ARTIGO ORIGINAL
CARTAS TERAPÊUTICAS: INTERVENÇÃO DE ENFERMAGEM COM FAMÍLIAS DE PACIENTES EM CUIDADOS PALIATIVOS
THERAPEUTIC LETTERS: NURSING INTERVENTION WITH FAMILIES OF PATIENTS UNDER PALLIATIVE CARE
CARTAS TERAPÉUTICAS: INTERVENCIÓN DE ENFERMERÍA CON FAMILIARES DE PACIENTES EN CUIDADOS PALIATIVOS
https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.supl.1-art.2229
1Maria Andrea Fernandes
2Patrícia Serpa de Souza Batista
3Thainá Karoline Costa Dias
4Brunna Hellen Saraiva Costa
5Fernanda Ferreira de Andrade
6Thaís Costa de Oliveira
7Solange Fátima Geraldo da Costa
1Enfermeira. Doutora em Enfermagem e Saúde PPGENF-UFPB. Pesquisadora no NEPBCP-UFPB. João Pessoa, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-1873-5385
2Doutora em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem, da Universidade Federal da Paraíba. Docente da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5080-1605
3Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem, da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1941-6084
4Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem, da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7511-9856
5Médica R4 em pneumologia no Hospital das clínicas da UFPE. Pesquisadora do NEPBCP-UFPB. João Pessoa, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-0918-2512
6Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-graduação em Enfermagem, da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3091-9360
7Doutora em Enfermagem pela Universidade de São Paulo. Professora titular da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6555-8625
Autor correspondente
Thainá Karoline Costa Dias
Rua Nelson Roberto Amorim, nº 203, Castelo Branco, João Pessoa, Paraíba, Brasil, 58050-630, +55(83) 987048319, E-mail: thaiinakaroline@gmail.com
Submissão: 05-04-2024
Aprovado: 27-02-2025
RESUMO
Objetivos: promover intervenção de enfermagem ao cuidador familiar com tristeza crônica que vivencia o luto antecipatório de paciente em cuidados paliativos com base nas cartas terapêuticas e, analisar a intervenção de enfermagem proposta a partir do relato do cuidador familiar com tristeza crônica que vivencia o luto antecipatório de paciente em cuidados paliativos, à luz da Teoria de tristeza crônica. Método: trata-se de uma pesquisa de campo com abordagem qualitativa, realizada em um hospital de referência no atendimento ao paciente em cuidados paliativos, com dez cuidadores familiares. Foi realizada intervenção de enfermagem com cartas terapêuticas. No final dos encontros, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os participantes do estudo. O material empírico foi categorizado utilizando-se a técnica de análise de conteúdo temática. Resultados: foi possível identificar quatro categorias temáticas: ‘Valorização do cuidador familiar’, ‘Proporcionar o vínculo afetivo da família’, ‘Fortalecendo a relação terapêutica’ e ‘Estratégias eficazes de enfrentamento. Discussão: ao superar as dificuldades, as famílias se sentiram fortalecidas pela carta que receberam da enfermeira. As estratégias de enfrentamento foram eficazes para lidar com a tristeza decorrente do processo de luto e lhes proporcionaram conforto. Considerações Finais: os achados evidenciados na literatura corroboram os resultados deste estudo e reforça a utilização do Modelo Teórico da Tristeza crônica para subsidiar o planejamento da assistência de enfermagem no contexto dos cuidados paliativos.
Palavras-chave: Cuidados Paliativos; Luto Antecipatório; Tristeza; Cuidados de Enfermagem; Cartas Terapêuticas.
ABSTRACT
Objectives: to promote nursing intervention to family caregivers with chronic sadness who experience anticipatory grief of patients in palliative care based on therapeutic letters and to analyze the nursing intervention proposed based on the report of family caregivers with chronic sadness who experience anticipatory grief of patients in palliative care, in light of the Chronic Sadness Theory. Method: this is field research with a qualitative approach, carried out in a reference hospital for patient care in palliative care, with ten family caregivers. Nursing intervention was carried out with therapeutic letters. At the end of the meetings, semi-structured interviews were carried out with the study participants. The empirical material was categorized using the thematic content analysis technique. Results: it was possible to identify four thematic categories: ‘Valuing the family caregiver’, ‘Providing the family’s emotional bond’, ‘Strengthening the therapeutic relationship’ and ‘Effective coping strategies. Discussion: after overcoming the difficulties, the families felt strengthened by the letter they received from the nurse. The coping strategies were effective in dealing with the sadness resulting from the grieving process and provided comfort. Final Considerations: the findings evidenced in the literature corroborate the results of this study and reinforce the use of the Theoretical Model of Chronic Sadness to support the planning of nursing care in the context of palliative care.
Keywords: Palliative Care; Anticipatory Grief; Sadness; Nursing Care; Therapeutic Letters.
RESUMEN
Objetivos: promover la intervención de enfermería a cuidadores familiares con tristeza crónica que experimentan duelo anticipado de pacientes en cuidados paliativos a partir de cartas terapéuticas y analizar la intervención de enfermería propuesta a partir del relato de cuidadores familiares con tristeza crónica que experimentan duelo anticipado de pacientes en cuidados paliativos. cuidado, a la luz de la Teoría de la Tristeza Crónica. Método: se trata de una investigación de campo con enfoque cualitativo, realizada en un hospital de referencia para la atención de pacientes en cuidados paliativos, con diez cuidadores familiares. La intervención de enfermería se realizó con cartas terapéuticas. Al final de las reuniones se realizaron entrevistas semiestructuradas a los participantes del estudio. El material empírico fue categorizado mediante la técnica de análisis de contenido temático. Resultados: fue posible identificar cuatro categorías temáticas: 'Valoración del cuidador familiar', 'Proporcionar el vínculo afectivo de la familia', 'Fortalecer la relación terapéutica' y 'Estrategias de afrontamiento efectivas'. Discusión: después de superar las dificultades, las familias se sintieron fortalecidas por la carta que recibieron de la enfermera. Las estrategias de afrontamiento fueron efectivas para afrontar la tristeza resultante del proceso de duelo y brindaron consuelo. Consideraciones finales: los hallazgos evidenciados en la literatura corroboran los resultados de este estudio y refuerzan el uso del Modelo Teórico de Tristeza Crónica para apoyar la planificación de los cuidados de enfermería en el contexto de los cuidados paliativos.
Palabras Clave: Cuidados Paliativos; Duelo Anticipado; Tristeza; Cuidado de Enfermera; Cartas Terapéuticas.
INTRODUÇÃO
Os cuidados paliativos são cuidados integrais ativos que visam melhorar a qualidade de vida das pessoas de todas as idades com graves sofrimentos relacionados à saúde devido a doenças graves e, especialmente, daqueles próximos ao fim da vida, bem como dos seus familiares e seus cuidadores. São promovidos por uma equipe multidisciplinar com abordagem holística para atender às necessidades bio-psico-sociais e espirituais dos pacientes e de suas famílias, incluindo aconselhamento sobre luto, se indicado(1), a exemplo do luto antecipatório.
O luto antecipatório é um sentimento específico de luto antes da morte do familiar com doença terminal em resposta às perdas. Ao longo da trajetória da doença, os cuidadores familiares testemunham uma deterioração cognitiva gradual, social e física de uma pessoa muito importante da família que está gravemente enferma. É essencial que a equipe de cuidados paliativos preste cuidados oportunos e adequados para prevenir complicações, como luto complicado pós-morte(2).
Como parte integrante da equipe multiprofissional de cuidados paliativos, o enfermeiro promove uma assistência integral e humanizada, e possibilitam ao paciente uma experiência de fim de vida caracterizada pela dignidade, compaixão e apoio aos cuidadores familiares e cuidadores em sofrimento(3,4), que são cruciais nos cuidados no final da vida. Os cuidadores podem sofrer sobrecarga devido às responsabilidades associadas ao cuidado com várias consequências negativas para sua saúde(5) e desenvolver tristeza crônica.
A tristeza crônica é persistente e associada ao luto. É recorrente, permanente, periódica e potencialmente progressiva. É vista como uma reação normal à perda, que pode ser a um evento único ou contínuo (progressivo). Geralmente, as pessoas que experimentam o sofrimento crônico usam estratégias internas e externas para enfrentar uma circunstância ou durante a experiência. Contudo, se essas estratégias forem ineficazes, a disparidade criada pela perda continuará a se intensificar e pode progredir para um estado de luto patológico ou depressão(6).
Vale ressaltar que, existem várias abordagens terapêuticas que podem ajudar os familiares cuidadores a passarem por situações complexas que envolvem o processo do luto antecipatório, como, por exemplo, as cartas terapêuticas. Estudo refere-se ao uso das cartas terapêuticas como uma estratégia de intervenção com uma intenção específica: de “envolver os clientes na terapia, promover a cooperação e encontrar soluções para os problemas apresentados”(7:3). O familiar cuidador do paciente na fase final de vida em cuidados paliativos tem demandas específicas que acabam refletindo em seu bem-estar e na dinâmica familiar. Logo, a utilização das cartas terapêuticas, como intervenção de enfermagem para pessoas que vivenciam situações de impacto emocional com repercussões nas diversas esferas de sua vida, se torna incontestavelmente necessárias.
Esta temática é relevante, no âmbito da Enfermagem, porque possibilitará a produção de novos conhecimentos sobre o tema investigado, o que resultará, positivamente, na assistência ao familiar cuidador do paciente na fase final de vida. Ademais, este estudo justifica-se pela perspectiva de promover intervenção de enfermagem que norteará a prática em cuidados paliativos, com possibilidade de obtenção de resultados satisfatórios em relação às reais necessidades do cuidador familiar no processo do luto antecipatório de pacientes em cuidados paliativos.
Contudo, são escassas as pesquisas publicadas sobre esse tema na literatura brasileira. Daí surgiu o interesse de realizar este estudo que teve como fio condutor as seguintes questões norteadoras: como promover intervenção de enfermagem ao familiar cuidador com tristeza crônica que vivencia o luto antecipatório de paciente em cuidados paliativos? e como analisar a intervenção de enfermagem proposta?
Para responder aos questionamentos acima descritos, foram elencados os seguintes objetivos para o estudo: promover intervenção de enfermagem ao cuidador familiar com tristeza crônica que vivencia o luto antecipatório de paciente em cuidados paliativos com base nas cartas terapêuticas e analisar a intervenção de enfermagem proposta a partir do relato do cuidador familiar à luz da Teoria da Tristeza Crônica.
MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa de campo com abordagem qualitativa. A abordagem qualitativa busca as singularidades e os significados do fenômeno com que se propõe a trabalhar, que se expressa por meio de crenças, valores, opiniões, representações, formas de relação, simbologias, usos, costumes, comportamentos e práticas(8).
Cabe ressaltar que, para manter o rigor metodológico, foi utilizado o Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). A lista de verificação do COREQ, foi elaborada para promover relatórios explícitos e abrangentes de estudos qualitativos. Os critérios incluídos no guia podem ajudar os pesquisadores a relatarem aspectos importantes da pesquisa, métodos de estudo, contexto do estudo, descobertas, análises e interpretações(9,10).
O estudo foi realizado em um hospital localizado na cidade de João Pessoa – PB, caracterizado como serviço de referência para atendimento de pacientes com doenças incuráveis e elegíveis para cuidados paliativos. Para coletar os dados, foram utilizados o Instrumento de Avaliação da Tristeza Crônica de Burke/Eakes, versão adaptada para o português brasileiro, a técnica de entrevista semiestruturada, com base em um roteiro previamente elaborado, contendo questões relacionadas aos objetivos do estudo.
A amostra foi composta por cuidador familiar, selecionado com base nos seguintes critérios: que fosse o cuidador familiar principal do paciente em cuidados paliativos, maior de 18 anos; que estivesse acompanhando o paciente no momento da coleta dos dados; que o familiar cuidador apresentasse risco muito elevado de tristeza crônica, segundo o instrumento utilizado para avaliação da tristeza crônica, com escore variando entre 70 e 139 pontos; e que manifestasse interesse e disponibilidade para participar do estudo. Foram excluídos do estudo os familiares que não participavam diretamente do cuidado do paciente. Assim, a amostra foi representada por dez cuidadores familiar, incluídos na pesquisa gradativamente.
Para coletar os dados, foram utilizados o Instrumento de Avaliação da Tristeza Crônica de Burke/Eakes, versão adaptada para o português brasileiro, a técnica de entrevista semiestruturada, com base em um roteiro previamente elaborado, contendo questões relacionadas aos objetivos do estudo. Os dados foram coletados de janeiro a março de 2020.
Para a intervenção de enfermagem, foram utilizadas as cartas terapêuticas, que foram entregues durante os encontros. O envio de cartas terapêuticas é indicado durante os encontros do enfermeiro com as famílias(11). Essas cartas devem conter resumidamente o que foi conversado nos encontros e ressaltar valores atribuídos pela família. Também contribuem para formar vínculos, porque têm um senso de transparência entre o profissional e a família(12). Neste estudo, utilizou-se a estratégia do envio de “cartas de finalização”, a fim de oferecer um resumo das conversas entre o enfermeiro e o familiar cuidador para ajudar a elaborar o luto antecipatório, como uma forma de pontuar positivamente o final dos encontros. Para realizar essa fase da pesquisa, as cartas terapêuticas foram elaboradas seguindo o modelo e as recomendações de Moules, Wright e Leahey(12,11).
Nos encontros o foco foi sobre o bem-estar no sentido da pessoa como um todo, incluindo suas dimensões físicas, psicossociais e espirituais. Envolveu a compreensão das experiências, preocupações e perspectivas do cuidador familiar, combinada às ações de enfermagem afetivo, cognitivo e reguladores de emoções que enfocaram os processos e experiências dos cuidadores durante o curso das mudanças, em que a saúde e a percepção do bem-estar são resultadas pretendidos.
Convém mencionar que na literatura da área de saúde, vários termos têm sido usados para descrever esse tipo de relacionamento, incluindo relacionamentos de ajuda, relacionamentos intencionais, relacionamentos enfermeiro-cliente e alianças terapêuticas(13). Nesta pesquisa. foram utilizados os termos: encontro terapêutico, relacionamento enfermeiro-cuidador familiar e relacionamentos de ajuda.
Os encontros que originaram as cartas terapêuticas foram agendados e realizados no próprio hospital onde o paciente estava internado e acompanhado por seu familiar cuidador. Foram realizados cinco encontros com cada familiar cuidador, com duração de 30 a 45 minutos cada um. No quarto encontro, foram entregues as cartas terapêuticas, e no encontro final, foi feita uma entrevista com o familiar cuidador, individualmente, na capela do hospital, por escolha dos participantes, com a finalidade de compreender as experiências sobre as cartas terapêuticas de enfermagem recebida pelos cuidadores.
As entrevistas foram transcritas na íntegra, para categorizar o material empírico. Para proceder ao tratamento dos dados coletados, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo temática. 14 Essa técnica contempla as fases de: pré-análise, fase em que os dados coletados (entrevistas) foram transcritos com o objetivo de torná-los operacionais; exploração do material e tratamento, inferência e interpretação dos dados. Na fase de exploração do material, os resultados brutos são organizados de maneira a serem significativos e válidos e foram analisados à luz da Teoria da Tristeza Crônica. O tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação, consiste em tratar os resultados. É o momento da intuição, da análise reflexiva e crítica para interpretar os achados da pesquisa em questão.
A pesquisa foi iniciada depois que o projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade da Universidade Federal da Paraíba (CAAE: 26539619.5.0000.5183) e emissão de parecer de aprovação conforme Parecer Consubstanciado número: 3.787.780. Toda a operacionalização deste estudo seguiu as observâncias éticas contempladas na Resolução nº 466 de 2012, do Conselho Nacional de Saúde,15 para garantir o sigilo das informações e o anonimato dos participantes. Desse modo, foram atribuídos nomes fictícios pelos próprios participantes como: Acácia, Amor, Carinho, Esperança, Girassol, Jasmim, Lírio, Saudade, Flor de Liz e Gratidão.
RESULTADOS
Participaram deste estudo dez familiares cuidadores de pacientes em cuidados paliativos, com idades entre 40 e 61 anos, sendo oito do sexo feminino; oito estavam casados, um divorciado e um em união estável. Em relação à cor/raça, nove se declararam pardos. No que se refere à escolaridade, seis cursaram o ensino médio completo; três tinham formação superior; e um, o ensino médio incompleto. Em relação à renda por família, sete participantes declararam renda mensal de três a cinco salários mínimos, e três, com renda mensal de um a três salários mínimos. Nove dos participantes se declararam católicos, e um, protestante.
Com relação a avaliação da tristeza crônica, segundo resultados dos escores do Instrumento de Avaliação da Tristeza Crônica de Burke/Eakes, versão adaptada para o português brasileiro, um familiar cuidador apresentou escore de 72; três, escore entre 74 e 80; cinco, escore entre 93 e 97; e um, com escore de 101. Desse modo, todos os participantes com escore entre 70-139 risco muito elevado de tristeza crônica.
Neste estudo, as cartas terapêuticas foram planejadas para ser úteis ao cuidador familiar que vivencia o luto antecipatório e apresenta características de tristeza crônica e com uma necessidade crescente de cuidado e apoio. As cartas enviadas aos familiares cuidadores são apresentadas no quadro 1.
Quadro 1 – Resumo das cartas terapêuticas enviadas pela enfermeira ao familiar cuidador que vivencia o luto antecipatório e apresenta características de tristeza crônica - João Pessoa, PB – Brasil, 2021.
Prezada Acácia, saudações! [...] Fiquei sabendo que, desde que o câncer de sua mãe foi diagnosticado, você participa diretamente dos cuidados, que essa tem sido uma caminhada desafiadora e que sua família enfrenta essa jornada sempre unida. [...] Você ensina diariamente sobre força, coragem e fé, na iminência de morte, e demonstra uma capacidade excepcional de enfrentar esse desafio, e emergir com coragem e sensibilidade e sua fé em Deus é o recurso essencial de que você necessita para restaurar sua força e determinação [...]. |
Prezado Amor, saudações! [...] Você demonstra muito amor por seu filho, eu fique muito tocada com as histórias que conta sobre como se empenha no cuidado, desde que ele foi acometido pela doença, compartilhando abertamente suas preocupações e medos, sobre como sua vida mudou e como tem sido a jornada mais desafiadora e difícil que você, como pai, enfrentou. [...]. Por causa de suas fortes crenças espirituais, você se abriu para a possibilidade de encontrar uma maneira doce de viver ao lado do seu filho. Sua capacidade de sentir alegria, de sorrir e de abraçar a esperança o ajudará a descobrir um significado nessa experiência [...]. |
Prezada Carinho, saudações! [...] Você encontrou coragem para entrar em assuntos dolorosos sobre sua experiência de sofrimento e da incerteza da doença de sua filha e do futuro. Encontrei uma mãe destemida para enfrentar uma luta árdua em busca de um tratamento para sua filha que amenizasse o sofrimento das lutas perdidas. [...]. Na busca por se aproximar de Deus, você encontra forças para compreender a experiência de ser mãe de uma filha com doença crônica e progressiva e a suportar sua caminhada com muita paciência e amor [...]. |
Prezada Esperança, saudações! [...] Em primeiro lugar, Esperança, assim que a conheci, eu observei, as pessoas admiram muito seu jeito amável. [...] Você tem pontos fortes, e os que mais admiro são seu senso de humor, seu amor e lealdade com sua família, seu interesse em ajudar os outros e sua vontade de falar o que pensa comigo. [...] Admiro sua persistência para garantir o melhor conforto para sua mãe. [...] Você tem muita força e habilidade para lidar com problemas. Fiquei admirada com sua resiliência. [...] Sua confiança em Deus para superar os momentos difíceis [...].
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Prezado Girassol, saudações! [...] Você demonstrou preocupações sobre como lidar com a doença do seu pai e compartilhou alguns de seus sentimentos de tristeza e luto com os quais tem lutado desde a morte de sua avó. [...] Você foi muito corajoso ao revelar seus medos e angústias em relação ao estágio final da doença do seu pai e sua recente perda. [...]. [...]. Você relatou que se sente bem melhor depois que conversou com sua família e que demonstrou sua tristeza com a partida de seu pai e que agora se sente mais acolhido e tem participado de momentos de orações com sua esposa [...]. |
Prezada Jasmim, saudações! [...]. Percebi que os momentos de raiva e de tristeza de sua irmã Azaleia, o que é compreensível na fase final. [...]. Contudo, você mesmo esgotada tem lutado com muita determinação, compreensão e carinho. Além de procurar manter a família unida para celebrar o aniversário dela. Foi muito lindo assistir a união da sua família na comemoração do aniversário dela. Esses sentimentos só podem ser preenchidos pelo amor. É incrível como cada um de vocês encontrou maneiras diferentes e únicas de se apoiar nessa jornada [...]. |
Prezada Lírio, saudações! [...] É impressionante os desafios de saúde que você enfrenta ao cuidar de sua tia Amélia. [...] Os ajustes que você fez, durante a hospitalização de sua tia, são difíceis e, por isso, não se sinta culpada. Você acompanha de perto todo o tratamento e conduz todo o cuidado junto com a cuidadora. Quando sua tia precisa, você realmente está ao seu lado, com muito carinho e zelo. [...] Observei que você se preocupa muito com a religiosidade e a espiritualidade de sua tia, e isso é admirável! |
Prezada Flor de Liz, saudações! [...] Você encontrou forças para entrar em algumas conversas difíceis e dolorosas sobre sua experiência, tanto por causa da complexidade da doença de sua irmã Rosa, com todas as fragilidades e limitações físicas e emocionais, quanto pelas incertezas do futuro. [...] Admiro sua persistência em garantir o bem-estar de sua irmã. [...]. Percebo o grande impacto que a doença de Rosa tem em sua vida, como a sobrecarga do papel de cuidador e sua preocupação com os momentos de incertezas, de raiva e de sofrimento. [...] Você [...] reafirma diariamente sua fé e fortalece sua capacidade de ressignificar o cuidado e a vida [...]. |
Prezada Gratidão, saudações! [...] Você é a pessoa que tornou a vida de sua família mais fácil de viver em meio ao sofrimento causado pelo adoecimento do seu marido, que você chamou de Lindo. [...]. O carinho e o apoio que você dedica ao cuidar de seu marido refletem a maneira amorosa de elogiá-lo por suas forças e habilidades de se adaptar a cada limitação que a doença inflige. É admirável ver sua coragem e sabedoria para resolver problemas. Estou confiante na sua capacidade de ressignificar sua vida [...]. |
Prezada Saudade, saudações! [...] A sua jornada é desafiadora, pois você sofreu a perda do seu querido pai, anteriormente, enfrentou o luto e conseguiu reorganizar sua vida com muita coragem e sensibilidade. [...]. Observei que você é consciente da fragilidade dessa situação ao expressar abertamente questões profundamente dolorosas em relação ao futuro. [...]. O cuidado e o zelo com sua família, além de sua fé e positividade, criam um clima de confiança, o que reduz o medo e a ansiedade [...]. |
Fonte: Dados da pesquisa – 2020.
No processo de análise do conteúdo, emergiram três categorias temáticas a partir do relato do cuidador familiar com tristeza crônica que vivencia o luto antecipatório de paciente em cuidados paliativos: ‘Valorização do cuidador familiar’, ‘Proporcionar o vínculo afetivo da família’ e ‘Fortalecendo a relação terapêutica’. Além dessas, foi possível codificar uma categoria, com base no conceito da Teoria da Tristeza Crônica: ‘Estratégias eficazes de enfrentamento’.
Valorização do cuidador familiar
Situações complexas, como reconhecer que a tristeza crônica é uma resposta do luto antecipatório associada a uma situação de perda iminente de um ente querido com doença de progressão rápida e em final de vida, podem fazer com que os membros da família, principalmente o cuidador principal, sintam-se vulneráveis diante do sofrimento e do papel que precisam assumir durante a hospitalização. E mesmo que ele aprenda a cuidar de si e do seu familiar enfermo, mobilizado por profundas mudanças que se mostram nesse processo, só alcançará resultado satisfatório se obtiver, de algum modo, o apoio efetivo.
Por meio das cartas terapêuticas, o enfermeiro apresenta um resumo dos encontros e a oportunidade de apresentar ao cuidador seus pontos fortes e reforçar as mudanças efetuadas no cuidado que ele está realizando ao seu ente querido. Nos relatos dos familiares, percebeu-se o quanto eles se sentiram valorizados, especiais e respeitados em virtude de suas qualidades de cuidadores, expressos nos relatos:
Minha família é muito unida, mas as vezes, eu me sentia tão só, tão desmotivada, parecia que eu tinha deixado de existir. [...] Não conseguia parar de lê sua carta. Eu chorava e sorria ao mesmo tempo. Chorava porque você ouviu minhas tristezas. Sorria porque alguém se importou comigo, ouviu minhas poucas alegrias, me deu valor, elogiou o meu jeito de cuidar da minha mãe, da minha dedicação e do meu amor por ela (Acácia).
Quando li a carta me senti valorizado. [...] Senti que a minha dedicação, a minha caminhada ao lado do meu filho foi valorizada (Amor).
A gente enfrentou muita coisa juntas [...]. Me fortaleci com a carta. [...]É muito bom me sentir valorizada em meio a tanta tristeza (Carinho).
Estava triste e cansada e receber essa carta foi muito importante para mim. [...] Me senti especial (Esperança).
Me senti muito importante porque você se preocupou comigo. Estava me sentindo só (Girassol).
Quando recebi a carta [...]me senti tão especial, apoiada [...] a gente se sente muito valorizada (Jasmim).
É muita consideração por mim e estava precisando disso, viu. Me senti muito importante. É muito bom ser tratada com respeito e gentileza. (Flor de Liz).
Ninguém nunca escreveu assim para mim. [...] fico emocionada toda vez que leio, foi muito importante para mim receber uma carta (Girassol).
As cartas terapêuticas se configuram com uma fonte de informação para as famílias visualizarem o que está acontecendo na relação do paciente com o familiar cuidador e a assistência oferecida.
Promovendo o vínculo afetivo da família
Ao mesmo tempo em que assume a responsabilidade de cuidador, o familiar encontra dificuldades de mostrar à sua família que também necessita ser cuidado e protegido. Diante da situação, parece que ocorre um distanciamento nas relações familiares, devido ao sofrimento e ao medo gerados pela doença, cuja progressão é rápida, e a morte é iminente, e a responsabilidade que é depositada em sua função de cuidador. As cartas terapêuticas apresentam um resultado positivo na relação familiar, uma vez que o cuidador realizou a leitura em família o que lhes proporcionou restabelecer o relacionamento de forma unida e com apoio mútuo, conforme se percebe nos seguintes relatos:
Pedi para minha esposa lê também e depois ela me abraçou muito forte, foi como se ela estivesse me pedindo desculpas por não me entender [...]. demos um abraço bem demorado e confesso que segurei o choro. [...] Me senti confortável e protegido (Amor).
Sentei com minha mãe, meu marido e meus outros dois filhos e lemos a carta juntos. Foi um momento muito difícil [...]. Estamos juntos nessa luta (Carinho).
[...] Mostrei a carta para os meus filhos e foi muito legal me senti acolhida demais (Esperança).
Fiquei motivado e com o coração aliviado. Estava me sentindo derrotado com tantas perdas na minha família. [...] Li a carta junto da minha família, [...]aprendi que preciso deles para passar por tanto sofrimento (Girassol).
Minha irmã tem problema de depressão e liga para mim todos os dias, aí eu falei que tinha recebido uma carta que me elogiava e tinha muita coisa linda sobre mim, li para ela. Depois disso, li para meu marido, para minha vizinha. Todos gostaram e até para meu irmão que não se importava muito comigo eu li a carta e ele me agradeceu por eu cuidar da nossa mãe (Saudade).
Os cuidadores familiares tornaram-se parte integrante do cuidado. O enfermeiro deve se esforçar para garantir que o cuidador familiar e outros membros da família tenham uma compreensão comum e precisa da condição e do prognóstico do paciente. Devem validar rotineiramente o papel do cuidador familiar e ser sensíveis as suas angústias e de como ele administrará toda essa situação de final de vida do seu ente querido.
As abordagens da enfermeira sobre como os familiares cuidadores estavam lidando com a situação, consistiram em encorajar e permitir expressões de tristeza para trabalhar compreendê-las e até mesmo superá-las. Outras compreenderam reações positivas para fortalecer a confiança na relação terapêutica do enfermeiro e do cuidador familiar.
Fortalecendo a relação terapêutica
As cartas terapêuticas são um recurso que auxilia o enfermeiro a estreitar os vínculos a partir do momento em que o familiar cuidador se sente compreendido, e suas necessidades são atendidas. Na análise das falas dos participantes sobre os cuidados ministrados pela enfermeira, observou-se que eles se sentiam satisfeitos com a atenção, a dedicação e o respeito que lhes eram proporcionados, conforme mostram estes relatos:
Desde que minha mãe adoeceu que eu cuido dela e nenhum médico nunca perguntou se eu estava bem ou se eu precisava de ajuda e você se importou quando eu ficava triste e você me ajudou (Acácia).
Você cuidou de mim como os outros profissionais cuidam da minha filha, com muito carinho (Carinho).
Você me ouviu e me ajudou a confiar em mim e nas pessoas que gostam de mim (Esperança).
Quero dizer que hoje sou outra pessoa [...]. Você é uma pessoa muito especial para mim. [...] Foi muito atenciosa (Girassol).
Fico muito agradecida pelo tempo que você dedicou para me ajudar a resolver meus problemas, eu estava sofrendo demais (Jasmim).
Eu me sentia culpada e julgada por ter que trabalhar e deixar outra pessoa cuidando da minha tia e você com muita calma me ajudou a superar essa culpa (Lírio).
Na hora que eu mais precisava você apareceu [...] a gente lutou bastante e agora melhorou muito, estou mais tranquila. Você foi dez (Flor de Liz).
Eu ficava olhando para o relógio esperando você chegar, até liguei para você uma vez, lembra? Pensei que você não vinha mais. Tinha muita coisa para dizer (Saudade).
O encontro enfermeiro-cuidador possibilitou abrir caminhos para a manifestação clara de suas intenções na relação de ajuda, por meio de novos canais de expressão, a exemplo das cartas terapêuticas. O uso de cartas facilita o relacionamento de ajuda, elas resumem o progresso da pessoa no processo terapêutico, dando a esta uma visão ampla das mudanças e conquistas.
Estratégias eficazes de enfrentamento
Apesar de ter experiências únicas de luto antecipatório, a tristeza crônica foi experimentada. Com base na Teoria da Tristeza Crônica, as estratégias de enfrentamento são divididas em internas e externas e podem ser eficazes ou não. As estratégias de enfrentamento internas mais úteis e aplicadas foram aceitação e espiritualidade. Nesta última, foram incluídos orações e confiança em Deus, segundo alguns relatos apresentados:
Hoje me sinto mais forte, mais corajosa para aceitar toda essa situação [...] minha fé em Deus me fortalece (Acácia).
É difícil, sei que a doença do meu filho não tem cura, já consigo aceitar [...] Deus me ajuda a lidar com os meus medos e com as minhas dores (Amor).
A confiança que eu tenho em Deus [...] me ajuda a superar os momentos difíceis (Carinho).
Eu sei que está se aproximando a hora da minha mãe. [...] a fé que eu tenho em Deus me conforta (Saudade).
Nos encontros, os cuidadores optaram por aceitar a situação de final de vida do seu familiar e a fé em Deus os fortalecem, o que os ajudaram a se prepararem emocionalmente para assumir plenamente a responsabilidade do cuidar do seu familiar. Relataram que, ao aceitarem a situação de final de vida, conseguiram acatar os conselhos e recomendações da enfermeira, o que beneficiou, também o paciente.
As estratégias de enfrentamento externo foram o apoio da família, como referido na categoria ‘Fortalecendo os laços familiares’; a atenção proporcionada pela enfermeira, exposta na categoria ‘Fortalecendo a relação terapêutica’; e o apoio relacionado a todos os profissionais do hospital onde os pacientes estavam internados, mencionados nas seguintes falas:
Os profissionais do hospital se preocupam em fazer o melhor que eles podem. [...] eles são acolhedores (Esperança).
É um hospital acolhedor, os profissionais são amigáveis e isso me deu confiança (Girassol).
O médico e os enfermeiros conversam com minha irmã e eu vejo que ela se sente bem com isso e eu também (Flor de Liz).
É um ambiente bom [...] a gente se sente bem. Cuidam do meu marido com carinho (Gratidão).
Fiz amizade com todos aqui do hospital. [...] São dedicados e cuidam das pessoas com muita delicadeza (Saudade).
Alguns participantes do estudo ressaltaram que se sentem acolhidos no ambiente hospitalar e que a equipe multiprofissional promove um cuidado atencioso, amigável e com dedicação, o que transfere confiança e bem-estar para os cuidadores.
Todos os participantes falaram de seu crescimento individual nesse processo, dos laços únicos que se desenvolveram com seus entes queridos e com outros membros da família, sua capacidade de encontrar paz em situações inesperadas e seu amadurecimento espiritual como consequência de suas experiências com a tristeza crônica.
DISCUSSÃO
Dentre os participantes do estudo constatou-se que a maioria era mulher (mãe, filha, sobrinha e esposa). Quanto a atribuição ao sexo feminino, como promotora de cuidado na maioria dos casos, particularmente quando se trata de doença, entre outras questões que estão relacionadas à esta atribuição feminina. Cuidar é uma tarefa que exige atenção, paciência e dedicação constante. Segundo uma pesquisa realizada em 2019 sobre a ansiedade relacionada à morte em cuidados paliativos, em uma amostra de 111 cuidadores familiares de doentes paliativos a maioria eram do gênero feminino (82,9%)(16).
Achados relacionados às diferenças de gênero na experiência de tristeza crônica entre mães e pais, mostraram que a tristeza crônica é permanente nas mães, ao passo que os pais tendem a resolver seu sofrimento. Mesmo que os papéis dos pais tenham evoluído ao longo do tempo, continua a ser relatado que as mães continuam sendo as principais cuidadoras das crianças na maioria instâncias(17).
Cabe ressaltar que quando em relação a questão financeira uma cuidadora relacionou o sentimento de culpa à necessidade de trabalhar e não participar integralmente do cuidando a sua tia. É importante considerar que o processo de adoecimento tem vários fatores determinantes sociais referentes às condições de vida, o enfrentamento a doença tem relação direta com os contextos socioeconômico e cultural em que vivem os pacientes e seus familiares(18). Desse modo é importante considerar as informações sobre condições socioeconômicas da família e incluí-las nas discussões da equipe de saúde, considerando as possibilidades de suporte e rede de apoio disponíveis para atender suas necessidades.
Na experiência de cuidado do familiar, havia gatilhos específicos que tornavam o sofrimento crônico intenso, com sentimento de raiva, culpa, medo e tristeza. Essas emoções estão relatadas nas cartas terapêuticas. De acordo com a Teoria da Tristeza Crônica os gatilhos são fatores ou eventos (marcos de desenvolvimento) que está principalmente relacionada a responsabilidade do cuidador familiar. E as estratégias úteis promovidas pelos enfermeiros incluem fornecer informações, ajudar ao cuidador familiar assimilar todo esse processo, ser empático e compassivo(6;17), como as cartas terapêuticas.
Em relação à categoria – Valorização do cuidador familiar, diz respeito o quanto os cuidadores se sentiram valorizados na interação com a enfermeira. Ao superar as dificuldades, as famílias se sentiram fortalecidas pelas cartas que receberam da enfermeira. Vale ressaltar que a natureza recíproca da relação entre o enfermeiro e o familiar cuidador é particularmente singular para cada relacionamento. Nessa interação do enfermeiro e do familiar cuidador, há um tom de “estarmos juntos”, que é criado pela confiança e pelo respeito mútuo(12).
Estudo adverte que os cuidadores precisam manter sua saúde e precisa de apoio para fazê-lo. As altas demandas de cuidado levam a um declínio na saúde pessoal. Um dos objetivos centrais das intervenções direcionadas ao cuidador é de apoiá-lo na construção de relacionamentos e na comunicação aberta com seus familiares e entes queridos. Portanto, a finalidade é de que os cuidadores se sintam confortáveis para comunicar sentimentos como ansiedade e outros sintomas e garantir que possam obter a ajuda necessária para aliviá-los(19).
Na categoria – Proporcionar o vínculo afetivo da família, refere-se ao reajuste dos vínculos afetivos que os familiares foram capazes de restabelecer com os outros membros da sua família, proporcionados pela interação enfermeiro-cuidador, percebido tanto nas falas quanto nas cartas terapêutica.
Convém mencionar que o cuidador é um elemento vital, devido ao papel essencial que desempenha no processo de doença e à participação ativa em todos os aspectos, acompanhando o paciente e buscando alternativas para cuidar melhor dele, desde o diagnóstico de uma doença crônica avançada e progressão rápida até o fim da vida. Considera-se que, em uma doença que ameaça a continuidade da vida, a família funciona como uma unidade que se comove em relação ao tipo de sofrimento do familiar(20).
A família deve ser vista como uma unidade independente e criativa, compartilhando valores e experiências próprias, poder e afetividade, visando melhorar a qualidade de vida do grupo familiar. A utilização das cartas demonstra o envolvimento dos enfermeiros nos cuidados ao familiar doente, fazendo com que se atribua um novo significado às relações estabelecidas através da oferta de estratégias, promoção dos relacionamentos em diferentes níveis através do estabelecimento de objetivos relacionados com o cuidar, bem como com a comunicação estabelecida com todos os envolvidos(21,22).
Na Enfermagem, a escrita de cartas terapêuticas é uma intervenção pouco conhecida na prática de enfermagem familiar(22) e pouco utilizada como estratégia na formação do enfermeiro para construir relacionamentos, pelo menos, no âmbito nacional. Estudo(23) apontou que a redação de cartas terapêuticas geralmente não está incluída no currículo regular de Enfermagem. Porém, o corpo docente incentivou a criatividade dos alunos e os motivou a escreverem cartas terapêuticas para os pacientes. Foi evidenciado que as cartas são uma poderosa estratégia de ensino para promover a aprendizagem dos alunos na educação de enfermagem clínica e ajudá-los a desenvolver suas habilidades relacionais para conhecer e compreender o paciente e que essa atividade ajudou o corpo docente clínico a identificar os alunos que tinham dificuldades de se relacionar com seus pacientes.
A categoria - Fortalecendo a relação terapêutica - revelou que durante o processo de interação com os familiares cuidadores, houve cooperação mútua, ou seja, eles se uniram em favor de um objetivo comum, fundamentais para o alcance de melhores resultados. Pesquisa observa que, para um cuidador, a experiência de cuidar de um familiar com câncer está associada a diversos problemas e aos desafios relacionados ao cuidado. Nesse sentido, compreender profundamente as tribulações pode ser um passo para resolver os problemas enfrentados pelos cuidadores familiares desses pacientes. Por isso, os planejadores de saúde devem considerar os desafios e os sofrimentos enfrentados pelos cuidadores familiares e preveni-los por meio de intervenções apropriadas(24).
Cabe ressaltar que na elaboração das cartas terapêuticas, o paciente e o profissional escrevem e constroem a história que a pessoa conta quando está em terapia e, depois de escrita, a expressão é externalizada e implica a construção e a desconstrução de histórias de experiências vividas pelas pessoas, com o fim de redescobrir e valorizar a relação entre os pensamentos e a construção de novos significados. É uma ferramenta flexível e, em alguns casos, as cartas podem ser escritas pelo profissional dirigido para a pessoa ou dela para ele(25).
As cartas foram utilizadas como instrumentos para ajudar as pessoas a elaborarem o luto de seus entes queridos. Assim, deve-se considerar que, para esse estilo de intervenção, a capacidade terapêutica reside na gestão dos discursos em torno da perda e do luto, a fim de desconstruir os significados que eram mantidos e integrar os que surgiram no processo. É analisando, refletindo e ouvindo com empatia as diferentes histórias contadas por clientes, que é possível haver mudanças(25).
No tocante a categoria das Estratégias eficazes de enfrentamento – pessoas enfermas e suas famílias irão se deparar com inúmeras situações difíceis ao longo da vida, bem como nos momentos de maior estresse devido à natureza da perda e ao processo de tristeza crônica. Avaliação e reavaliação profissional serão exigidas em várias conjunturas da vida em conexão com a aquisição de serviços adequados. Desse modo, foi possível observar que a enfermeira utilizou métodos eficazes para favorecer o enfrentamento do familiar cuidador no processo do luto antecipatório.
Quanto às estratégias de enfrentamento interno que resultaram da interação enfermeiro-cuidador foram: aceitar a situação de final de vida do seu familiar e fortalecimento espiritual. As estratégias de enfrentamento externo foram o apoio da família, o vínculo criado pela relação terapêutica ou relação de ajuda e o apoio de todos os profissionais do hospital onde os pacientes estavam internados.
As pessoas com doenças crônicas progressivas e potencialmente limitadora da vida e suas famílias precisam de cuidados paliativos específicos e que o apoio psicossocial e espiritual deve ser uma prioridade. Assim sendo, os cuidadores profissionais devem compreender as necessidades dos pacientes e de seu cuidador familiar que vivenciam o luto antecipatório, ao longo dos vários estágios da doença, e ser capazes de dar suporte para o luto a qualquer momento depois da morte do paciente(26).
O luto antecipatório do familiar cuidador pode ser resolvido por meio de processos bem estabelecidos, se trabalhados adequadamente(27). As múltiplas perdas vivenciadas por cuidadores familiares, como, por exemplo, o fato de um dos membros da família adquirir uma doença crônica de progressão rápida, que gera limitações e sofrimento físico, emocional e social, são descritas na Teoria da Tristeza Crônica como o primeiro antecedente da tristeza crônica(28). Embora seja vista como uma reação normal, a tristeza crônica pode progredir para um estado patológico, como a depressão, se o manejo de enfrentamento for ineficaz.
Estudo(29) publicado observa que apesar da experiência, as mães que cuidam dos filhos com doenças crônicas descobriram diferentes maneiras de lidar com a tristeza crônica. Essas estratégias de enfrentamento incluíam chorar - para elas, o choro provocou a liberação emocional do cansaço físico e da tensão derivada de emoções acumuladas que compreendiam decepção, medo, frustração e desespero; preparar-se para o longo processo de terapia do filho; pensar positivamente; manter-se ocupado e pedir força e orientação a Deus. As estratégias de enfrentamento oferecidas pelo profissional as ajudaram a transitar pela experiência, o que lhes possibilitou ver o futuro do filho com otimismo e positividade.
Em um trabalho no qual foi utilizado o Instrumento de Avaliação da Tristeza Crônica de Burke/Eakes para identificar mulheres com tristeza crônica e ajudá-las a superar a perda pós-parto, foi possível identificar estratégias de enfrentamento, como as crenças espirituais e o apoio familiar e social, eficazes para lidar com a perda e ter conforto(30). Esses achados abordados na literatura são semelhantes ao evidenciado nesta pesquisa.
Em relação às implicações para a prática clínica de enfermagem e a pesquisa, a utilização das cartas terapêuticas é uma intervenção de baixo custo, cujo processo de construção é relativamente simples. Porém, neste caso, considerou-se certa complexidade, por considerar o luto antecipatório como uma experiência singular, com consequências profundamente dolorosas. Foi demonstrado que tem efeitos benéficos significativos, provoca o interesse para introduzir as cartas terapêuticas como uma intervenção independente do enfermeiro ou para complementar a assistência nos serviços de cuidados paliativos existentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a realização deste estudo, do qual participaram dez cuidadores que apresentaram escore indicador de um risco muito elevado de tristeza crônica, verificou-se que o uso das cartas terapêuticas tem muitas intenções e propósitos. Neste estudo, elas foram planejadas para serem úteis ao cuidador familiar que vivencia o luto antecipatório e apresenta características de tristeza crônica e com uma necessidade crescente de cuidado e de apoio. Além disso, foi efetivado o relacionamento interpessoal durante os encontros.
Os participantes sentiram a tristeza crônica decorrente do processo do luto antecipatório e foi necessário ajudar o cuidador a desenvolver mecanismos de enfrentamento interna e externa eficazes para superar o luto antecipatório e prevenir o luto crônico ou permanente. Com o apoio da enfermeira foi gerenciado efetivamente o sentimento de perda antecipada vivida.
Como sugestão para a prática, recomenda-se aos enfermeiros para a necessidade de conhecer o processo de luto antecipatório no contexto dos cuidados paliativos e utilizar estratégias de cuidado com o propósito de oferecer uma assistência que possibilite auxiliar as pessoas a enfrentarem as situações difíceis e a ressignificarem a vida.
A extensão em que este estudo pode ser generalizado apresenta limitações, porquanto só participaram dele dez pessoas e não foram incluídos outros membros importantes da família. Sugere-se que mais estudos sejam produzidos com um maior número de cuidadores e com outros grupos, utilizando as cartas terapêuticas e a Teoria da Tristeza Crônica de Enfermagem no contexto dos cuidados paliativos.
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Contribuição doa autores
Maria Andrea Fernandes: 1. Concepção e planejamento do estudo; 2. Obtenção, análise e interpretação dos dados;
3. Redação e revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Patrícia Serpa de Souza Batista: 3. Redação e revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Thainá Karoline Costa Dias: 1. Planejamento do estudo; 3. Redação e revisão crítica.
Brunna Hellen Saraiva Costa: 1. Planejamento do estudo; 3. Redação e revisão crítica.
Fernanda Ferreira de Andrade: 1. Planejamento do estudo; 3. Redação e revisão crítica.
Thaís Costa de Oliveira: 1. Planejamento do estudo; 3. Redação e revisão crítica.
Solange Fátima Geraldo da Costa: 1. Concepção e planejamento do estudo; 3. Redação e revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar.
Fomento e Agradecimento
Sem financiamento
Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447
Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(supl.1): e025073