ARTIGO ORIGINAL
INFLUÊNCIA DE FATORES
RELACIONADOS AO DESFECHO DO NEAR MISS MATERNO EM PACIENTES COM MORBIDADE GRAVE
INFLUENCE
OF FACTORS RELATED TO THE OUTCOME OF MATERNAL NEAR MISS IN PATIENTS WITH SEVERE
MORBIDITY
INFLUENCIA
DE FACTORES RELACIONADOS CON EL RESULTADO DEL CUASI ACCIDENTE MATENO EN
PACIENTES CON MORBILIDAD SEVERA
https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.1-art.2146
1Sâmua Kelen
Mendes de Lima
2Raylla Araújo
Bezerra
3Jéssica
Lourenço Carneiro
4Francisco Herlânio Costa Carvalho
5Alana Santos
Monte
6Camila Chaves
da Costa
7Ana Kelve de
Castro Damasceno
1Universade Federal
do Ceará. Fortaleza-Ce, Brasil.
ORCID: 0000-0002-1108-7194.
2Universidade
Federal do Ceará, Fortaleza-Ce, Brasil.
ORCID: 0000-0002-2781-7817.
3Universidade
Federal do Ceará, Fortaleza-Ce, Brasil.
ORCID: 0000-0002-1879-2064.
4Universidade
Federal do Ceará. Fortaleza-Ce, Brasil.
ORCID: 0000-0002-6400-4479.
5Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira. Fortaleza-Ce, Brasil. ORCID:
0000-0002-8626-3527.
6Universidade da
Integração Internacional da Lusofonia
Afro-Brasileira. Fortaleza-Ce, Brasil. ORCID: 0000-0002-6996-1200.
7Universidade
Federal do Ceará. Fortaleza-Ce, Brasil.
ORCID: 0000-0003-4690-9327.
Autor
correspondente
Camila Chaves da Costa
Avenida
Sargento Hermínio Sampaio, 2755, Apt 201, Bl N, Vila Elley. CEP: 60320-504.
Fortaleza, Ceará, Brasil. Telefone: +55(85) 99916-5372. Email: camilachaves@unilab.edu.br
Submissão: 18-01-2024
Aprovado: 05-02-2024
RESUMO
Objetivo: Verificar a influência de fatores relacionados ao desfecho do Near Miss Materno (NMM). Método: Estudo epidemiológico, de corte
transversal, com análise de dados quantitativa. A amostra foi composta por 185
puérperas admitidas nas clínicas obstétricas e na Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) materna de uma maternidade pública de referência no estado do Ceará,
durante o período de maio a outubro de 2017. O instrumento de coleta de dados
contemplou dados de identificação, aspectos sociodemográficos, dados
obstétricos, condições maternas pré-existentes, condições potencialmente
ameaçadoras da vida e critérios de near
miss. Foram realizados testes
Qui-quadrado de independência, cálculo da Razão de chances e foi ajustado um
modelo de regressão logístico. Resultados: Não foi
evidenciada associação dos aspectos sociodemográficos com a ocorrência do near miss materno. Foi identificado que
trabalho de parto prematuro, multiparidade e aborto prévio aumentaram as
chances da ocorrência do NMM. A hemorragia pós-parto, pré-eclâmpsia grave, síndrome HELLP,
trombocitopenia e cardiopatia apresentaram diferença estatística
significante; entretanto, no modelo de regressão logística, apenas a pré-eclâmpsia grave e
trombocitopenia mantiveram-se significantes. Conclusão: Foi evidenciado a influência dos fatores maternos
multiparidade, aborto, bem como a ocorrência de complicações como trabalho de
parto prematuro, pré-eclâmpsia e trombocitopenia na ocorrência do near miss materno. O que sinaliza a
importância de se prevenir tais fatores, para redução da ocorrência de
morbidade materna grave.
Palavras-chave: Morbidade;
Near Miss; Saúde Materna.
ABSTRACT
Objective: To verify the influence of factors related to the outcome of Near Miss Maternal (NMM). Method:
Epidemiological, cross-sectional
study, with quantitative data analysis. The sample consisted of 185 postpartum women admitted to the obstetric clinics and maternal Intensive Care Unit (ICU) of a reference
public maternity hospital
in the state of Ceará, during
the period from May to October
2017. The data collection instrument
included data from identification, sociodemographic aspects, obstetric data, pre-existing
maternal conditions, potentially
life-threatening conditions
and near miss criteria.
Chi-square tests of independence were performed, odds ratio calculation and a logistic regression model was adjusted. Results:
There was no association
between sociodemographic aspects
and the occurrence of maternal near
miss. It was identified
that premature labor, multiparity
and previous miscarriage increased the chances of NMM occurring.
Postpartum hemorrhage, severe pre-eclampsia, HELLP syndrome, thrombocytopenia and heart disease showed a statistically significant difference; however, in the logistic regression model, only severe pre-eclampsia and thrombocytopenia remained significant. Conclusion: The influence of maternal factors multiparity, abortion, as well as the occurrence of complications such as premature labor, pre-eclampsia
and thrombocytopenia on the occurrence
of maternal near miss was evidenced. This highlights the importance of preventing such factors to reduce the occurrence of severe maternal morbidity.
Keywords: Morbidity; Near Miss, Healthcare;
Maternal Health.
RESUMEN
Objetivo: Verificar la influencia de factores relacionados con el
resultado del Near Miss Maternal (NMM). Método: Estudio epidemiológico,
transversal, con análisis de datos
cuantitativos. La muestra estuvo compuesta por 185
puérperas ingresadas en las
clínicas obstétricas y Unidad de Cuidados Intensivos
(UCI) materna de una maternidad pública de referencia en el estado de Ceará, durante el período de mayo a octubre de 2017. El
instrumento de recolección de datos
incluyó datos de identificación, sociodemográficos aspectos, datos obstétricos, condiciones maternas preexistentes,
condiciones potencialmente mortales y criterios de casi accidente. Se realizaron pruebas de independencia chi-cuadrado, cálculo de odds ratio y se ajustó un modelo de regresión logística.
Resultados: No hubo asociación
entre los aspectos sociodemográficos y la ocurrencia de cuasi accidente materno. Se identificó
que el parto prematuro, la multiparidad y el aborto espontáneo previo aumentaban las posibilidades de que ocurriera
NMM. La hemorragia posparto, la preeclampsia
grave, el síndrome HELLP, la trombocitopenia y las enfermedades cardíacas mostraron
una diferencia estadísticamente significativa; sin embargo, en el modelo de regresión
logística, sólo la preeclampsia
grave y la trombocitopenia siguieron siendo significativas. Conclusión:
Se evidenció la influencia
de los factores maternos multiparidad, aborto, así como la
aparición de complicaciones
como parto prematuro, preeclampsia y trombocitopenia
en la aparición del cuasi accidente materno. Esto resalta la importancia de
prevenir tales factores para reducir
la aparición de morbilidad
materna grave.
Palabras clave: Morbilidad; Near Miss Salud; Salud
Materna.
INTRODUÇÃO
No contexto de saúde atual, a saúde
da mulher e, em especial, a saúde materna permanece como um dos campos de maior
atenção das organizações internacionais. Apesar dos avanços alcançados na
redução da mortalidade materna e neonatal, esse quantitativo ainda continua a
ser expressivo, necessitando de estudos que possibilitem uma melhor compreensão
dos fatores envolvidos.
O
ano de 2015 foi o ano limite para o alcance dos objetivos do milênio, que consistia em melhorar a saúde materna, alcançando
a meta de reduzir em três quartos a mortalidade materna. No entanto, apesar dos avanços
significativos, apenas uma pequena parcela dos países conseguiu atingir tal
meta. Logo, o combate à mortalidade materna
permanece no centro da agenda da saúde global e do desenvolvimento
internacional e os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)
representam uma iniciativa global que sucede os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM) e conclamam o mundo para um esforço conjunto para alcançar a
eliminação da mortalidade materna evitável entre os anos de 2016 e 2030 (1).
Dentre
os ODS, foi incluído um objetivo crucial relacionado à saúde, o ODS 3 –
Assegurar vidas saudáveis e promover o bem estar em todas as idades. Ainda, uma
de suas metas consiste em reduzir a razão de mortalidade materna global para
menos de 70 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos. Especificamente no
Brasil, a meta para 2030 é reduzir a mortalidade materna para aproximadamente
20 mortes para cada 100 mil nascidos vivos (1).
No
Brasil, de acordo com análise da mortalidade nas mulheres em idade fértil,
ocorreram 324.792 óbitos maternos no intervalo de cinco anos (2015-2019). Neste
período, verificou-se que ocorreu uma maior notificação de óbitos na região do
Sudeste com 136.012 (41,8%) óbitos, seguido pelo Nordeste com 91.430 (28,2%) (2).
Além
disso, verificou-se um aumento acentuado da Razão de Mortalidade Materna (RMM),
variando de 57,9 óbitos maternos para cada 100 mil nascidos vivos em 2019 para
74,7 em 2020. Salienta-se que 17% (n=335) de todos os óbitos maternos ocorridos
no Brasil em 2020 tinham associação com a covid-19 e a Região Sul foi a que
apresentou o menor percentual (10%; n=16) de óbitos maternos associados com a
covid-19 (3).
No Ceará,
foram registrados no período de janeiro de 2019 a janeiro de 2020, 135 óbitos
maternos, considerando causas externas, diretas (mais prevalentes), indiretas e
tardias. A razão de mortalidade materna no Ceará foi de 60,4%, cujo perfil dos
óbitos foi caracterizado por mulheres com nível superior incompleto (41,5%),
pardas (80%), na faixa etária de 20-29 anos (43%) e solteiras (66,7%) (4).
Sabe-se
que, para cada mulher que morre por problemas decorrentes da gravidez, cerca de
outras quinze apresentam características clínicas similares, mas sobrevivem, e
então constituem fontes ricas de informações, colaborando com a compreensão dos
fatores que culminaram no desenvolvimento de alguma complicação para a
gestação. Logo, pode-se considerar a
morte materna como a “ponta do iceberg”
de um grande contingente de mulheres que apresentaram complicações severas na
gestação, parto ou puerpério, contudo, não evoluíram a óbito. Essas graves
complicações são denominadas Morbidade Materna Grave ou Near Miss
Materno (NMM) (5).
A
Organização Mundial de Saúde (OMS) tem fomentado apoio aos países sobre o
estudo da Morbidade Materna Grave - Near miss materno, uma vez que
reconhece que essa abordagem produz resultados que orientam decisões políticas
para a melhoria da qualidade do cuidado à saúde materna em serviços de
atendimento à saúde (6).
Nesse
contexto, o estudo objetiva verificar a influência de fatores relacionados ao
desfecho do Near Miss Materno em uma maternidade de
atendimento terciário no Estado do Ceará.
MÉTODOS
Trata-se de
um estudo epidemiológico analítico, de corte
transversal com análise de dados quantitativa, desenvolvido em uma maternidade de nível terciário e público, referência
no estado do Ceará, localizada em Fortaleza, que presta assistência ao nível
ambulatorial e hospitalar de média e alta complexidade à mulher e ao
recém-nascido.
De acordo com o
relatório institucional da MEAC referente ao ano 2016, foram registrados 342
casos de desenvolvimento de morbidade materna grave, sendo essa a população do
estudo. Utilizando a fórmula de cálculo amostral para população finita,
admitido erro de 5% e poder de 95%, estima-se uma amostra de 144 casos, acrescentou-se ainda
20% a esse número, devido perdas amostrais,
ficando aproximadamente
173. No entanto, participaram do estudo 185 mulheres.
Os critérios de inclusão foram ser
puérpera, ter apresentado alguma condição potencialmente ameaçadora à vida, de
acordo com os critérios da Organização Mundial da Saúde, e estar internada nas Clínicas
Obstétricas ou UTI materna. Foram excluídas do estudo aquelas mulheres em
estado grave, impossibilitadas de responder ao formulário.
A
coleta de dados foi realizada no período de maio a outubro de 2017. O
instrumento de coleta de dados foi adaptado de uma pesquisa multicêntrica sobre vigilância de morbidades
maternas e near miss materno (7).
O instrumento contém dados pessoais (iniciais
do nome da paciente e número do prontuário),
dados sociodemográficos, dados obstétricos,
condições maternas pré-existentes (morbidades crônicas e condições potencialmente ameaçadoras à
vida) e investigação dos critérios de near miss materno.
Os dados foram compilados e analisados por meio do
software Statistical Package
for the Social Science ® (SPSS) versão 24.0 e o Software R 3.3. A fim de
verificar a associação entre os casos de near miss materno com algumas variáveis sociodemográficas e clínicas,
foram realizados testes Qui-quadrado de
independência, além do cálculo da Razão de chances. Também foi ajustado um modelo de regressão
logística para modelar as variáveis near miss materno
e admissão em UTI em função de algumas variáveis clínicas. E o teste de Wald
para avaliar o modelo de regressão logística como um todo. Para
todas as análises foram adotados um nível de 5% de significância, e com
intervalo de confiança de 95%. Considerando-se associações estatisticamente
significativas quando o p foi ≤ 0,05.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Maternidade Escola Assis Chateaubriand/UFC, com o número
do parecer: 1.991.200. Foi solicitada às participantes a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram considerados e respeitados os
aspectos éticos relacionados à realização de pesquisa envolvendo seres humanos,
conforme o preconizado pelas Resoluções Nº 466/2012 e N°510/2016 do Conselho
Nacional de Saúde (8,9).
RESULTADOS
A faixa etária
predominante foi
entre
18 e 35 anos, com 132 (72%) mulheres, média de 26,8 anos, idade máxima de 42
anos e mínima de 13 anos. Referente à procedência, 90 (48%) mulheres eram
oriundas de Fortaleza, cidade onde a maternidade está localizada. Foi
predominante a quantidade de mulheres que vivem com seu parceiro. Ao se somar
união estável e casamento, obtém-se 129 (69,7%). Quanto à
escolaridade, 124 mulheres (67%) afirmaram possuir mais de nove anos de
estudo, o que corresponde à conclusão do Ensino Fundamental e ingresso no Ensino Médio. Em relação à cor, prevaleceu 112 (61%) mulheres que
se autodeclararam pardas. Não houve associações estatísticas entre os dados
sociodemográficos e a ocorrência de NMM.
Sobre
o número de gestações, obteve-se a média de 2,2 gestações, 107 mulheres (57,8%)
engravidaram mais de duas vezes, sendo que cerca de
15% (n=29) das mulheres engravidaram mais de quatro vezes. Foi verificado que
existe associação entre o número de gestações e o NMM, sendo que pessoas com
mais de duas gestações tem 2,43 (IC95%1,184-4,991) vezes mais chances de
desenvolver Near miss Materno, como
verificado na Tabela 1.
Tabela 1 - Associação das variáveis
obstétricas com a variável Near Miss
Materno (NMM) no período de maio a outubro, de mulheres internadas na MEAC. Fortaleza-CE, Brasil, 2018.
Variáveis |
Total |
|
NMM |
||
n(%) |
|
n(%) |
P* |
OR(IC 95%) |
|
Pré-natal |
|
|
|
|
|
Sim |
183(98,9) |
|
47 (25,4) |
0,798 |
1 |
Não |
2(1,1) |
|
1 (0,6) |
0,83 (0,347-1,976) |
|
Número de
consultas pré-natal |
|
|
|
|
|
<6 consultas |
61(32,4) |
|
20(31,7) |
0,265 |
1,57 (0,79-3,129) |
≥ 6 consultas |
124(66,5) |
|
28(22,8) |
1 |
|
Número de
cesáreas prévias |
|
|
|
|
|
Nenhuma |
132(71,4) |
|
32(24,2) |
0,517 |
1 |
Mais de 1 |
53(28,6) |
|
16(30,2) |
1,35 (0,665-2,745) |
|
IG no parto |
|
|
|
|
|
≤36 semanas e seis dias |
92(49,7) |
|
32(34,8) |
0,010 |
2,57 (1,289-5,11) |
≥37 semanas |
93(50,3) |
|
16(17,2) |
1 |
|
Resolução da
última gestação |
|
|
|
|
|
Vaginal |
39(21,8) |
|
6(20,7) |
0,636 |
1 |
Cesárea |
146(78,9) |
|
42(26,9) |
|
1,41 (0,538-3,709) |
Número de
gestações |
|
|
|
|
|
1 |
78(42,2) |
|
13(16,7) |
0,022 |
1 |
≥2 |
107(57,8) |
|
35(32,7) |
2,43 (1,184-4,991) |
|
Intervalo interpartal (anos) |
|
|
|
|
|
0 ou 1 |
101(54,6) |
|
24(23,8) |
0,566 |
1 |
2 ou mais |
84(45,4) |
|
24(28,6) |
1,28 (0,664-2,48) |
|
Aborto prévio |
|
|
|
|
|
Sim |
44(23,8) |
|
19(43,2) |
0,005 |
2,94 (1,425-6,048) |
Não |
141(76,2) |
|
29(20,6) |
1 |
Legenda: *Teste Odds ratio (p≤0,05).
Quanto à classificação de NMM da
Organização Mundial da Saúde (OMS),
verificou-se que, entre as 48 (25,9%) mulheres que apresentaram algum dos
critérios estabelecidos, 28 (58,3%) possuíam critérios clínicos, sendo gasping 10 (20,8%), oligúria não responsiva a
fluidos 9 (18,7%), distúrbio de coagulação 9 (18,7%) e perda de consciência por mais de 12h 6 (12,5%) os mais prevalentes. Quanto aos critérios
laboratoriais, 23 (12,4%) das mulheres apresentaram, sendo trombocitopenia aguda
(<50.000/mm³) 9 (32%), saturação de oxigênio <90% por >60 minutos 7
(30,5%) e Creatinina≥3,5mg/dl ou ≥300μmol/L 5 (21,7%) os mais frequentes. E em
relação aos critérios de manejo, 23 (12,4%) apresentaram, prevalecendo entre
esses o uso contínuo de drogas vasoativas 15 (65,2%), intubação e ventilação ≥
60minutos não relacionada à anestesia e diálise para insuficiência renal aguda,
ambos com 8 (34,7%).
Em
relação à ocorrência de Condições Potencialmente Ameaçadoras à Vida (CPAV),
verificou-se uma lista de complicações ou patologias, que foram distribuídas
segundo a sua natureza na Tabela 2.
Tabela 2 - Distribuição
das Condições Potencialmente Ameaçadoras à Vida, no período de maio a outubro
de 2017. Fortaleza-CE, Brasil, 2018.
Variável |
Valor Absoluto N=185 |
Valor Relativo % |
Proporção/1000NV |
|
Complicação
hemorrágica |
34 |
18,4 |
183,7 |
|
Descolamento
prematuro de placenta |
16 |
8,6 |
86,4 |
|
Placenta
prévia |
5 |
2,7 |
27,0 |
|
Hemorragia
pós-parto |
16 |
8,6 |
86,4 |
|
-Atonia |
7 |
3,7 |
37,8 |
|
-Retenção
placentária |
6 |
3,2 |
32,4 |
|
-Coagulação uterina |
2 |
1,1 |
10,8 |
|
-Lacerações
de trajeto |
1 |
0,5 |
5,0 |
|
Rotura
uterina |
1 |
0,5 |
5,4 |
|
Hemorragia
grave por aborto |
1 |
0,5 |
5,4 |
|
Complicação
hipertensiva |
157 |
84,9 |
849 |
|
Pré-eclâmpsia
grave |
118 |
63,8 |
637 |
|
Síndrome
HELLP |
25 |
13,5 |
135 |
|
Eclâmpsia |
13 |
7,0 |
70 |
|
Hipertensão
grave |
3 |
1,6 |
16 |
|
Outra
complicação |
78 |
37,8 |
378 |
|
Trombocitopenia
|
18 |
9,7 |
97 |
|
Cardiopatia |
12 |
6,5 |
65 |
|
Convulsões |
11 |
5,9 |
59 |
|
Insuficiência
Renal Aguda |
11 |
5,9 |
59 |
|
Insuficiência
Respiratória Aguda |
10 |
5,4 |
54 |
|
Edema
pulmonar |
6 |
3,2 |
32 |
|
Choque
hipovolêmico |
5 |
2,7 |
27 |
|
Arbovirose |
5 |
2,7 |
27 |
|
Acidose |
3 |
1,6 |
16 |
|
Distúrbio de
coagulação |
3 |
1,6 |
16 |
|
Tromboembolismo |
3 |
1,6 |
16 |
|
Cetoacidose
diabética |
3 |
1,6 |
16 |
|
Sepse grave |
3 |
1,6 |
16 |
|
Disfunção
hepática |
2 |
1,1 |
11 |
|
Buscando compreender qual a relação entre a ocorrência
das condições clínicas graves e a evolução do quadro clínico para NMM,
realizou-se ajuste do modelo logístico conforme apresentado na Tabela 3.
Tabela 3 - Resultados do ajuste do modelo
logístico para modelar a NMM de mulheres internadas na MEAC no período de maio
a outubro de 2017. Fortaleza-CE, Brasil, 2018.
Variáveis |
Estimativa |
Erro Padrão |
Wald |
P* |
Constante |
0,364 |
0,499 |
0,730 |
0,466 |
Deslocamento prematuro de placenta |
-0,130 |
0,697 |
0,186 |
0,852 |
Placenta prévia |
0,126 |
1,100 |
0,115 |
0,909 |
Hemorragia pós-parto |
-1,322 |
0,772 |
1,713 |
0,087 |
Pré-eclâmpsia grave |
1,587 |
0,541 |
2,935 |
0,003 |
Síndrome HELLP |
0,535 |
0,670 |
0,798 |
0,425 |
Eclampsia |
0,789 |
0,785 |
1,005 |
0,315 |
Trombocitopenia |
-1,586 |
0,647 |
2,451 |
0,014 |
Cardiopatia |
-0,701 |
0,755 |
0,928 |
0,353 |
Legenda: *Teste de Wald (p<0,05).
Na Tabela 3 podemos ver as estimativas dos parâmetros, erro padrão das
estimativas e o teste de Wald. É dado a estatística do teste juntamente ao
valor p associado, ao qual, pode-se concluir, ao nível de 5% de significância,
que as ocorrências de pré-eclâmpsia grave e trombocitopenia são significantes
ao modelo, e as demais variáveis não foram significantes.
Uma etapa de relevante importância no ajuste de qualquer modelo de
regressão é a verificação de possíveis distanciamentos das suposições feitas
para o modelo, principalmente para a parte aleatória e a parte sistemática do
modelo, que podem causar alguma interferência inferencial ou desproporcional
nos resultados do ajuste.
No Gráfico 1, visualiza-se o
envelope simulado, no qual verifica-se que poucos pontos ficaram fora do
intervalo de confiança. Logo a distribuição de probabilidades assumida é
adequada, sendo válida a aplicação do modelo proposto.
Gráfico
1 - Envelope simulado para testar a distribuição binomial pressuposta no
modelo logístico. Fortaleza-CE, Brasil, 2018.
Para melhor compreensão dos resultados, e também como
forma de comparação, foi calculada a razão de chances ou odds
ratio (OR), obtidas, tanto pela forma
tradicional, quanto pelos resultados do modelo de regressão (Tabela 4).
Tabela 4 - Resultados da análise bivariada e
regressão logística das condições clínicas para a variável near miss materno de mulheres internadas na MEAC no período de maio a
outubro de 2017. Fortaleza-CE, Brasil, 2018.
Variáveis |
|
Near miss |
Regressão logística |
|||
n (%) |
P* |
OR(bruto) |
P** |
OR(ajustada) |
||
Deslocamento prematuro de placenta |
Sim |
5 (31,2) |
0,835 |
1,332(0,438-4,051) |
0,852 |
1,139 (0,29 - 4,467) |
Não |
43(25,4) |
|||||
Placenta prévia |
Sim |
2 (40) |
0,834 |
1,942 (0,315-11,989) |
0,909 |
0,881 (0,102 - 7,613) |
Não |
46(25,6) |
|||||
Hemorragia pós-parto |
Sim |
6 (60) |
0,031 |
4,75 (1,279-17,637) |
0,087 |
3,749 (0,826 - 17,013) |
Não |
42 (24) |
|||||
Pré-eclâmpsia grave |
Sim |
16(13,6) |
<0,001 |
5,829 (2,859-11,884) |
0,003 |
4,891 (1,694 - 14,118) |
Não |
32(47,8) |
|||||
Síndrome HELLP |
Sim |
12 (48) |
0,014 |
3,179 (1,335-7,573) |
0,425 |
0,586 (0,157 - 2,179) |
Não |
36 (22,5) |
|||||
Eclâmpsia |
Sim |
4 (30,8) |
0,934 |
1,293 (0,379-4,408) |
0,315 |
0,454 (0,097 - 2,117) |
Não |
44(25,6) |
|||||
Trombocitopenia |
Sim |
13(72,22) |
<0,001 |
1,102 (1,034-1,305) |
0,014 |
2,205 (2,058 - 2,728) |
Não |
35(20,9) |
|||||
Cardiopatia |
Sim |
7 (58,3) |
0,021 |
4,507 (1,358-14,964) |
0,353 |
2,016 (0,459 - 8,862) |
Não |
41(23,7) |
Legenda:
*Testes análise bivariada e regressão logística.
A partir do modelo logístico, demostrado na Tabela 4,
conclui-se que as variáveis Descolamento Prematuro de Placenta, Placenta
Prévia e Eclâmpsia não apresentaram significância estatística. Em
contrapartida, as variáveis Hemorragia pós-parto, Pré-eclâmpsia grave,
Síndrome HELLP, Trombocitopenia e Cardiopatia apresentaram significado
estatístico relevante, e após o cálculo de regressão, apenas a Pré-eclâmpsia
grave e Trombocitopenia se mantiveram significantes.
DISCUSSÃO
No
que se refere à ocorrência de complicações na gestação, pesquisas têm mostrado
que a idade pode constituir uma variável de grande influência, visto que com o aumento da idade, é possível que algumas doenças crônicas ocorram com maior frequência (10). Estudo
de coorte realizado em São Paulo, evidenciou a necessidade de atenção reforçada
para as mulheres com idade maior que 35 anos, pois os maiores índices de
complicações obstétricas ocorreram nessa faixa etária (11).
Já em
relação ao grau de escolaridade, onde no presente estudo 2/3 das mulheres
possuía mais de nove anos de estudo, verifica-se que em estudo nacional as
mulheres com menos de 4 anos de estudo internaram mais por complicações
obstétricas do que as com maior escolaridade (11). Uma revisão
integrativa que avaliou doze estudos, identificou que a mulheres com baixa
escolaridade, residentes do interior ou áreas rurais, baixa renda e extremos de
idade constituem fatores de risco para o desenvolvimento de NMM (5).
Quanto
às variáveis obstétricas, estudo realizado no Hospital Universitário de
Uberlândia identificou, dentre as mulheres com NMM, que a maioria eram
nulíparas. Fato que contradiz os achados do presente estudo, no qual a maioria
era multípara (12).
O atual estudo apontou que mulheres que já tiveram aborto têm 2,94
(IC95%1,425-6,048) vezes mais chance de desenvolver Near miss Materno. Achado semelhante ao de uma revisão integrativa
a qual identificou que a ocorrência de aborto prévio constitui fator de risco
para o desenvolvimento de NMM (5).
Quando
avaliado o acompanhamento do pré-natal, a maioria o realizou, porém um número
significativo de mulheres não realizou o número mínimo preconizado de seis
consultas, demonstrando possíveis fragilidades para a detecção de alterações de
forma efetiva e precoce. Salienta-se que a avaliação da assistência obstétrica
deve ir além da análise de cobertura, sendo a qualidade do cuidado ofertado
para as gestantes uma discussão fundamental e necessária para a melhoria da
saúde materna (13).
A
cesariana esteve presente na história pregressa de 30,1% das pacientes com NMM.
Outras investigações demonstram que a existência de fatores de risco em
gestações quando há antecedentes de cirurgias cesarianas é frequente (14) .
Monitorar as taxas de cesarianas, bem como desenvolver estratégias que visem a
sua redução é importante para diminuir a incidência de complicações graves no
futuro, visto que cesariana prévia está associada ao maior risco para placenta
prévia, hemorragias, histerectomias e transfusões (15).
O
estudo encontrou que a prematuridade aumenta a chance de ocorrência de Near miss Materno em 2,57 vezes
(IC95%1,289-5,11). Estudo caso-controle realizado no
Brasil, que analisou 3121 prontuários verificou que a prematuridade ocorreu com maior
frequência entre recém-nascidos de mulheres com morbidades maternas graves
(68,3%), visto que houve associação significativa para este evento, uma vez que
ter tido NMM aumentou o risco para nascimentos com idade gestacional menor que
37 semanas (OR=9,21) (16).
Dessa
forma, pode-se entender que a relação entre as duas variáveis pode ocorrer em
ambos os sentidos, tanto a ocorrência de complicações na gestação pode
desencadear o desfecho de prematuridade, quanto o trabalho de parto prematuro
pode levar a mulher à necessidade de maiores intervenções, o que a
classificaria como near miss de acordo com os critérios da OMS.
Na sumarização dos fatores de risco para ocorrência de near miss materno, evidenciam-se características
sociodemográficas, obstétricas e clínicas. A ausência ou as inadequações na
assistência pré-natal podem decorrer de questões geográficas, econômicas,
educacionais e sociais, as quais interferem no acesso das mulheres aos serviços
de saúde, em especial da Atenção Primária, a qual é um espaço privilegiado para
a promoção da saúde e a prevenção do risco materno, com a identificação e
tratamento precoce de possíveis complicações obstétricas (17).
Em
relação às complicações maternas,
as síndromes hipertensivas apresentaram-se como mais prevalentes, tendo
como destaque a pré-eclâmpsia grave. Em segundo
lugar, as síndromes hemorrágicas se mostraram prevalentes em relação ao NMM,
tendo destaque o descolamento prematuro de placenta.
Os
distúrbios hipertensivos destacam-se entre as causas de morbidade materna grave, evidenciando a
necessidade de melhorias no rastreio e tratamento dos elevados níveis
pressóricos das gestantes nos serviços de pré-natal, bem como adequada
assistência obstétrica para os casos mais graves, contribuindo para a redução
da principal causa de mortalidade no Brasil (18).
Estudo realizado em uma maternidade
em Ribeirão Preto, que avaliou 259 casos de morbidades maternas grave e 19 NMM,
em acordo com o presente estudo, identificou prevalências das causas por
síndromes hipertensivas, seguidas de síndromes hemorrágicas. Contudo, sobre a
ocorrência dos critérios da OMS houve discrepâncias, onde nos critérios
clínicos houve prevalência do choque hipovolêmico, nos critérios laboratoriais
houve prevalência de creatinina ≥ 300µmol/L ou ≥ 3,5mg/dL
e sobre os critérios de manejo houve prevalência de transfusão de ≥ 5 unidades
de concentrado de hemácias (19).
Em relação aos critérios laboratoriais prevalentes de um estudo
realizado com 41 prontuários de pacientes obstétricas internadas na Unidade de
Terapia Intensiva (UTI) de um hospital universitário brasileiro, enquadradas
como near miss materno, verificou-se que 14 (41,2%)
das mulheres estavam com SO2 <90% por 60 minutos ou mais, 5 (14,7%) com
trombocitopenia aguda (<50.000) e 4 (11,8%) com pH <7,1 (20).
No presente estudo, os casos onde ocorrerem
cardiopatia as chances da paciente desenvolver NMM foi
4,507 vezes maior. Estudo realizado em UTI com 224
mulheres com morbidade materna grave identificou que dentre as causas
indiretas, 33,9% apresentavam relato de alguma patologia prévia, dentre elas
alguma cardiopatia (21).
Uma das limitações da pesquisa consiste na utilização
de dados somente de mulheres que desenvolveram alguma condição potencialmente
ameaçadora à vida durante a gestação, parto ou puerpério, dessa forma, as
conclusões podem não se estender à população geral.
CONCLUSÕES
Em
relação aos aspectos sociodemográficos, não foi evidenciada associação com a
ocorrência do NMM. Já em relação aos aspectos obstétricos foi identificado que
trabalho de parto prematuro, multiparidade e aborto aumentaram as chances da
ocorrência do NMM.
A
partir do modelo logístico, conclui-se que as variáveis descolamento prematuro de
placenta, placenta prévia e eclâmpsia não apresentaram
significância estatística. As variáveis hemorragia pós-parto, pré-eclâmpsia grave, síndrome
HELLP, trombocitopenia e cardiopatia apresentaram significado
estatístico relevante, e após o cálculo de regressão, apenas a pré-eclâmpsia grave e
trombocitopenia se mantiveram significantes no desfecho do NMM.
Diante
desse contexto, evidencia-se a importância do estudo dos fatores associados à
ocorrência de near miss materno, pois permite identificar
fatores que podem conduzir a mulher ao óbito, possibilitando a realização de
estratégias e medidas efetivas e resolutivas visando a diminuição de óbitos
maternos evitáveis.
Recomendam-se
que novos estudos sejam realizados na perspectiva de compreender os impactos da
ocorrência das demoras obstétricas nos desfechos perinatais, bem como estudos
de intervenção na assistência pré-natal, visando a redução dos fatores
colaboradores das demoras, e consequentemente, obtendo menores desfechos
obstétricos desfavoráveis.
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Fomento e Agradecimento: os autores declararam que a pesquisa não recebeu
financiamento.
Critérios de autoria (contribuições dos
autores)
Todos
os autores contribuíram de acordo com os critérios 1, 2 e 3.
Declaração de conflito de
interesses: Nada a declarar.
Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447
Editor Associado: Edirlei Machado dos-Santos. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-1221-0377