para ACWY meningocócica e também o reforço da vacina Febre amarela pode ser decorrente da inclusão dessa vacinas no calendário vacinal brasileiro durante a pandemia de COVID-19 em 2020. Devido às restrições e foco na descoberta de uma vacina contra o coronavírus, pais e responsáveis podem não ter percebido a alteração do calendário vacinal, além de profissionais da saúde não terem conseguido aplicar estratégias de enfoque para atualização vacinal em consequência do cenário pandêmico.
No entanto, a não vacinação pode estar sempre relacionada ao contexto histórico, político e sociocultural da vacinação. Reforça-se a necessidade de ações de educação em saúde sobre a importância da imunização, a educação permanente dos profissionais da atenção primária à saúde, bem como a busca ativa por pessoas com calendários vacinais incompletos e atualizações oportunas para alcançar cobertura vacinal satisfatória(20).
CONCLUSÕES
O objetivo deste estudo foi analisar a situação vacinal de crianças e adolescentes das escolas municipais de Palmas -TO e com os dados obtidos foi evidenciado que as metas preconizadas pelo Ministério da Saúde não foram atingidas, visto que mais da metade dos colegiais estavam com estado vacinal em atraso, sendo o maior percentual nas vacinas contra Febre Amarela (reforço) e Meningite ACWY.
Durante o desenvolvimento do estudo foi possível beneficiar diretamente os participantes pelo esclarecimento de dúvidas sobre a imunização, enfatizando sua importância no cenário atual e, ainda, encaminhá-los a uma unidade de saúde para atualização da situação vacinal, corroborando assim para o aumento da cobertura vacinal.
As dificuldades no desenvolvimento do estudo foram diretamente relacionadas ao método de coleta de dados online devido às circunstâncias da pandemia do COVID19. Com o aumento do número de fake news sobre vacinas e golpes aplicados via WhatsApp, muitos pais ou responsáveis se negaram a participar, mesmo com fornecimento de explicações e apresentação dos documentos de autorização da pesquisa.
Considerando que a enfermagem desempenha um papel importante no programa nacional de imunização, em diferentes contextos, faz-se necessário intensificar no período pós pandêmico, as iniciativas de educação em saúde sobre a importância da imunização e a repercussão da baixa cobertura vacinal no perfil de morbidade e mortalidade da população, além de ações de busca ativa para fomentar o aumento da cobertura vacinal.
REFERÊNCIAS
1 Needell JD. The Revolta contra Vacina of 1904: the revolt against “modernization” in Belle Epoque Rio de Janeiro. Hisp Am Hist Rev [Internet]. 1987 [acesso 2024 Jun 11]]; 67(2):233-69. Disponível em: https://read.dukeupress.edu/hahr/article/67/2/233/147837/The-Revolta-Contra-Vacina-of-1904-The-Revolt
2 Fundação ABRINQ. Cobertura de vacinas por imunobiológicos, 2023 [Internet]. São Paulo: Fundação ABRINQ; 2023. [acesso 2024 Jun 11]. Disponível em: https://www.fadc.org.br/sites/default/files/2023-10/um-retrato-infancia-adolescencia-2023.pdf
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Fomento: Universidade Federal do Tocantins
Contribuição dos autores
Ana Beatriz Sousa Alencar Cantuária: Análise de dados, elaboração, revisão e correção do manuscrito.
Flávia Martins Montelo: Análise de dados, coleta de dados, elaboração, revisão e correção do manuscrito.
Henrique Teixeira Abella: Concepção, metodologia, coleta de dados, análise de dados e elaboração do manuscrito.
Ulisses Vilela Hipólito: Coleta de dados, revisão e correção do manuscrito.
Mirian Cristina dos Santos Almeida: Concepção, metodologia, análise de dados, revisão e correção do manuscrito.
Tereza Raquel Carvalho da Silva: Análise de dados, coleta de dados e elaboração do manuscrito.