ARTIGO ORIGINAL
ANÁLISE DO ESTADO COGNITIVO DE PESSOAS IDOSAS HOSPITALIZADAS
ANALYSIS OF COGNITIVE FUNCTION OF HOSPITALIZED OLDER ADULTS
ANALISE DEL ESTADO COGNITIVO DE PERSONAS MAYORES HOSPITALIZADAS
1Heloysa Waleska Soares Fernandes
2Bárbara Maria Lopes da Silva Brandão
3Tamires Paula Gomes Medeiros
4Eduarda Cordeiro D'Oliveira Alves
5Luana Rodrigues de Almeida
6Rafaella Queiroga Souto
1Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. https://orcid.org/0009-0004-1646-2362;
2Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-6652-9615
3Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-8222-8257
4Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. https://orcid.org/0000-0001-6508-6851
5Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-1365-8912
6Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-7368-8497
Autor correspondente
Rafaella Queiroga Souto
Cidade Universitária, s/n - Castelo Branco III, João Pessoa - PB, Brasil. 58051-085 Contato: +55 (83) 3216-7229. E-mail: rqs@academico.ufpb.br
Submissão: 23-11-2023
Aprovado: 09-12-2023
RESUMO
Introdução: Durante o processo de envelhecimento, algumas funções cognitivas se mantêm estáveis e outras demonstram declínio. O indivíduo começa a apresentar sintomas neurológicos que muitas vezes são encarados como normais pelos familiares, devido ao estereótipo da velhice, porém, deve-se obter um histórico completo para se certificar corretamente acerca do estado cognitivo da pessoa idosa. Objetivo: analisar o estado cognitivo de pessoas idosas hospitalizadas e suas características sociodemográficas. Método: estudo quantitativo, transversal, realizado em dois hospitais universitários do estado da Paraíba. A coleta de dados ocorreu durante o período de agosto de 2019 a julho de 2020. Foi utilizado os questionários Brazil Old Age Schedule e o Mini Exame do Estado Mental. Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva e inferencial. Resultados: na avaliação do estado cognitivo por domínios, a recordação demonstrou menor escore (1,0), enquanto o domínio orientação, maior escore (8,0). Verificou-se dentre aqueles com déficit cognitivo, 67,4% eram mulheres, 53,3% tinham idade acima de 70 anos, 69,6% tinham escolaridade acima de três anos, 57,6% não tinham companheiro, contudo, 84,8% moravam com alguém e 78,3% recebiam entre um e dois salários mínimos. Somente o estado civil obteve significância estatística (p = 0,031). Conclusão: com o avanço da idade, maior o déficit cognitivo. Por outro lado, à medida que os anos de estudo e renda aumentam, menor o déficit cognitivo, o gênero tem efeito sobre domínio de atenção e cálculo, de modo que os homens idosos demonstraram maiores índices em comparação às mulheres.
Palavras-chave: Idoso; Cognição; Hospitalização; Enfermagem.
ABSTRACT
Introduction: During the aging process, some cognitive functions remain stable and others decrease. The individual begins to present neurological symptoms that are often seen as normal by family members, due to the stereotype of old age; however, a complete history must be obtained to correctly know the cognitive status of the elderly person. Objective: to analyze the cognitive status of hospitalized older adults and their sociodemographic characteristics. Method: quantitative, cross-sectional study, carried out in two university hospitals in the state of Paraíba. We collected data between August 2019 and July 2020 and used The Brazil Old Age Schedule and Mini Mental State Examination questionnaires. The data were analyzed using descriptive and inferential statistics. Results: in the cognitive state, the memory domain had the lowest score (1.0), while orientation had the highest score (8.0). Among those with cognitive impairment, 67.4% were women, 53.3% were over 70 years old, 69.6% had more than three years of education, 57.6% did not have partners, however, 84.8% They lived with someone and 78.3% received between one and two minimum wages. Only marital status reached statistical significance (p = 0.031). Conclusion: as age advances, cognitive deficit increases. On the other hand, as the years of study and income increase, the lower the cognitive deficit, gender influences the domain of attention and calculation, so that older men presented higher rates compared to women.
Keywords: Aged; Cognition; Hospitalization; Nursing.
RESUMEN
Introducción: Durante el proceso de envejecimiento, algunas funciones cognitivas se mantienen estables y otras disminuyen. El individuo empienza a presentar síntomas neurológicos que muchas veces son vistos como normales por los familiares, debido al estereotipo de la vejez, sin embargo, se debe obtener una historia completa para conocer correctamente el estado cognitivo del anciano. Objetivo: analizar el estado cognitivo de ancianos hospitalizados y sus características sociodemográficas. Método: estudio cuantitativo, transversal, realizado en dos hospitales universitarios del estado de Paraíba. La recolección de datos se realizó entre agosto de 2019 y julio de 2020. Se utilizaron los cuestionarios Brazil Old Age Schedule y Mini Mental State Examination. Los datos fueron analizados mediante estadística descriptiva e inferencial. Resultados: en el estado cognitivo, el dominio de recuerdo presentó el puntaje más bajo (1,0), mientras que la orientación tuvo el puntaje más alto (8,0). Entre quienes tenían deterioro cognitivo, 67,4% eran mujeres, 53,3% tenían más de 70 años, 69,6% tenían más de tres años de educación, 57,6% no tenían parejas, sin embargo, 84,8% vivían con alguien y 78,3% recibían entre uno y dos salarios mínimos. Sólo el estado civil alcanzó significación estadística (p = 0,031). Conclusión: a medida que avanza la edad, el déficit cognitivo aumenta. Por otro lado, a medida que aumentan los años de estudio y los ingresos, cuanto menor es el déficit cognitivo, el género influye en el dominio de la atención y cálculo, de modo que los hombres mayores presentaron tasas más altas en comparación con las mujeres.
Palabras clave: Anciano; Cognición; Hospitalización; Enfermería.
INTRODUÇÃO
O processo do envelhecimento vem se tornando alvo de pesquisas por todo o mundo nas últimas décadas. Em consonância a isso, a população em geral está passando por alterações nos padrões de adoecimento, pois as Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT) de tendência limitante estão se sobrepondo às Doenças Transmissíveis (DT), transparecendo-se na longevidade da população. Como consequência, o desafio atual para os sistemas de saúde de atenção a pessoas idosas é poder promover um cuidado que favoreça maior adaptabilidade a resultados adversos de saúde, podendo assim prolongar uma vida mais funcional a esta população.1
Durante o processo de envelhecimento, algumas funções cognitivas irão se manter estáveis e outras sofrerão alterações de declínio. O indivíduo começa a apresentar sintomas neurológicos que muitas vezes são encarados como normais pelos familiares, devido ao estereótipo da velhice, porém, deve-se obter um histórico completo para se certificar corretamente acerca do estado cognitivo da pessoa idosa. Os sintomas neurológicos mais prevalentes nas pessoas idosas incluem dificuldades cognitivas, distúrbios do equilíbrio e da marcha, tremores e neuropatia.2,3
A respeito das dificuldades cognitivas, estudo americano evidenciou que a hospitalização durante a velhice é um fator que está associado diretamente com o declínio da função cognitiva em seus quatro domínios (memória, habilidades visuoespaciais, linguagem e atenção/função executiva). Os domínios mais acometidos no envelhecimento foram a memória e atenção/função executiva, sendo os domínios visuoespacial e linguagem mais preservados; em relação a natureza da internação, o declínio das funções cognitivas mais acentuado foi observado após internações de emergência em comparação com as eletivas.4
Entretanto, as evidências acerca da relação entre cognição, funcionalidade e hospitalização das pessoas idosas não são robustas, o que impossibilita ter conhecimento sobre quais são os fatores associados a esse comprometimento cognitivo, e como a equipe de saúde pode manejar tais condições para que sejam minimizadas as chances desta problemática.5
A utilização de instrumentos de triagem para detecção de comprometimento cognitivo e quadros demenciais possibilita um diagnóstico precoce nos sistemas de saúde de atenção às pessoas idosas, contribuindo para que estratégias e intervenções sejam realizadas de forma oportuna na fase inicial da doença, a fim de atenuar o processo patológico, melhorar o enfrentamento de sintomas e postergar o risco de institucionalização ou hospitalização.6
A exemplo, o Mini-Exame do Estado Mental (MEEM), elaborado por Folstein em 1975, é um instrumento de uso clínico utilizado em todo o mundo, com a finalidade de avaliação da função cognitiva. Através dele é possível avaliar as seguintes habilidades: orientação, memória imediata/tardia, cálculo, habilidade visuo-espacial e linguagem.7 Sendo assim, o seu uso em situações de hospitalização de pessoas idosas é capaz de possibilitar melhores prognósticos no que tange o declínio de funções cognitivas.
Diante deste contexto, a questão norteadora desta pesquisa foi: qual o estado cognitivo de pessoas idosas hospitalizadas em hospitais universitários? E teve como objetivo analisar o estado cognitivo de pessoas idosas hospitalizadas, bem como sua associação com variáveis sociodemográficas.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo quantitativo transversal, realizado em dois hospitais universitários do estado da Paraíba: Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW), pertencente a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), localizado no município de João Pessoa; e no Hospital Universitário Alcides Carneiro (HUAC), pertencente a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), localizado no município de Campina Grande.
Os setores de coleta no HULW foram Clínica Médica, Cirúrgica, Unidade de Doença Infecto Contagiosa e Parasitárias. Por sua vez, no HUAC, participaram pessoas idosas das alas cirúrgica, pneumologia e Clínica Médica, masculina e feminina.
A coleta de dados ocorreu durante o período de agosto de 2019 a julho de 2020. A população no HULW e HUAC foi de 774 e 485 pessoas idosas, respectivamente, totalizando 1259 participantes para o estudo. Todavia, para a amostragem, foi utilizada a equação de cálculo de amostra para estudo de proporção em população finita, sendo o erro de 5%, nível de confiança de 95% e frequência do fenômeno de 60% obtendo-se o resultado da amostra de 285. Ademais, acrescentou-se os 10% de possíveis perdas, totalizando dessa forma, 323 pessoas idosas que fizeram parte da amostra final. Destaca-se ainda que o número de pessoas idosas foi distribuído de maneira proporcional entre os setores incluídos.
Quanto aos critérios de inclusão, foram incluídas pessoas com 60 anos ou mais que receberam assistência ambulatorial, clínica ou em internação hospitalar. Os critérios de exclusão foram considerados indivíduos que se encontravam em final de vida, dificuldade significativa de comunicação, condições clínicas que impediam a participação efetiva na pesquisa ou déficit cognitivo grave.
Para a coleta de dados foram utilizados os instrumentos Brazil Old Age Schedule (BOAS), para caracterização sociodemográfica do estudo mediante as variáveis de idade, sexo, estado civil, grau de alfabetização, trabalho e renda da pessoa idosa,8 e o MEEM,9 utilizado amplamente para avaliação dos aspectos cognitivos das funções mentais.
O MEEM é dividido em duas partes, a primeira é composta por perguntas que abrangem questões de atenção, memória e orientação; a segunda é composta por testes que avaliam capacidades de escrita espontânea, seguir comandos por escrito e verbalmente, nomear objetos que são apresentados e imitação de desenho geométrico que está contido no instrumento.9 É de fácil aplicabilidade, não se tem um tempo para realização padrão, porém, é feito geralmente de 5 a 10 minutos; possui o escore máximo para acertos de 30 pontos; se o indivíduo for incapaz de responder determinado item, este se anula.7
A coleta de dados ocorreu entre o período de agosto de 2019 a julho de 2020 com pessoas idosas hospitalizadas que foram convidadas a participar do estudo. Foi realizada coletivamente, após treinamento de 20 horas, por integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem Forense (GEPEFO) e discentes do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFPB. Os participantes do estudo foram abordados nos setores pesquisados e, após o aceite e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), foram conduzidos a um local reservado para aplicação dos instrumentos, garantindo privacidade e sigilo do entrevistado. Nos casos em que a pessoa idosa estivesse acamada, foi solicitado ao acompanhante que se retirasse, para assim, promover um ambiente mais confortável e com maior liberdade ao entrevistado. O procedimento de coleta ocorreu por meio da leitura das perguntas e respostas para a pessoa idosa. O tempo de entrevista sucedeu entre 30 a 40 minutos.
Os dados coletados foram tabulados e analisados através do software estatístico SPSS Versão 26.0, por meio de estatística descritiva (frequência absoluta e relativa) e inferencial (teste Qui-Quadrado de Pearson, Correlação de Spearman e Teste de Mann-Whitney). Para todas as análises foi considerado o nível de significância de 5% (p < 0,05). O teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para avaliação da normalidade, de modo que a distribuição dos dados indicou uma tendência a não normalidade, justificando a utilização dos testes não paramétricos supracitados.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme a Resolução nº 466/12, do HULW/UFPB com o número de parecer 3.709.600, CAAE: 10179719.9.0000.5183 e HUAC/UFCG parecer de nº 3.594.339, CAAE: 10179719.9.3001.5182. Os participantes do estudo foram esclarecidos sobre o objetivo da pesquisa, sigilo, anonimato e do direito de recusa a participar. Aos que aceitaram participar foi solicitado a assinatura, rubrica ou impressão datiloscópica do TCLE.
RESULTADOS
Na amostra de 323 participantes, 60,7% (n=196) eram do sexo feminino, 52,6 % (n=170) das pessoas idosas tinham entre 60 e 70 anos, e 63,2% (n=204) tinham escolaridade acima de três anos. Nas demais variáveis 51,7% (n=167) estavam casados/morando junto com o (a) companheiro (a), 89,2% (n=288) moravam com alguém, e 80,2% (n=259) apresentaram renda entre um e dois salários mínimos. No que se refere ao estado cognitivo 71,5% (n=231) não possuíam déficit.
A tabela 1 expressa os resultados da avaliação do estado cognitivo por domínios, de modo que o domínio recordação demonstrou menor escore (1,0), enquanto que o domínio orientação apresentou maior escore (8,0).
Tabela 1 – Distribuição dos domínios do MEEM de pessoas idosas hospitalizadas. Paraíba, Brasil, 2019-2020. (N=323)
Domínios |
Média |
Desvio padrão |
Amplitude |
Mínimo |
Máximo |
Orientação |
8,0 |
2,2 |
10,0 |
0,0 |
10,0 |
Registro |
2,7 |
0,7 |
3,0 |
0,0 |
3,0 |
Atenção/Cálculo |
1,8 |
1,8 |
5,0 |
0,0 |
5,0 |
Recordação |
1,7 |
1,1 |
3,0 |
0,0 |
3,0 |
Linguagem |
6,8 |
1,7 |
9,0 |
0,0 |
9,0 |
MEEM Total |
20,9 |
5,1 |
28,0 |
0,0 |
30,0 |
No que se refere a associação do estado cognitivo com a variáveis sociodemográficas, verificou-se que dentre aqueles com déficit cognitivo, 67,4% (n=62) eram mulheres idosas, 53,3% (n=49) tinham idade acima de 70 anos, 69,6% (n=64) tinham escolaridade acima de três anos, 57,6% (n=53) não tinham companheiro, contudo, 84,8% (n=78) moravam com alguém e 78,3% (n=72) recebiam entre um e dois salários mínimos (Tabela 2). Somente o estado civil obteve significância estatística (p = 0,031).
Tabela 2 – Associação do estado cognitivo com variáveis sociodemográficas em pessoas idosas. Paraíba, Brasil, 2019-2020. (N=323)
Variáveis |
Estado cognitivo |
p-valor* |
Amostra válida / em falta |
|
Com déficit n (%) |
Sem déficit n (%) |
|||
Sexo |
|
|
|
|
Feminino |
62 (67,4) |
134 (58,0) |
0,119 |
323/0 |
Masculino |
30 (32,6) |
97 (42,0) |
||
Idade |
|
|
|
|
Entre 60 e 70 anos |
43 (46,7) |
127 (55,0) |
0,181 |
323/0 |
Acima de 70 anos |
49 (53,3) |
104 (45,0) |
||
Anos de estudo |
|
|
|
|
≤ Três anos |
28 (30,4) |
89 (38,9) |
0,156 |
321/2 |
Acima de três anos |
64 (69,6) |
140 (61,1) |
||
Estado civil |
|
|
|
|
Sem companheiro |
53 (57,6) |
102 (44,3) |
0,031 |
322/1 |
Com companheiro |
39 (42,4) |
128 (55,7) |
||
Arranjo de moradia |
|
|
|
|
Mora sozinho |
14 (15,2) |
21 (9,1) |
0,110 |
323/0 |
Mora com alguém |
78 (84,8) |
210 (90,9) |
||
Renda |
|
|
|
|
Até um salário mínimo |
7 (7,6) |
17 (7,4) |
0,826 |
323/0 |
De um a dois salários mínimos |
72 (78,3) |
187 (81,0) |
||
Acima de dois salários mínimos |
13 (14,1) |
27 (11,7) |
Nota: * Teste Qui-quadrado de Pearson.
A tabela 3 expressa os resultados de correlação, em que todas as variáveis foram significativas, no entanto, foi observada correlação negativa fraca entre o escore de estado cognitivo e idade, isto é, com o avanço da idade, maior o déficit cognitivo. Já nas demais variáveis, a correlação foi positiva, indicando que à medida que os anos de estudo e a renda aumentam, consequentemente menor será o déficit cognitivo.
Tabela 3 - Correlação entre o escore de estado cognitivo e variáveis sociodemográficas. Paraíba, Brasil, 2019-2020. (N=323)
|
Escore do estado cognitivo |
|
Coeficiente de correlação |
p-valor* |
|
Idade |
-0,293 |
<0,001 |
Anos de estudo |
0,497 |
<0,001 |
Renda |
0,229 |
<0,001 |
* Correlação de Spearman.
O teste de Mann-Whitney mostrou que o sexo tem efeito sobre domínio de atenção e cálculo (U=9550,500; p<0,001), de modo que os homens (MD = 2,0; IIQ = 3,0) demonstraram maiores índices em comparação às mulheres idosas (MD = 1,0; IIQ = 2,0). Não foram observadas diferenças estatisticamente significativas para as demais variáveis (Tabela 4).
Tabela 4 – Comparação dos domínios de estado cognitivo com o sexo das pessoas idosas hospitalizadas. Paraíba, Brasil, 2019-2020. (N=323)
Domínios |
Sexo |
p-valor* |
|
Masculino Mediana (IIQ) |
Feminino Mediana (IIQ) |
||
Orientação |
9,0 (3,0) |
9,0 (3,0) |
0,716 |
Registro |
3,0 (0,0) |
3,0 (0,0) |
0,792 |
Atenção/Cálculo |
2,0 (3,0) |
1,0 (2,0) |
<0,001 |
Recordação |
2,0 (2,0) |
2,0 (1,0) |
0,641 |
Linguagem |
7,0 (2,0) |
7,0 (2,0) |
0,729 |
MEEM Total |
22,0 (8,0) |
21 (7,0) |
0,067 |
Nota: IIQ – Intervalo interquartil; * Teste de Mann-Whitney.
DISCUSSÃO
Em relação aos domínios do MEEM, o menor escore foi obtido no âmbito da recordação, corroborando com o estudo turco que evidenciou uma média de 1,1 nesse mesmo domínio. Apesar da prevalência desse domínio ter sido estatisticamente significativa em pessoas idosas com idade inferior a 75 anos no referido estudo, o achado pode ser argumentado pelas alterações da função cognitiva na senescência, caracterizadas, como exemplo, pela dificuldade para recordar eventos antigos e recentes do ciclo de vida dessas pessoas e que à medida que a idade avança verifica-se uma redução ainda maior sobre tais funções.10
Por outro lado, o maior escore verificado no domínio de orientação esteve em concordância com outro estudo, em que as pessoas idosas comunitárias alcançaram uma média de 8,65.11 A orientação condiz com o reconhecimento espacial e temporal da pessoa idosa e sua manutenção é essencial para a preservação das habilidades cognitivas, as quais podem ser vistas nas atividades de rotina que devem ser estimuladas pelos membros das famílias sobre datas importantes e locais de convívio.
No que diz respeito aos dados sociodemográficos, foi observado que a maioria das pessoas idosas da amostra eram do sexo feminino, essa disparidade em relação ao gênero e procura por serviços de saúde coincide com um estudo espanhol, no qual foi analisado que a utilização dos serviços de saúde durante o estudo foi maior entre as mulheres do que entre os homens.12 Este achado pode justificar-se por meio do processo de feminização da velhice, as mulheres costumam buscar mais os serviços de saúde, e com isso perceber condições potenciais de risco, podendo assim, agir de forma preventiva, elevando a sua expectativa de vida, enquanto os homens frequentemente buscam o cuidado quando a condição de saúde já está agravada.13
A maior parte das pessoas idosas do estudo estavam na faixa etária entre 60-70 anos, sendo consideradas como pessoas idosas jovens em território nacional. Em um estudo brasileiro, a faixa etária das pessoas idosas investigadas foi dividida entre 60 a 70 anos e mais de 70 anos, no que se refere às características de saúde, foi observado que a maioria (78%) tinham alguma doença crônica, os indivíduos entre 60-70 anos apresentavam uma doença, já os com mais de 70 anos possuíam de duas a mais doenças, denominado também como multimorbidades. Nota-se que com o avançar da idade e a presença de múltiplas patologias, a qualidade e expectativa de vida do indivíduo diminuem.14
Foi visto no estudo que a maioria das pessoas idosas possuíam acima de três anos de escolaridade, em um estudo chinês foi descoberto que a desigualdade em saúde por fatores educativos era cumulativa, apontando que o nível educacional afeta diretamente a saúde do indivíduo ao longo da vida, especialmente quando sendo pessoa idosa.15 A educação é capaz de promover saúde ao indivíduo por possibilitar oportunidades de boas ocupações laborais, com melhores remunerações, além de recursos cognitivos e psicológicos que facilitam enfrentamentos a adversidades, escolhas que propiciam um estilo de vida mais saudável e também acesso a serviços de proteção à saúde.16
A prevalência de participantes com companheiro(a) no estudo representa um impacto positivo na saúde dessas pessoas idosas. Indivíduos que possuem um bom relacionamento matricial apresentam melhor bem estar mental e físico. O estado civil e a mortalidade se relacionam, são mais altas as taxas de mortalidade em pessoas idosas não casados, do que entre pessoas idosas casadas. A perda do companheiro(a), situação de viuvez, é de cunho traumático e implica em sentimentos intensos de solidão, tristeza e isolamento que consequentemente podem afetar progressivamente a saúde.17
A respeito do arranjo moradia, verificou-se que a maioria dos participantes do estudo moravam com alguém. Estudo que investigou a relação entre residência e estado de saúde das pessoas idosas, demonstrou de forma positiva que aqueles que residiam em domicílio com suas famílias (79%) eram mais independentes em comparação aos que moravam em casa de repouso (15%), lares de famílias anfitriãs (3%) e centros de habitação de assistência a pessoas idosas (3%).18 Em um estudo realizado no Egito foi confirmado que a família continua atuando como a principal rede de apoio para as pessoas idosas, porém existe uma perceptível tendência de moradia solo na velhice, de modo que as pessoas idosas que vivem sozinhos são mais propensas a possuírem uma renda financeira diminuída e maiores necessidades de assistência à saúde, além de preocupante risco a isolamento social.19
No que se refere a renda, o estudo aponta que o maior número de pessoas idosas possuía entre um e dois salários mínimos, valor que afeta diretamente a saúde. As pessoas idosas com maior renda financeira possuem maior acesso aos serviços de saúde por conseguirem arcar mais facilmente com as despesas, além de oportunizar o consumo de alimentos saudáveis e estabelecer um bom estilo de vida.20 Em outro estudo chinês, foi visto que a condição de baixa renda é capaz de diminuir a resiliência de um indivíduo quando se depara com uma complicação de saúde, acarretando piora ao seu quadro clínico.
Nas análises da associação, foi visto que a maioria das mulheres deste estudo tinham déficit cognitivo. Esta prevalência do sexo feminino é consistente com um estudo chinês, no qual 39% das mulheres foram diagnosticadas com comprometimento cognitivo.21 Isso ocorre provavelmente devido a maior longevidade das mulheres, queda da concentração do hormônio estrogênio após a menopausa - o qual é protetor contra a demência -, maior risco de desenvolver problemas psiquiátricos, além de culturalmente serem menos inseridas no acesso à educação.22
No que tange a idade, pessoas idosas com idade mais avançada apresentaram maior déficit cognitivo, assim como em um estudo de 2021.23 À medida que a idade avança, maior é o risco de declínio funcional, devido à diminuição da resistência a eventos adversos, déficits em mistos sistemas fisiológicos e redução da própria reserva funcional.24
Observou-se ainda que quanto maior a escolaridade, maior é o escore de bom estado cognitivo da pessoa idosa, equivalente a um estudo ugandês, no qual o comprometimento neuro cognitivo grave foi menor nas pessoas idosas com maior nível de escolaridade. Isto acontece devido ao desenvolvimento de uma reserva cognitiva capaz de manter um bom estado cognitivo apesar do envelhecimento e patologias subsequentes.22
Quanto ao estado civil, foi observado que a maioria das pessoas idosas sem companheiro possuíam déficit cognitivo. Em convergência, um estudo de 2019 evidenciou de forma perceptível que a média da função cognitiva foi superior nas pessoas idosas com cônjuge.25 A situação civil de viuvez e divórcio causam sintomas negativos às pessoas idosas, como o desenvolvimento de demência e sintomas depressivos. Nesse sentido, a presença de um companheiro à pessoa idosa possibilita apoio frente a adaptação do envelhecimento e declínio da função cognitiva.26
A associação entre arranjo de moradia com o déficit cognitivo expressou prevalência para aqueles indivíduos que moravam sozinhos. Esse achado corrobora com os dados de um estudo coreano, no qual foi visto que as pessoas idosas que moravam com uma significativa quantidade de familiares estavam mais protegidos de declínios cognitivos do que os que viviam com uma estrutura familiar pequena ou sozinhos.27 Na perspectiva da reserva cognitiva construída ao longo de inúmeras experiências durante a vida, a interação social em ambiente domiciliar contribui para a função cognitiva da pessoa idosa, devido a necessidade de mobilização de processos cognitivos de alta complexidade.28
Por outro lado, em relação à renda e déficit cognitivo, foi observado predomínio em pessoas idosas com um a dois salários mínimos, em contraste com os achados de um estudo de 2019.25 Isso demonstra o efeito de proteção que o status socioeconômico melhorado proporciona sobre o declínio cognitivo das pessoas idosas, pois essas pessoas tendem a ter um estilo de vida mais saudável por terem maior acesso a determinantes sociais de saúde e, consequentemente, oportunidade de reduzir os riscos de demência.29
Quanto à análise de comparação, os homens idosos do estudo apresentaram maior índice de atenção e cálculo em comparação às mulheres. Essa disparidade pode ser atribuída ao nível educacional mais baixo entre as idosas, possivelmente pela escassez de acesso na fase adulta. Nesse contexto, a escolaridade destaca-se novamente como um fator que interfere na função cognitiva. Essa observação é respaldada por achados de um estudo que investigou as diferenças de gênero no impacto das mudanças na função cognitiva, em que as mulheres idosas apresentaram comprometimento cognitivo significativamente maior do que os homens e, adicionalmente, possuíam escolaridade abaixo do nível de ensino médio.30
Uma vez que a metodologia deste estudo se trata de um corte transversal e os dados presentes foram aplicados às associações e correlações, pontua-se como as limitações do estudo a dificuldade na avaliação longitudinal e, por conseguinte, causal entre as variáveis.
CONCLUSÕES
O estudo apresentou uma análise abrangente do perfil das pessoas idosas, com o objetivo de promover a conscientização sobre a utilização de diversos instrumentos de triagem. Além do MEEM, enfatizou-se a importância de outros instrumentos de avaliação e rastreamento de patologias associadas. Essa sensibilização é voltada especialmente aos profissionais de saúde que atuam em instituições hospitalares.
Ao incentivar a utilização desses instrumentos, o estudo busca elevar o nível de conhecimento e capacidade dos profissionais de saúde para identificar precocemente problemas de saúde e alterações cognitivas em pessoas idosas. Isso contribui para a detecção e o tratamento mais eficaz de patologias, possibilitando melhor qualidade de vida e resultados de saúde para essa população.
REFERÊNCIAS
1. Murillo AZ, Herrero AC. Síndrome de fragilidad y estado nutricional: valoración, prevención y tratamiento. Nutr Hosp. 2019;36:26-37.
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Fomento e Agradecimento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), a partir da chamada NCTIC - CNPq 28/2018, sob o processo nº 424604-2018-3; e chamada produtividade 03/2020, processo nº PVG13127-2020.
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
HWS: concepção e/ou no planejamento do estudo, obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados e redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada;
BMLSB: obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados e redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada;
TPGM: redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada;
ECDA: redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada;
LRA: redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada;
RQS: concepção e/ou no planejamento do estudo; redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada;
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar.
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519