ARTIGO ORIGINAL

 

EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE DOS PROFISSIONAIS DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA NA PANDEMIA DA COVID-19

 

PERMANENT HEALTH EDUCATION OF FAMILY HEALTH STRATEGY PROFESSIONALS IN THE COVID-19 PANDEMIC

 

EDUCACIÓN EN SALUD PERMANENTE DE DOS PROFESIONALES DE ESTRATEGIA DE SALUD FAMILIAR EN LA PANDEMIA COVID-19

 

https://doi.org/10.31011/reaid-2024-v.98-n.2-art.2254

 

1Yara Rayany de Aquino Moreno

2Janieiry Lima de Araujo

3Andrezza Karine Araújo de Medeiros Pereira

4Palmyra Sayonara de Góis

5Patrícia Raquel Gurgel Leite Marinho

6Maria Valéria Chaves de Lima

 

1Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros/RN, Brasil, https://orcid.org/0009-0000-2373-3424.

2Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros/RN, Brasil, https://orcid.org/0000-0001-9806-8756.

3Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros/RN, Brasil, https://orcid.org/0000-0003-3817-5650.

4Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Pau dos Ferros/RN, Brasil, https://orcid.org/0000-0001-8824-0532.

5Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró/RN, Brasil, https://orcid.org/0000-0002-2383-4177.

6Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza/CE, Brasil, https://orcid.org/0000-0002-9278-5612.

 

Autor correspondente

Maria Valéria Chaves de Lima

Av. Dr. Silas Munguba, 1700 - Itaperi, Fortaleza - CE, Brasil. 60714-903 Brasil, (84) 9 9485-1521, E-mail: valerialima13@hotmail.com.

 

Submissão: 07-05-2024

Aprovado:  13-07-2024

 

RESUMO

Objetivo: Investigar o processo de Educação Permanente em Saúde dos profissionais da Estratégia Saúde da Família no município de Pau dos Ferros/RN para atuação na pandemia Covid-19. Métodos: O estudo teve como participantes os profissionais atuantes nas equipes da Estratégia de Saúde da Família. Teve como critério de inclusão: atuar como médico, enfermeiro e/ou técnico de enfermagem nas equipes da Estratégia de Saúde da Família na pandemia Covid19 em Pau dos Ferros/RN. Critérios de Exclusão: Estar em licença de qualquer natureza por ocasião da coleta de dados e profissional que tenha tempo de atuação na Estratégia de Saúde da Família inferior a 120 dias. A coleta de dados ocorreu mediante a realização de entrevista semiestruturada. Resultados: Não houve ações de Educação Permanente em Saúde disponibilizadas pela gestão. Demonstrou-se esforço voluntário dos profissionais de saúde no ajuste a infodemia que a mídia tradicional e especializada repercutia, incessantemente, sobre o SARS-CoV-2 e a Covid-19; e ainda a todo aparato de diretrizes, protocolos e recomendações emitidos pela Organização Mundial da Saúde, Ministério e Secretárias de Saúde. Considerações Finais: Nota-se que houve frágil direcionamento de ações, por parte da gestão local, não se mostrou presente apenas no sentido da articulação da Atenção Primária a Saúde, com os demais níveis assistenciais, o que acarretou limitação da atuação dos profissionais no enfrentamento da pandemia.

Palavras-chave: Educação em Saúde Pública; Profissionais de Saúde; Estratégia Saúde da Família (ESF); Pandemia COVID-19.

 

ABSTRACT

Objective: To investigate the process of Continuing Health Education for Family Health Strategy Professionals in the municipality of Pau dos Ferros/RN to work during the Covid-19 pandemic. Methods: The participants of the study were professionals working in the Family Health Strategy teams. The following inclusion classifications were: working as a doctor, nurse and/or nursing technician in the Family Health Strategy teams in the Covid19 pandemic in Pau dos Ferros/RN. Exclusion Criteria: Being on leave of any nature at the time of data collection and being a professional who has worked in the Family Health Strategy for less than 120 days. Data collection occurred through semi-structured interviews. Results: There were no Permanent Health Education actions made available by management. A voluntary effort by health professionals was demonstrated in adjusting to the infodemic that the traditional and specialized media incessantly reflected on SARS-CoV-2 and Covid-19; and also to the entire apparatus of guidelines, protocols and recommendations issued by the World Health Organization, Ministry and Secretaries of Health. Final Considerations: It is noted that there was a weak direction of actions, on the part of local management, which was not only present in the sense of articulating Primary Health Care with other levels of care, which resulted in limitations in the performance of professionals in confronting the pandemic.

Keywords: Public Health Education; Health professionals; Family Health Strategy (ESF); COVID-19 Pandemic.

 

RESUMEN

Objetivo: Investigar el proceso de Educación Continua de Profesionales de Salud de la Estrategia Salud de la Familia en el municipio de Pau dos Ferros/RN para responder a la pandemia de Covid-19. Métodos: El estudio involucra a profesionales que actúan en los equipos de la Estrategia de Salud de la Familia. Tiene las siguientes clasificaciones: actuación como médico, enfermero y/o técnico enfermo en los equipos de la Estrategia de Salud de la Familia en la pandemia de Covid19 en Pau dos Ferros/RN. Criterio de exclusión: Tener licencia de cualquier naturaleza por la ocupación de un profesional que haya laborado en la Estrategia Salud de la Familia por menos de 120 días. El resultado se logró mediante la realización de una entrevista semiestructurada. Resultados: No existen servicios de educación continua en salud disponibles para el proceso. Demostrar el esfuerzo voluntario de los profesionales de la salud para no ajustarse a la infodemia que los medios tradicionales y especializados impactan incesantemente sobre el SARS-CoV-2 y el Covid-19; e incluye todo el aparato de lineamientos, protocolos y recomendaciones emitidos por la Organización Mundial de la Salud, Ministerios y Secretarías de Salud. Consideraciones finales: Se advierte que existe una frágil dirección de acción por parte de la gestión local, que no demuestra ningún sentido. de articulación de la Atención Primaria de Salud, como la falta de asistencia, o que conlleva las limitaciones del trabajo de los no profesionales.

Palabras clave: Educación en Salud Pública; Profesionales de la salud; Estrategia de Salud de la Familia (ESF); Pandemia de COVID-19.

 

INTRODUÇÃO

A Educação Permanente em Saúde (EPS), se fundamenta num conceito de aprendizado contínuo e voltado para a realidade das instituições de ensino, dos serviços e dos processos de trabalho, em que os atores envolvidos trazem as suas experiências e problemáticas, assim como as reais necessidades de saúde da população, construindo coletivamente os saberes e práticas assistenciais resolutivas(1).

A necessidade da EPS ganhou maior notoriedade no contexto da APS por ocasião da pandemia da Covid-19. O surgimento de um novo coronavírus humano, detectado em dezembro de 2019, na China Central, mas, que logo se disseminou, de forma exponencial pelos demais continentes/territórios, causando uma doença desconhecida, sem perspectiva de tratamento medicamentoso eficaz que fosse capaz de reduzir a alta letalidade dos quadros clínicos graves, acendeu o debate sobre a importância dessa ferramenta para qualificação dos trabalhadores do SUS para atuar nesse novo contexto de emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII)(2,3).

No Brasil, o primeiro caso confirmado da Covid-19 foi notificado no dia 26 de fevereiro de 2020, na cidade de São Paulo, e em pouco menos de um mês (20 de março de 2020) foi confirmada transmissão comunitária no país. Um ano após declaração da pandemia, o Brasil ocupava o terceiro lugar entre os países com maior número de casos e óbitos(4).

No Rio Grande do Norte, o primeiro caso confirmado ocorreu no dia 12 de março de 2020, contudo, o primeiro Boletim Epidemiológico (BE) foi publicado pela Secretaria de Estado de Saúde Pública (SESAP/RN) em 28 de fevereiro de 2020, quando o estado apresentava oito notificações como casos suspeitos(5).

Nesse interim, se discutia sobre o processo decisório em saúde dos governos estadual e municipal para enfrentamento da crise sanitária, posicionamento que foi crucial do ponto de vista da vigilância e da resposta. Salienta-se que o RN se situou como um dos primeiros Estados da região Nordeste a criar um Plano Estadual de Contingência (PEC) com vista à organização da rede assistencial hospitalar e à integralidade das ações de vigilância e resposta, ficando os 167 municípios incumbidos de organizar seus planos a nível local(5).

Todavia, assim como no cenário nacional, percebe-se que houve uma acentuada preocupação voltada à organização da rede de atenção hospitalar de cuidados clínicos e intensivos dos pacientes moderados e graves acometidos pela Covid-19, com foco na ampliação do número de leitos, aquisição de equipamentos e contratação de profissionais de saúde. Contudo, os esforços concentrados nessa atenção podem ter tirado de foco a necessidade de fortalecimento da APS, sobretudo, no que diz respeito as necessárias adequações de trabalho dos profissionais de saúde na ESF(6).

Antes da pandemia da Covid-19, o Brasil contava com cerca de 45 mil equipes da  ESF, atendendo uma população estimada de 90 milhões de pessoas cadastradas nos serviços da APS. Com a situação epidêmica se instalando a nível nacional, as equipes de saúde se viram perante o desafio de responder à emergência, que exigiu dentre outros, a reorganização dos processos de trabalho para, além de garantir o cuidado e a vigilância dos casos, como também a continuidade das ações e serviços prioritárias ofertados pela APS(4,7).

Nesse cenário de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), revelou-se não somente a necessidade de fortalecimento das ações de vigilância epidemiológica de controle da pandemia, mas, também, da importância da educação permanente dos profissionais de saúde. Por se tratar de um vírus novo, causador de uma doença nova, que estar a escrever a sua história natural, os profissionais se viram diante da necessidade de buscar conhecimentos teóricos e práticos para melhor atuar no SUS a nível da atenção primária(8).

Diante o exposto, a pesquisa teve como objetivo de estudo: Investigar o processo de Educação Permanente em Saúde dos profissionais da Estratégia Saúde da Família no município de Pau dos Ferros/RN para atuação na pandemia Covid-19.

 

MÉTODOS

 

Local do estudo

O estudo foi realizado na cidade Pau dos Ferros/Rio Grande do Norte, que segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) conta com uma população de 27.745 habitantes (2010), estimada em 30.802 (2022). O município apresenta área territorial de 259,959 km² com densidade demográfica de 106,73 hab./km². Geograficamente, situasse na região conhecida como Alto Oeste Potiguar distante 394,5 km de Natal, via BR 226 e BR 304(2).

 

Participantes do estudo

O estudo teve como participantes os profissionais atuantes nas equipes da ESF, que foram recrutados nas 12 UBS, especificamente, médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Para fins de seleção, os participantes foram selecionados por critérios de inclusão e exclusão.

 

Critérios de Inclusão:

•          Atuar como médico, enfermeiro e/ou técnico de enfermagem nas equipes da ESF na pandemia Covid19 em Pau dos Ferros/RN.

 

Critérios de Exclusão:

•          Estar em licença de qualquer natureza por ocasião da coleta de dados;

•          Profissional que tenha tempo de atuação na ESF inferior a 120 dias.

 

Ao fim da coleta de dados, que ocorreu no período de 12 de agosto de 2021 a 03 de fevereiro de 2022, foram realizadas 21 entrevistas (n=21), sendo esse o quantitativo final de participantes da pesquisa, sendo 4 médicos, 10 enfermeiros e 7 técnicos de enfermagem.

 

Coleta de dados

A coleta de dados ocorreu mediante a realização de entrevista semiestruturada a fim de se alcançar os objetivos da pesquisa. A entrevista foi realizada individualmente e gravada com o auxílio de um minigravador pela pesquisadora responsável pela obtenção do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).  A coleta seguiu as seguintes fases: 1ª Fase: Agendamento da coleta de dados junto ao participante; 2ª Fase: Explicação aos participantes a respeito dos objetivos, metodologia, riscos e benefícios da pesquisa (Leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE); 3ª Fase: Entrega do TCLE e recolhimento junto à assinatura do participante; 4ª Fase: Gravação da entrevista individual (assinatura do Termo de Autorização de Gravação de Áudio); e 5ª Fase: Transcrição dos dados obtidos e arquivamento em mídia digital.

 

Análise dos dados

Para se compreender e interpretar os dados obtidos nas entrevistas, foi utilizado a técnica de Análise de Conteúdo Temática (ACT) para explorar o conjunto das respostas sobre o objeto da pesquisa articulando com o contexto social atual.

 

Aspectos Éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), conforme Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) n°. 47189221.5.0000.5294.

 

RESULTADOS

A pesquisa contou com a participação de indivíduos atuantes como profissionais da saúde na ESF de Pau dos Ferros/RN (n=21). Considerando os critérios de inclusão e exclusão de seleção para participação no estudo, obtivemos adesão de 58,33% dos profissionais aptos a participarem da pesquisa. Sendo 4 médicos, 10 enfermeiros e 7 técnicos de enfermagem. A Tabela 1 apresenta os dados demográficos.

 

Tabela 1 Perfil Demográfico dos participantes da pesquisa. Pau dos Ferros/RN (2022).

 

Idade

n

(n=21)

%

20|-------- 30

1

4,8

30|-------- 40

9

42,8

40|-------- 50

7

33,3

50|-------- 60

2

9,5

60|-------- 70

-

-

70|--------| 80

2

9,5

Sexo

 

 

Feminino

13

61,9

Masculino

8

38,1

Raça ou Cor

 

 

Branco

19

90,5

Negro

-

-

Pardo

2

9,5

Reside na cidade que atua

 

 

Sim

15

71,5

Não

6

28,5

Situação conjugal

 

 

Casado

11

52,4

Solteiro

9

42,8

Não Declarado

1

4,8

Tem filhos?

 

 

Sim

13

62

Não

8

38

Quantidade de filhos

(n=13)

%

1

6

46,1

2

4

30,8

3

2

15,3

4

1

7,7

n= Número absoluto; %= Frequência Percentual. Fonte: Elaborado pelos Autores. 

 

A média de idade dos participantes foi de 44 anos, com maior frequência observada na  faixa etária entre 30 e 40 anos, traduzida em 42,8% (n=9) das respostas. A maioria dos participantes era do sexo feminino com 61,9% (n=13) e 38,1 (n=8) do sexo masculino. 90,5% (n=19) se autodeclararam brancos; 9,5% (n=2) pardos.

Em relação ao deslocamento ao trabalho, 71,5% (n=15) residem no município em que atuam; 28,5% (n=6) não residem no município que atua. 52,4% (n=11) são casados; 42,8% (n=9) solteiros e 4,8% (n=1) não foi declarado. 62% (n=13) possuem filhos com média de 1,8 filhos por participante; 38% (n=8) não possuem filhos.

Ainda, na fase de coleta de dados que caracterizou os participantes da pesquisa, temos que, em relação ao início da pandemia Covid-19 até o dia da entrevista, 52,3% (n=11) dos participantes testaram positivo para a doença; 47,7% (n=10) nunca testaram positivo. Dentre os que testaram positivo, 100% (n=21) nunca haviam sido internados devido a Covid-19, recebendo cuidados domiciliares (Tabela 2).

 

Tabela 2 – Dados dos participantes da pesquisa em relação a testagem para Covid-19. Pau dos     Ferros/RN (2022).

Testou positivo para Covid-19

n (n=21)

%

Sim

11

52,3

Não

10

47,7

Ficou internado devido a Covid-19

 

 

Sim

-

-

Não

21

100

Fonte: Elaborado pelos Autoresn = Número absoluto; % = Frequência Percentual.

No que diz respeito à função laboral exercida pelos participantes, 19% (n=4) são médicos; 48% (n=10) são enfermeiros e 33% (n=7) são técnicos de enfermagem.

O período em que houve maior admissão desses profissionais foi de 2010 a 2020, representando 33,4% (n=7) dos entrevistados. 95,2% (n=20) trabalham 40 horas semanais, 4,8% (n=1) trabalham 20 horas semanais. 66,6% (n=14) foram contratados via Concurso Público; 23,9% (n=5) Seleção pública e 9,5% (n=2) não foi declarado. 81% (n=17) não possuem outro vinculo trabalhista enquanto 19% (n=4) possuem algum outro tipo de vínculo trabalhista (Tabela 3).

Tabela 3 Dados Profissiográficos dos participantes da pesquisa. Pau dos Ferros/RN (2022)

 

Categoria Profissional

n (n=21)

%

Médico

4

19

Enfermeiro

10

48

Técnico de Enfermagem

7

33

Ano de Admissão

N (n=21)

%

1980|------- 1990

1

4,8

1990|------- 2000

1

4,8

2000|------- 2010

6

28,5

2010|------- 2020

7

33,4

A partir de 2020

6

28,5

Regime de Trabalho

 

 

20 Horas

1

4,8

40 Horas

20

95,2

Outra CH

-

-

Forma de Contratação

 

 

Concurso

14

66,6

Seleção Pública

5

23,9

Contratação de Serviços via CLT

-

-

Não Declarado

2

9,5

Outro

-

-

Possui outro vinculo trabalhista?

 

 

Sim

4

19

Não

17

81

Não Declarado

-

-

. n = Número absoluto; % = Frequência Percentual.

Fonte: Elaborado pelos Autores

 

Sobre os participantes com Nível Superior, eles correspondem a 66, 7% (n=14) do total de entrevistados n=21. O período em que houve maior formação desses profissionais foi entres os anos de 2000 a 2010, correspondendo a 35,8% (n=5) dos entrevistados.

 

Categoria de análises

De posse de todas as respostas resultantes da aplicação da entrevista, procedemos a Análise de Conteúdo Temática, da qual emergiram as categorias temáticas que iremos apresentar e  discutir. Desse modo, chegou-se as categorias, assim intituladas: 1) Caracterização da EPS para enfrentamento da Covid-19 sob a ótica dos profissionais da ESF; e 2) Comportamento profissional perante a prática de EPS na pandemia. Cada categoria será apresentada associando e dialogando com as respostas auferidas pelos participantes com resultados e/ou discussão de outros estudos, conforme se verá adiante.

 

Categoria 1 -Caracterização da EPS para enfrentamento da Covid-19 sob a ótica dos profissionais da ESF.

 

 Esse estudo, se interessou em investigar sobre possíveis iniciativas da gestão local quanto ao oferecimento/assistência aos profissionais de saúde, no que diz respeito a ações de Educação Permanente em Saúde realizadas. As respostas foram pontuais reconhecendo que não houve ações de EPS disponibilizadas pela gestão, conforme se lê nos relatos a seguir:

Não houve um treinamento propriamente dito, houve uma adaptação forçada (risos) pela nova realidade e as mudanças que foram feitas no ambiente de trabalho. (MÉDICO 1).

 

Não houve disponibilidade de oferta de cursos por parte da secretaria municipal, acho que por isso mesmo muitos de nós profissionais se sentiu angustiado, porque não sabíamos como agir. (TÉCNICO DE ENFERMAGEM 2).

 

Não houve. O que tiveram mesmo foram reuniões por meios virtuais em que eles recomendavam algumas coisas, ou repassavam informações que vinham do estado ou do governo federal. No sentido de nos preparar para atuar assim de forma especifica com a realidade da pandemia não teve. (TÉCNICO DE ENFERMAGEM 5).

 

As falas apresentadas influenciaram no questionamento que averiguou junto aos entrevistados sobre a identificação das temáticas trabalhadas em possíveis ações de EPS ou até mesmo de Educação Continuada, bem como se as ações realizadas foram suficientes para suprir as necessidades no âmbito do trabalho de enfrentamento à pandemia. Conforme apontado que não houve a disponibilidade dessas ações, consequentemente, esses questionamentos posteriores não obtiveram respostas por nenhum dos participantes.

Na realidade analisada, todavia, o que se demonstrou foi um esforço voluntário dos profissionais de saúde de ir se ajustando a infodemia que a mídia tradicional e especializada repercutia, incessantemente, sobre o SARS-CoV-2 e a Covid-19; e ainda a todo aparato de diretrizes, protocolos e recomendações emitidos pela OMS, Ministério e Secretárias de Saúde, conforme bem delineado nas falas seguintes:

 

Oferta de treinamento ou algo do tipo não houve. Todo contato era virtual, eles repassavam comunicados, os decretos estaduais e posicionamentos municipais, os documentos do próprio Ministério da Saúde. Então, foi tudo muito assim, cada um por si, procurando se atualizar sobre toda informação nova, procurando entender como aplicar cada informação e as diretrizes recomendadas na nossa realidade. (ENFERMEIRO 4).

Antes nós tínhamos um horário que era destinado à educação permanente, assim de fato pra covid não houve nada direcionado por parte da gestão, nenhum tipo de orientação, cada profissional na medida que sentia necessidade, que todos tinham, eles procuravam suas próprias formas de se manter informado ou se preparar para o trabalho de acordo com os protocolos e recomendações dos órgãos de saúde. (ENFERMEIRO 10).

 

 

Embora o acesso a informações sobre um determinado cenário seja necessário, não pode ser considerada suficiente, sendo preciso preparar os profissionais para aplicá-las, mas sempre considerando as particularidades de sua própria realidade, dentro de seus espaços de atuação e entre os diversos profissionais, bem como propõe a PNEPS.

 

Acho que a gestão achou suficiente repassar as recomendações de segurança, ainda mais que muitos serviços e atendimentos aqui foram suspensos. É como se nós não precisássemos estar também preparados no sentido do aperfeiçoamento na nossa atuação, como se nada tivesse mudado na nossa rotina de trabalho que não precisasse de ações educativas para auxiliar-nos a ajudar-nos a se posicionar melhor nesse cenário da pandemia (ENFERMEIRO 3).

 

A lógica de atuação da gestão local não foi diferente de outras realidades, foram reduzidos alguns serviços, paralisados outros, e o foco realente se concentrou nos pontos de enfrentamento, onde estavam sendo recebidos os casos suspeitos, realizando os exames, que aqui foram no hospital. (MÉDICO 2).

 

Nessa perspectiva, questionou-se também aos entrevistados como eles percebiam a importância da EPS para a sua prática profissional, apontando, principalmente como:

 

Muitos profissionais acabam nem se interessando em se capacitar porque existe a carga horária extensa de trabalho, e os cursos precisam conciliar com as folgas, quando não é online precisa de deslocamento, aí vai dificultando. Especialmente no contexto da pandemia, eu vejo que mesmo importante tinha muitas limitações, tinha a questão do isolamento e distanciamento social, e mesmo por meio virtual tinha a questão emocional, muitos profissionais não tinham “cabeça” para isso. (ENFERMEIRO 6).

 

 Categoria 2 - Comportamento profissional perante a prática de EPS na pandemia.

A maioria dos entrevistados respondeu não ter realizado qualquer curso ou atividade de cunho educativo, não apresentando qualquer justificativa sobre essa não procura. Esse estudo não tem pretensão de emitir juízo de valor sobre condutas e comportamentos, razão pela qual não é possível tentar argumentar sobre possíveis razões, que podem muito bem estar       associadas a questões pessoais. Todavia, em algumas falas tiveram-se alguns posicionamentos:

 

Como a gente praticamente estava largado e não tínhamos apoio no sentido de orientação, o que podíamos fazer era se reunir entre equipes, da forma que dava, tínhamos acesso a relatórios do Ministério da Saúde e secretaria estadual, alguns já vinham com relatos de colegas de outros setores, e entre nós discutíamos aquelas informações, tentando filtrar o que realmente era viável de ser confiável, enfim. Eu ouvia muita reclamação dos colegas em relação a falta de preparo técnico mesmo sabe, tipo, no uso e manejo de alguns equipamentos de segurança, porque de fato muitos deles nós não tínhamos hábito de usar, e como não houve um treinamento ou algo do tipo, o jeito foi recorrer aos vídeos explicativos do YouTube (risos). (ENFERMEIRO 3).

 

Pronto, a gente tinha muita conversa entre nós e o médico da UBS, com a enfermeira, procurávamos sobre o assunto na internet. Porque cada dia mais era uma novidade, e a gente precisa conhecer o máximo possível sobre propagação, prevenção, sobre as reações, para que assim a gente pudesse atuar de forma coerente e sem riscos. Nós tínhamos grupos de WhatsApp, e nele íamos compartilhando os links que poderiam ser uteis, compartilhando dados, recomendações, relatos de pessoas. Aperfeiçoamento propriamente eu não fiz, e pelo que acompanhei muitos também não. (TÉCNICO DE ENFERMAGEM 4).

 

Pelas respostas obtidas na entrevista, percebe-se que de fato, entre os participantes da pesquisa, poucos tiveram acesso a práticas de EPS, pois não tendo a oferta no seu campo de trabalho, alguns alegam não ter sido viável procurar outros meios de capacitação. Além disso, eles relatam uma situação que se estende a outras realidades, na qual o principal meio de informação foi realmente a propagação em massa de notícias e informativos que saiam constantemente na mídia/internet sobre o SARS-CoV-2 e suas repercussões clínicas e epidemiológicas.

 

DISCUSSÃO

Visto que a pandemia da Covid-19 demandou a aquisição de novos conhecimentos e informações, tanto pela população, quanto pelos profissionais de saúde, entende-se que a não verificação de atividades de EPS na realidade de pesquisa, demonstra uma fragilidade da gestão local em realizar suas atribuições. Em contextos nos quais foi possível identificar a presença de ações de EPS, estas se tornaram aliadas para o enfrentamento da crise sanitária, pois a partir delas notou-se mais empoderamento e autonomia das equipes para atuarem frente as demandas da pandemia9. Algo não vivenciado em Pau dos Ferros/RN.

Fontana et al. (2021)(10), vislumbram a não atuação da gestão local no desenvolvimento de práticas de EPS, como um desconhecimento do propósito dessas práticas, ou, em outra perspectiva, não as valoriza como estratégias de fomento a adequação das equipes de saúde perante ao cenário de mudanças exposto pela pandemia.

  A importância da gestão no oferecimento de ações de EPS, partindo da premissa de que a necessidade de manter a equipe preparada contribui para mantê-los em segurança e confortáveis para realizar os procedimentos necessários, principalmente quando se considera a mudança na rotina do serviço de saúde devido a toda reorganização do processo de trabalho que foi sendo implantada na APS durante a pandemia da Covid-19(11).

Além disso faz-se entender que,  apenas validar um instrumento para regularizar condutas, como no caso dos protocolos, sem que venha acompanhada da devida orientação educativa e uma troca mútua de informações e opiniões, torna-se apenas mais uma imposição vinda verticalmente, dentre tantas que existem no campo da educação para o trabalho dos profissionais de saúde(12).

 

Limitações do estudo

Houve dificuldade de adesão por parte dos participantes aptos para o estudo, principalmente, aqueles pertencentes a categoria médica, o que limitou a abrangência do recorte amostral, deixando de abstrair de forma mais ampla a percepção dos profissionais que compõem a equipe de ESF. Além disso, a falta de informação levantadas diretamente junto a responsáveis pela gestão local se mostrou também um fator limitante para os resultados esperados.

Ainda, percebemos uma limitação quanto à própria facilitação dos participantes do estudo em responder abertamente as questões, haja vista que, tivemos situações que o profissional hesitava a proferir respostas, se limitando a expressar falas como: “prefiro não responder” ou “vamos passar essa”. Esse fato, nos fez acreditar em duas vias de justificativas: a que podia ter uma restrição de entendimento sobre o conteúdo da pergunta, ou, simplesmente, a não vontade de discorrer sobre o tema proposto.

 

Contribuições para a prática

Os achados apresentados permitem ampliar essa discussão para outras localidades, recomenda-se para estudos futuros análises mais pontuais sobre as as metas levantadas pelo PEEPS-RN, procurando identificar quais foram as limitações de implantação das estratégias dentro do recorte temporal a qual foi estimada sua implementação. Estudos dessa natureza servem para verificar, comprovando ou não, se de fato existem desigualdades locorregionais que dificultam o planejamento, efetividade e eficácia de políticas públicas de saúde, principalmente no que diz respeito a diferenciação de tratamento que existe entre a oferta dos diferentes níveis de atendimento e prestação de serviços no setor.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nota-se que houve frágil direcionamento de ações, por parte da gestão local, não se mostrou presente apenas no sentido da articulação da APS, com os demais níveis assistenciais, o que acarretou limitação da atuação dos profissionais no enfrentamento da pandemia – que poderia ter sido mais bem aproveitada – mas, também na verificação da ausência de oferta de ações educativas, principalmente, no campo da educação permanente em saúde, que nesse caso, poderiam ter contribuído para direcionar os profissionais para adoção de práticas mais seguras e adequadas no desenvolvimento da assistência, promover a educação e capacitação dos profissionais, ao mesmo tempo, torna-los mais aptos a conduzir os serviços para o enfrentamento da pandemia, do ponto de vista epidemiológico e clínico.

 

REFERÊNCIAS

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2. Brasil. Painel da OMS sobre a Doença do Coronavírus (COVID-19) [Internet]. covid19.who.int [cited 2020 Out 01]. Disponível em: https://covid19.who.int/region/amro/country/br

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Fomento e Agradecimento: A pesquisa não recebeu financiamento.

 

Critérios de autoria (contribuições dos autores)

 

Yara Rayany de Aquino Moreno. Contribuição: Conceituação, Curadoria de dados e Analise formal, Supervisão e Redação do manuscrito Original.

 

Janieiry Lima de Araujo. Contribuição: Conceituação, Supervisão e Redação do manuscrito Original.

 

Andrezza Karine Araújo de Medeiros Pereira. Contribuição: Conceituação, Supervisão e Redação do manuscrito Original.

 

Palmyra Sayonara de Góis. Contribuição: Supervisão e Redação do manuscrito Original.

 

Patrícia Raquel Gurgel Leite Marinho. Contribuição: Supervisão e Redação do manuscrito Original.

 

Maria Valéria Chaves de Lima. Contribuição: Supervisão e Redação do manuscrito Original.

 

Declaração de conflito de interesses

 Nada a declarar.

 

Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447     
Editor Associado: Edirlei Machado dos-Santos. Orcid: 
https://orcid.org/0000-0002-1221-03

 

Rev Enferm Atual In Derme 2024;98(2): e0243362