ARTIGO ORIGINAL

 

ESTRUTURAÇÃO DE UM AMBULATÓRIO PARA PREVENÇÃO E CONTROLE DA SÍNDROME MÃO-PÉ: UTILIZANDO A MEODOLOGIA LEAN

 

STRUCTURING AN OUTPATIENT FOR THE PREVENTION AND CONTROL OF HAND FOOT SYNDROME: USING THE LEAN MEODOLOGY

 

ESTRUCTURACIÓN DE UN PACIENTE AMBULATORIO PARA LA PREVENCIÓN Y CONTROL DEL SÍNDROME MANO PIE: UTILIZANDO LA MEODOLOGÍA LEAN

 


 

https://doi.org/10.31011/reaid-2023-v.97-n.3-art.1976 

 

1Lucimere Maria dos Santos

2Milena Quaresma Lopes

3Yara Pereira Santos Silva

4Teresa Cristina Silva Palermo

 

1Instituto Nacional de Câncer, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3455-1268

2Instituto Nacional de Câncer, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4814-3444

3Instituto Nacional de Câncer, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0009-0001-0666-7071

4Instituto Nacional de Câncer, Brasil. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-8413-0336

 

Autor correspondente

Lucimere Maria dos Santos

Endereço: Av. Dr. Manoel Teles 1500, bl 3 Ap. 103 – Duque de Caxias, RJ Brasil. CEP 25010-090 – contato: +55 21 96435917 - E-mail: lucimereuff@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3455-1268

 

Submissão: 23-08-2023

Aprovado: 14-09-2023

 

RESUMO

Introdução: A Síndrome Mão-Pé é uma reação que afeta significativamente a qualidade de vida das pessoas em tratamento com quimioterápicos orais. Objetivo: Descrever o processo de estruturação e implementação de um ambulatório para acompanhamento de pacientes em uso de terapêuticas com potencial risco para desenvolvimento da Síndrome Mão-pé, buscando prevenir e controlar os efeitos adversos da quimioterapia oral. Método: Utilizou-se da metodologia Lean para implementar o ambulatório de Síndrome Mão-pé e sua estruturação se deu em seis etapas subsequentes: formação da equipe de projeto Lean,  capacitação da equipe, desenho do fluxo (mapa) atual do processo, análise do fluxo (mapa) atual, elaboração do fluxo (mapa) futuro e, por fim, a implementação do ambulatório. Resultados: Um fluxo futuro (mapa) foi elaborado e discutido com os profissionais envolvidos no processo, uma sala para atendimento foi organizada e um profissional enfermeiro integrante da Comissão de Cuidados com a Pele foi designado como responsável pelos atendimentos. Com o envolvimento e apoio da equipe médica, os pacientes têm sido direcionados para o ambulatório. Discussão: A estruturação de um ambulatório para acompanhamento de pacientes com risco para o desenvolvimento da Síndrome Mão-pé favoreceu a estruturação do atendimento, tendo como instrumento de cuidados a consulta de enfermagem. Considerações Finais: A estruturação deste ambulatório trouxe benefícios financeiros, frente ao uso adequado dos fármacos e a continuidade do tratamento, diante da referência de um profissional que auxilie na prevenção e na condução da Síndrome Mão Pé, além de gerar promoção de qualidade de vida e satisfação aos pacientes atendidos.

Palavras-chave: Antineoplásicos; Administração Oral; Organização institucional; Anormalidades da Pele.

 

ABSTRACT

Introduction: Hand-Foot Syndrome is a reaction that significantly affects the quality of life of people undergoing treatment with oral chemotherapy. Objective: To describe the process of structuring and implementing an outpatient clinic to monitor patients using therapies with a potential risk of developing Hand-foot Syndrome, seeking to prevent and control the adverse effects of oral chemotherapy. Method: The Lean methodology was used to implement the Hand-foot Syndrome outpatient clinic and its structuring took place in six subsequent steps: formation of the Lean project team, team training, design of the current flow (map) of the process, analysis of the current flow (map), elaboration of the future flow (map) and, finally, the implementation of the clinic. Results: A future flow (map) was prepared and discussed with the professionals involved in the process, a room for assistance was organized and a professional nurse, member of the Skin Care Commission, was designated as responsible for the care. With the involvement and support of the medical team, patients have been referred to the outpatient clinic. Discussion: The structuring of an outpatient clinic to monitor patients at risk for the development of Hand-foot Syndrome favored the structuring of care, using the nursing consultation as an instrument of care. Final Considerations: The structuring of this outpatient clinic brought financial benefits, in view of the appropriate use of drugs and the continuity of treatment, in view of the reference of a professional who assists in the prevention and management of Hand Foot Syndrome, in addition to promoting quality of life and satisfaction to the patients treated.

Keywords: Antineoplastic Agents; Oral Administration; Institutional Organization; Skin Abnormalities.

 

RESUMEN

Introducción: El Síndrome Mano-Pie es una reacción que afecta significativamente la calidad de vida de las personas en tratamiento con quimioterapia oral. Objetivo: Describir el proceso de estructuración e implementación de un ambulatorio para acompañamiento de pacientes en uso de terapias con riesgo potencial de desarrollar Síndrome Mano-Pies, buscando prevenir y controlar los efectos adversos de la quimioterapia oral. Método: Se utilizó la metodología Lean para la implementación del ambulatorio de Síndrome Mano-pie y su estructuración se dio en seis pasos posteriores: formación del equipo del proyecto Lean, capacitación del equipo, diseño del flujo actual (mapa) del proceso, análisis de el flujo actual (mapa), elaboración del flujo futuro (mapa) y, finalmente, la implementación de la clínica. Resultados: Se elaboró ​​un flujo futuro (mapa) y se discutió con los profesionales involucrados en el proceso, se organizó una sala de asistencia y se designó una enfermera profesional, integrante de la Comisión de Cuidado de la Piel, como responsable de los cuidados. Con la implicación y el apoyo del equipo médico, los pacientes han sido derivados a la consulta externa. Discusión: La estructuración de un ambulatorio para acompañamiento de pacientes en riesgo para el desarrollo del Síndrome Mano-pie favoreció la estructuración del cuidado, utilizando la consulta de enfermería como instrumento de cuidado. Consideraciones Finales: La estructuración de este ambulatorio trajo beneficios económicos, en vista del uso adecuado de los medicamentos y la continuidad del tratamiento, en vista de la referencia de un profesional que auxilia en la prevención y manejo del Síndrome Mano Pie, además de promoviendo la calidad de vida y la satisfacción de los pacientes tratados.

Palabras clave: Agentes Antineoplásicos; Administracion Oral; Organización Institucional; Anormalidades de la Piel.


 


INTRODUÇÃO

Com o aumento da longevidade, em decorrência dos mais diversos avanços tecnológicos, ocorre também um aumento significativo de pessoas com diagnósticos de doenças crônicas. Dentre as doenças crônicas mais impactantes podemos destacar o Câncer. A gravidade deste significativo aumento concedeu a esta patologia ser considerada como uma DANT (Doença Crônica não Transmissível). Registra-se um aumento exponencial no número de novos casos de câncer a cada ano, com impacto global, tendo se duplicado nos últimos 30 anos (1).

Considerando as estimativas de ocorrência de casos de Câncer no Brasil, publicadas pelo Instituto Nacional do Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA), estima-se que no biênio 2023-2025 o Brasil deverá notificar 625 mil casos novos de câncer ao ano e, com bases nesses dados, é possível afirmar que o Câncer hoje representa um problema público de saúde (2).

As terapêuticas para tratamento e controle do câncer são bastante variadas, e com os avanços tecnológicos, novas técnicas e novos medicamentos são constantemente desenvolvidos, mas tradicionalmente as principais são: a cirurgia, a radioterapia e a quimioterapia. Esta última refere-se a tratamento sistêmico que se utiliza de fármacos quimioterápicos de ação antineoplásica, podendo ser administrado por diversas vias em função de suas diferentes apresentações(3).

Pela característica de ação sistêmica a quimioterapia cursa com inúmeros efeitos colaterais, alguns de difícil controle que afetam diretamente a qualidade de vida da pessoa que vivencia esta terapêutica(4).

Dentre as reações adversas, destacamos uma ocorrência que afeta de maneira bastante significativa a qualidade de vida das pessoas em tratamento, caracterizada pelos distúrbios de pele e tecido subcutâneo, conhecida como eritrodisestesia palmo plantar, “eritema acral” ou “Síndrome Mão-pé” (SMP). Esta Síndrome se apresenta processo inflamatório intenso nas palmas das mãos e nas plantas dos pés, podendo ocorrer formações bolhosas e descamação tecidual(5).

De acordo com o autor (6), os pacientes com câncer podem apresentar diversos fatores facilitadores para o surgimento de lesões de pele, que podem ser derivados da própria doença ou relacionados aos tratamentos. A suscetibilidade para o aparecimento das mesmas vem em decorrência da desnutrição secundária ao tratamento, da anorexia e caquexia oncológica, do tratamento radioterápico e/ou quimioterápico, além das cirurgias extensas, das estomias provenientes de determinadas cirurgias, da exteriorização dos tumores e da imobilidade física por queda da performance status (medida relacionada à tentativa de quantificar o bem-estar geral dos pacientes e que pode ser utilizada para determinação da possibilidade de receber quimioterapia, da necessidade de ajuste de doses destas medicações, entre outras finalidades), que leva o paciente a permanecer por mais tempo sentado ou deitado, aumentando assim o risco de lesões de pele (6,7).

Considerando os riscos potenciais de ocorrência da SMP e do impacto desta na qualidade de vida das pessoas em tratamento com terapêuticos antineoplásicos de autoadministração oral, objetivou-se estruturar um ambulatório especializado no acompanhamento de pessoas com risco potencial para o desenvolvimento da SMP, considerando que o processo de assistir à pessoa em sua totalidade visa à promoção da saúde e prevenção de agravos (8). Nesse contexto, propõe-se implementar, como instrumento de cuidado, a consulta de enfermagem estruturada e baseada nos pressupostos da Metodologia Lean Healthcare.

A metodologia supramencionada apresenta conceitos que permitem ao profissional conhecer e avaliar os processos de cuidado. Esses conceitos funcionam como uma lente que permite compreender o comportamento das pessoas, a cultura organizacional, além de identificar os erros existentes nos processos, a fim de mitigá-los ou reduzi-los, sem apontar culpados, por procurar sempre salientar, que o erro, na maioria das vezes, não está no potencial humano e sim nos processos.

O Lean Healthcare é um modelo de gestão que tem surgido como um referencial para o alcance da qualidade na assistência à saúde aliado à melhoria contínua dos processos e, tem demonstrado ser um ótimo meio para organizar os processos de cuidados, além de valorizar o potencial humano (9-11).

Sendo assim, por considerar que o processo de assistir a clientela supramencionada, em sua totalidade, deve acontecer através da entrega de valor agregado aos mesmos, de forma a promover a prevenção de agravos. Entende-se que o cuidado deve ser oferecido através de ações sistematizadas, livres de gargalos que impeçam a fluidez do processo de assistir. Assim, optamos pela Metodologia Lean, por entender que esta se utiliza de ferramentas que buscam oferecer uma assistência segura e de qualidade, de forma sistematizada ao paciente e seus familiares.

 

OBJETIVO

Descrever o processo de estruturação e implementação de um ambulatório para o acompanhamento de pacientes em uso de terapêuticas com potencial risco para desenvolvimento da SMP, buscando prevenir e controlar os efeitos adversos da quimioterapia oral.

 

MÉTODOS

O presente artigo visa descrever a experiência da criação do Ambulatório de Síndrome Mão-Pé, no Instituto Nacional de Câncer - Unidade 1 (INCA – HC 1),  partiu de uma necessidade reconhecida através da dissertação de mestrado de uma das autoras, integrante da Comissão de Cuidados com a Pele (CCP) e da presidente da CCP, que no período, utilizava a metodologia Lean na construção da sua tese de doutoramento, que tinha como objetivo reestruturar a CCP, atuando como facilitadora Lean. A mesma tem certificação de Green Belts em Lean Six Sigma e Lean Healthcare.

A implantação de um projeto utilizando a metodologia Lean, em qualquer área, necessita de um profissional com capacitação para atuar como facilitador e conduzir as etapas de elaboração do projeto.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do INCA e da Universidade Federal Fluminense (UFF), pelo CAAE n.º 08783919.9.0000.5243. A implementação do referido ambulatório fazia parte desse processo de reestruturação.

A elaboração e implementação do referido ambulatório aconteceu em seis etapas sequenciais, a saber:

Primeira Etapa - Formação da equipe de projeto Lean.

Segunda Etapa - Capacitação da equipe através de cursos on-line gratuitos de White belts em Lean Six sigma e Lean Healthcare, além de aulas ministradas pela presidente da CCP, sobre a metodologia e as ferramentas utilizadas para melhorar os processos de cuidados em saúde.

Terceira Etapa - Realizou-se o desenho do fluxo (mapa) do estado atual do processo, através do Evento Kaizen.

Quarta Etapa - Análise do fluxo (mapa) atual, a fim de identificar os gargalos que potencialmente podem estar impactando a fluidez do processo.

Quinta Etapa - Construção do fluxo (mapa) futuro, juntamente com a equipe do projeto, através de Evento Kaizen.

Sexta Etapa - Implementação do ambulatório.

 

RESULTADOS

A criação de um ambulatório especializado no acompanhamento dos pacientes em uso de quimioterápico oral, bem como a padronização dos processos de cuidados compõe a assistência à pessoa com vistas à promoção da saúde e prevenção de agravos, evidenciando uma rica oportunidade de ação educativa, além de informativa, para a enfermagem(12).

Desta forma, para que fosse dado início a implantação do ambulatório, a facilitadora do projeto convocou os profissionais envolvidos no atendimento do paciente em uso de quimioterápico oral, em um Evento Kaizen de dois dias no período da tarde. A equipe foi formada pela enfermeira da CCP, a enfermeira do ambulatório de oncologia (local onde o paciente era atendido a primeira vez, quando indicada a terapêutica de quimioterápico oral), a enfermeira chefe dos ambulatórios, a enfermeira a época coordenadora da Central de Quimioterapia e a enfermeira supervisora da instituição.

A facilitadora Lean sugeriu que a equipe iniciasse um brainstorming sobre o processo para que em seguida o desenho do mapa atual fosse realizado.

O processo acontece da seguinte forma: O paciente chega à recepção do ambulatório de oncologia clínica, entrega o cartão à recepcionista e aguarda o atendimento médico. O médico atende e prescreve apenas o quimioterápico oral. O paciente vai à farmácia e recebe o quimioterápico e o creme para prevenção e tratamento da Síndrome Mão-Pé, pelo profissional da farmácia. Quando o protocolo instituído era quimioterápico por via oral e por via endovenosa (EV), o paciente só receberia o creme quando voltasse para fazer a medicação EV, no setor de quimioterapia. Nesse momento o enfermeiro entrega o creme e orienta o paciente, apenas verbalmente, a forma de aplicação do creme, conforme desenho do mapa na figura 1. 


 

Figura 1 - Mapa do fluxo atual do paciente em uso de quimioterápico oral

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Fonte: Elaborado pelas autoras, adaptado de Hadfield et al(13)


Após o mapa atual ter sido construído, a análise foi realizada pela equipe do projeto e, as oportunidades de melhorias começaram a emergir. Foram elas: falta de um espaço exclusivo para esse atendimento, principalmente quando a terapêutica consistia em quimioterapia oral, ausência de uma enfermeira exclusiva, de referência, para fazer a consulta de enfermagem, não acompanhamento do cuidado durante o uso do fármaco oral até o retorno a consulta médica e/ou a próxima administração da medicação por via endovenosa e a falta de encaminhamento do paciente pelo médico prescritor, utilizando-se de parecer.

Após a análise do mapa e a identificação das não conformidades no processo, a equipe iniciou o desenho do mapa futuro do processo conforme figura 2:


Figura 2 – Mapa do fluxo futuro do paciente em uso de quimioterápico oral

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Elaborado pelas autoras, adaptado de Hadfield et al(13)

 


Nesse fluxo, o paciente chega à recepção do ambulatório de oncologia clínica, entrega o cartão à recepcionista e aguarda o atendimento médico. O médico atende, prescreve o quimioterápico oral e/ou endovenoso, orienta o paciente à retirada do fármaco oral na central de distribuição da farmácia, entrega o parecer técnico (comunicação visual) de encaminhamento do paciente, devidamente preenchido com a situação clínica do paciente (trabalho padronizado), bem como o endereço e telefone do ambulatório de tratamento de SMP (Mudança de layout), para que o paciente possa agendar o atendimento inicial e dar continuidade ao seu tratamento.

Os mapas, atual e futuro, foram apresentados na seção de discussão de casos clínicos da Oncologia Clínica aos médicos e médicos residentes, responsáveis pelo atendimento e prescrição dessa clientela. A proposta e a iniciativa do ambulatório receberam inúmeros elogios e apoio incondicional da equipe médica, que reconheceram esta como uma importante parceria no tratamento desses pacientes. A equipe médica também fez sua avaliação e contribuição do fluxo proposto. 

Para atender às ideias de adequação sinalizadas, organizou-se uma sala adequada para o atendimento aos pacientes, com mobiliário adequado, sistema de comunicação e informatização com computadores e ramal telefônico e, uma enfermeira da CCP foi designada para fazer os atendimentos no ambulatório. Em conjunto com os envolvidos na estruturação do ambulatório, foi elaborado um folheto informativo com o endereço, telefone, o nome da enfermeira responsável, além dos dias e horários de atendimento.  Elaboraram-se algumas pastas onde se organizaram os pareceres com estes folhetos (Figura 3), a fim de facilitar o processo de inclusão deste, direcionando os pacientes durante os atendimentos médicos. Estas pastas foram alocadas em todos os consultórios do ambulatório de oncologia clínica, buscando-se assim que todos os pacientes que tivessem indicação de uso de fármacos VO e/ou EV, com risco potencial para o desenvolvimento da SMP, pudessem ser direcionados ao Ambulatório SMP.


 

Figura 3 – Parecer para avaliação de enfermagem (Ambulatório SMP)  

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Fonte: Santos et al (2020) (6)


O mapa futuro fora desenhado com o objetivo de atender os pacientes com potencial risco para o desenvolvimento da SMP de forma segura, ofertando uma assistência de qualidade, intencionando-se que a pessoa seja atendida em sua totalidade.

 

DISCUSSÃO

A Síndrome Mão-Pé é caracterizada pela ocorrência de intenso processo inflamatório que acomete as palmas das mãos e as plantas dos pés, podem ocorrer formações bolhosas e descamação tecidual quando está em processo de evolução da síndrome. Esta síndrome é induzida por fármacos quimioterápicos de autoadministração por via oral e tem grande impacto na qualidade de vida das pessoas(14).

Alguns fármacos quimioterápicos são conhecidamente causadores dessa síndrome, podendo-se destacar: capecitabina, doxorrubicina lipossomal peguilada, 5-fluorouracil, citarabina e docetaxel, inibidores multiquinase como sorafenibe, sunitinibe, axitinibe, pazopanibe, regorafenibe e vemurafenibe, dentre outros(15).

Frente à observância da inexistência de uma assistência de enfermagem para o acompanhamento de pacientes com risco e/ou já com a Síndrome Mão-Pé instalada, evidenciou-se a necessidade de estruturação de um ambulatório que viesse abarcar esta escassez assistencial.

Assim, pensou-se na proposta de utilização da Metodologia Lean para implementar o ambulatório de SMP, o que permitiu a identificação dos desperdícios como falta de padronização para entrega dos cremes, fluxo de atendimento etc., presentes nos processos de atendimento do paciente em uso de quimioterápico oral, endovenoso ou ambos concomitante, bem como etapas que não agregavam valor ao paciente, além de apontar que, o fluxo existente não favorecia nenhum tipo de acompanhamento dos mesmos durante a terapêutica com fármacos orais que apresentam riscos reais ao desenvolvimento da SMP.

Seguindo o pensamento Lean, na busca pela participação e envolvimento de todos neste processo, deu-se início a uma intensa discussão com a adesão de especialistas das diversas áreas envolvidas no processo (prescrição, distribuição e acompanhamento), além do envolvimento da equipe de divisão de enfermagem.

Para que o ambulatório funcionasse em sua plenitude e de forma padronizada, estabeleceu-se parceria e engajamento da equipe médica prescritora dos fármacos quimioterápicos antineoplásicos de autoadministração oral, intencionando que estes pacientes pudessem ser direcionados e assim captados pelo ambulatório. Compreende-se que o trabalho padronizado define o que fazer, como, quando e quem deve fazer, para que tudo o que está fora do padrão fique mais evidente(16,17).

Frente a esta parceria, foi proposto um novo fluxo de atendimento e, a este, foi oportunizado aos pacientes a opção por fazer o agendamento do atendimento presencialmente no ambulatório (que funciona em um prédio próximo a unidade 1) ou via ligação telefônica. Podendo assim, receber as orientações educativas e informativas durante a consulta de enfermagem e iniciar, precocemente, o uso de creme específico para prevenção e tratamento da Síndrome Mão-Pé.

Compreende-se que essa padronização do atendimento é a base para a melhoria contínua da assistência, no entanto, cabe atentar para que a padronização não engesse os envolvidos no processo, devendo ser um facilitador de mudanças quando necessário(13).

Inúmeros benefícios são alcançados com a padronização do trabalho, favorecendo a estabilidade de processos, claros pontos de início e parada para cada processo, aprendizagem organizacional, solução de problemas, envolvimento dos profissionais, embasamento para a melhoria contínua e capacitação da equipe(13).

Neste ambulatório, a ação educativa e informativa se desenvolve durante a consulta de enfermagem, onde se procede a identificação da presença ou não da SMP, através do exame físico. Cabe pontuar que esta ação educativa e informativa consiste não somente na oferta de orientações verbais, mas também há orientações escritas, para a facilitação do uso do creme em domicílio, administração do quimioterápico em uso e esclarecimento de dúvidas.

Estas orientações contribuem sobremaneira para a diminuição dos custos do tratamento e para a continuidade do mesmo. Para Lopes(18), existem muitos desperdícios e erros na utilização dos quimioterápicos orais, prejudicando assim a continuidade do tratamento, bem como ocorrendo prejuízo no tratamento do paciente e gastos financeiros para a instituição.

Seguindo o pensamento Lean foi possível estabelecer um processo padronizado e simplificado de atendimento a estas pessoas, além de garantir um fluxo contínuo de atendimento durante todo o período de tratamento. Esse ambulatório oportunizou centralizar a distribuição de creme específico para prevenção e tratamento da “Síndrome Mão-Pé”, sendo o ambulatório uma referência para estes pacientes e para os profissionais que atuam neste cenário de cuidados.

Cabe aqui trazer em destaque que na busca pelo sucesso na implantação de um serviço utilizando a Metodologia Lean, não cabe somente conhecer os conceitos, princípios e ferramentas que a caracterizam, mas também selecionar uma equipe composta por profissionais que estejam envolvidos no processo e que almejem agregar valor, alinhar os objetivos do projeto à unidade de propósito da instituição, mapear as oportunidades de melhoria, criar planos de melhoria contínua, além de elaborar e implementar estratégias para a manutenção dos resultados(16).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A descrição do processo de estruturação de um Ambulatório, para acompanhamento e tratamento de pacientes com risco potencial para desenvolvimento da Síndrome Mão-Pé, utilizando a Metodologia Lean, deixa claro que está metodologia pode ser utilizada com sucesso nos processos de desenvolvimento de projetos em saúde.

Pode-se evidenciar que a estruturação deste Ambulatório trouxe ganhos financeiros, uma vez que a orientação adequada e contínua favorece o uso correto e a continuidade do tratamento e também se evidencia a promoção de qualidade de vida, visto que ao se conduzir adequadamente a ocorrência da SMP, esta tende a ser mais amena impactando menos nas atividades de vida diária, além de promover grande satisfação aos pacientes atendidos, o que pode ser evidenciado pela adesão às consultas desenvolvidas neste ambulatório e pelo registro de ocorrência ou não da síndrome, além de acompanhamento dos graus da SMP.

Este ambulatório também proporcionou autonomia aos pacientes com o envolvimento e a corresponsabilização dos mesmos com seu próprio tratamento, além de destacar o valor que foi agregado ao atendimento a partir das orientações e ações educativas, informativas para a continuidade do cuidado em domicílio, fornecidas pela enfermeira na consulta de enfermagem de forma individualizada e padronizada.

A consulta de enfermagem oferecida no ambulatório favorece a implementação de uma assistência holística mais humanizada, um estabelecimento de vínculo entre profissional e paciente, além de oferecer um profissional como referência para a ocorrência de possíveis intercorrências relacionadas ao tratamento, atendendo assim às necessidades identificadas nos fluxos iniciais de atendimento.

Um ponto positivo a se destacar aqui é que, ao implementar a Metodologia Lean para estruturar o Ambulatório de Síndrome Mão-Pé, bem como a organização dos processos de cuidado, oportunizou aos profissionais envolvidos na criação deste ambulatório, e aos demais profissionais que integram a equipe de cuidado e assistência a esses pacientes, condições de disseminar a proposta de atendimento desse ambulatório, podendo este atendimento ser desenvolvido por qualquer profissional enfermeiro, uma vez que todo o processo de cuidados encontra-se bem descrito, organizado e padronizado.

 

IMPLICAÇÕES PARA GESTÃO EM SAÚDE E/OU ENFERMAGEM

As terapêuticas com fármacos orais são uma realidade em crescimento exponencial na área oncológica, considerando todos os seus benefícios já descritos em diversos estudos. No entanto, não são terapêuticas livres de complicações e, portanto, requerem adequação da equipe de Enfermagem para atender os pacientes em uso desta terapêutica e conduzir adequadamente as reações adversas, advindas desta.

É evidente que existe nesta oportunidade amplo mercado de crescimento e reafirmação da necessidade de tornar rotina a prática da consulta de enfermagem, além de ser uma rica oportunidade de afirmação dos benefícios na implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem.

 

REFERÊNCIAS

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Critérios de autoria (contribuições dos autores)

Todos os autores contribuíram na concepção e/ou no planejamento do estudo, na obtenção, na análise e interpretação dos dados, na redação, revisão crítica e aprovação final da versão publicada.

Declaração de conflito de interesses

Nada a declarar.

Fomento e Agradecimento:

Nada a declarar.

 

Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519


 

 

Rev Enferm Atual In Derme v. 97;(3) 2023 e023                              

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