ARTIGO ORIGINAL
ITINERÁRIO TERAPÊUTICO E DA REDE DE ATENÇÃO À SAÚDE DE GESTANTES DE ALTO RISCO NA AMAZÔNIA
THERAPEUTIC ITINERARY AND HEALTH CARE NETWORK FOR HIGH-RISK PREGNANT WOMEN IN THE AMAZON
ITINERARIO TERAPÉUTICO Y RED DE ATENCIÓN EN SALUD A MUJERES EMBARAZADAS DE ALTO RIESGO EN LA AMAZONÍA
https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.supl.1-art.2414
1Luana Jandira Weber Silva
2Luzilena de Sousa Prudêncio
3Pablo Palmerim Santana
4Valdecyr Herdy Alves
5Tatiana do Socorro dos Santos Calandrini
6Stephanie Vanessa Penafort Martins Cavalcante
7Nely Dayse Santos da Mata
1Universidade Federal do Amapá, Macapá, Brasil. ORCID https://orcid.org/0000-0003-3432-4962
2Universidade Federal do Amapá, Macapá, Brasil. ORCID https://orcid.org/0000-0003-3364-071X
3Universidade Federal do Amapá, Macapá, Brasil. ORCID https://orcid.org/0000-0003-1709-8676
4Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil. ORCID https://orcid.org/0000-0001-8671-5063
5Universidade Federal do Amapá, Macapá, Brasil. ORCID https://orcid.org/0000-0003-2807-2682
6Universidade Federal Fluminense, Niterói, Brasil. ORCID https://orcid.org/0000-0002-5692-3985
7Universidade Federal do Amapá, Macapá, Brasil. ORCID https://orcid.org/0000-0002-0245-8141
Autor correspondente
Nely Dayse Santos da Mata
Rua Renascimento, nº 1761, Bairro Renascer, Macapá, Amapá – Brasil. CEP 68.907-620, contato: +55 (96)98106-0008 E-mail nelydsmata@gmail.com
Submissão: 27-10-2024
Aprovado: 21-05-2025
Objetivo: analisar o Itinerário Terapêutico (IT) e a rede de atenção à saúde sob a ótica de gestantes de alto risco provenientes do interior do estado do Amapá e de áreas ribeirinhas atendidas na maternidade e no ambulatório de referência na capital. Método: estudo descritivo de abordagem qualitativa, norteado pelo checklist Coreq. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com 12 gestantes de alto risco oriundas do interior do estado e ribeirinhas. A análise dos dados foi conduzida com auxílio do software Iramuteq, seguida pela Análise de Conteúdo. Resultados: emergiram duas categorias: 1) itinerários terapêuticos de gestantes ribeirinhas e dos interiores, que descrevem o entendimento e a descoberta da condição de gestante de alto risco, os percursos trilhados a partir da descoberta e o seu acesso aos serviços de saúde; 2) redes de atenção à saúde no estado sob a ótica das participantes, que, por sua vez, evidenciam dificuldades e anseios por mudanças, como disponibilidade de exames e medicamentos, além de humanização e comunicação por parte dos profissionais. Considerações Finais: foi possível conhecer os ITs e perceber que os serviços públicos de saúde de referência do estado ainda são muito incipientes para o atendimento das reais necessidades.
Palavras-chave: Cuidado Pré-Natal; Gravidez de Alto Risco; Itinerário Terapêutico; Saúde da População Rural.
ABSTRACT
Objective: to analyze the Therapeutic Itinerary (TI) and the health care network from the perspective of high-risk pregnant women from the interior of the state of Amapá and from riverside areas treated at the maternity ward and referral clinic in the capital. Method: descriptive study with a qualitative approach, guided by the Coreq checklist. Semi-structured interviews were conducted with 12 high-risk pregnant women from the interior of the state and riverside areas. Data analysis was conducted with the help of the Iramuteq software, followed by Content Analysis. Results: two categories emerged: 1) therapeutic itineraries of pregnant women from riverside areas and interior areas, which describe the understanding and discovery of the condition of high-risk pregnancy, the paths taken from the discovery and their access to health services; 2) health care networks in the state from the perspective of the participants, who, in turn, highlight difficulties and desires for changes, such as availability of tests and medications, in addition to humanization and communication on the part of the professionals. Final Considerations: it was possible to get to know the ITs and realize that the reference public health services in the state are still very incipient to meet the real needs.
Keywords: Prenatal Care; High-Risk Pregnancy; Therapeutic Itinerary; Health of the Rural Population.
RESUMEN
Objetivo: Analizar el Itinerario Terapéutico (IT) y la red de atención médica desde la perspectiva de mujeres embarazadas de alto riesgo del interior del estado de Amapá y de zonas ribereñas, atendidas en la maternidad y la clínica de referencia de la capital. Método: Estudio descriptivo con enfoque cualitativo, guiado por la lista de verificación Coreq. Se realizaron entrevistas semiestructuradas a 12 mujeres embarazadas de alto riesgo del interior del estado y zonas ribereñas. El análisis de datos se realizó con el software Iramuteq, seguido de un análisis de contenido. Resultados: Se identificaron dos categorías: 1) Itinerarios terapéuticos de mujeres embarazadas de zonas ribereñas y del interior, que describen la comprensión y el descubrimiento de la condición de embarazo de alto riesgo, los caminos recorridos a partir de este descubrimiento y su acceso a los servicios de salud; 2) Redes de atención médica en el estado desde la perspectiva de las participantes, quienes, a su vez, destacan dificultades y deseos de cambio, como la disponibilidad de pruebas y medicamentos, además de la humanización y la comunicación por parte de los profesionales. Consideraciones finales: Se pudo conocer las TI y constatar que los servicios de salud pública de referencia en el estado aún son muy incipientes para atender las necesidades reales.
Palabras clave: Atención Prenatal; Embarazo de Alto Riesgo; Itinerario Terapéutico; Salud de la Población Rural.
INTRODUÇÃO
A gravidez compreende um período permeado por alterações, adaptações e riscos associados à formação do concepto, sendo um momento singular para a mulher e a família. Diante disso, o pré-natal mostra-se como importante ferramenta na promoção e proteção da saúde tanto da gestante quanto do feto, desde o início da gestação, possibilitando a prevenção, o rastreamento, a intervenção precoce e o tratamento de riscos e agravos relacionados ao ciclo gravídico e parturitivo, uma vez que estão entre as principais causas de mortalidade materna(1).
Embora o pré-natal seja amplamente difundido no Brasil, sua qualidade ainda não é considerada satisfatória, tendo em vista que o acesso não é adequado nos serviços de saúde em todos os níveis de atenção. Ressalta-se que um pré-natal ofertado com qualidade na gravidez e a assistência estendida durante o parto e puerpério contribuem para a redução da mortalidade materna(2).
Em vista disso, evidenciam-se as mulheres ribeirinhas e do interior do estado com Gestação de Alto Risco (GAR), as quais possuem necessidades e dificuldades diferentes (senão mais complexas) daquelas residentes em zona urbana. As gestantes ribeirinhas enfrentam obstáculos no acompanhamento pré-natal de alto risco, principalmente no que diz respeito aos aspectos de acessibilidade aos serviços de saúde, que podem sofrer interferência de diversos fatores, como: a disponibilidade local dos serviços, os entraves geográficos e regionais, socioeconômicos e culturais(3).
Consideradas entre as “Populações da Floresta”, as comunidades ribeirinhas são compostas de diversos grupos familiares que moram em casas de madeira adaptadas aos sistemas de cheias e vazantes dos rios, comumente as palafitas, uma vez que residem, em sua maioria, às margens dos rios, lagos, igarapés e igapós. Sendo assim, frequentemente, essas comunidades se encontram isoladas ou consideravelmente distantes das capitais, além de possuírem pouco ou restrito acesso à saúde e às mídias de comunicação(3).
Ainda que haja rede e política de saúde que preconizem a assistência adequada tanto ao pré-natal quanto às populações ribeirinhas e do interior, como a Rede Cegonha (RC) e a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PNSIPCFA), suas dificuldades resistem. A RC configura-se como um componente das Redes de Atenção à Saúde (RAS), pois a RC ampliou os investimentos para a melhoria da atenção ao parto e nascimento. Emergiu em 2011 no Sistema Único de Saúde (SUS), para garantir atenção humanizada no pré-natal, parto, puerpério e atenção infantil(4).
No tocante à saúde das Populações do Campo, da Floresta e das Águas (PCFA), o governo federal, com o intuito de melhorar o nível de saúde dessas populações, por meio de ações e iniciativas que objetivassem o acesso aos serviços de saúde, a redução de riscos à saúde e a melhoria dos indicadores de saúde e de qualidade de vida, instituiu pela Portaria n° 2.866, de 2 de dezembro de 2011, a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF)(5).
Para o atendimento das grávidas oriundas de áreas ribeirinhas, há a necessidade de alinhamento das estratégias de serviços de saúde de maneira que se possam assegurar os princípios preconizados pelo SUS, especialmente a integralidade da assistência. Sob essa perspectiva, as RAS terão sucesso se os serviços ofertados responsáveis pela saúde dessa população, juntamente com as políticas de saúde, formarem uma relação dialética.
Nesse contexto, os meios acessados por essas gestantes para tratar e acompanhar sua gravidez de alto risco também poderão diferir das demais, isto é, o seu Itinerário Terapêutico (IT) será traçado a partir de suas particularidades. O IT compreende a trajetória que o indivíduo ou comunidade percorre para solucionar determinados sinais e sintomas de adoecimento até seu desfecho de diagnóstico. Esse trajeto abrange as mais diversas alternativas escolhidas pelo indivíduo, envolvendo seus aspectos simbólicos, sociais e culturais(6).
Além disso, o estudo justifica-se por meio da literatura, a qual revela que, no mundo, 95% dos óbitos maternos poderiam ser evitados, caso a oferta de serviços de saúde pública e privada fosse ampliada, tendo como referência os direitos sexuais e reprodutivos da mulher, garantindo uma atenção à saúde gravídica e puerperal de forma respeitosa(7).
Diante da problemática apresentada, pergunta-se: “Qual é o Itinerário Terapêutico realizado pelas gestantes moradoras em áreas ribeirinhas e do interior do estado com indicativo de pré-natal de alto risco?” Nesse sentido, este estudo objetivou analisar o Itinerário Terapêutico e a rede de atenção à saúde sob a ótica de gestantes de alto risco provenientes de áreas ribeirinhas e do interior do estado do Amapá atendidas na maternidade e no ambulatório de referência na capital.
MÉTODOS
Estudo descritivo de abordagem qualitativa com utilização da técnica de entrevista semiestruturada, conduzida pelo Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (Coreq) (8). A amostra foi composta de 12 gestantes com faixa etária entre 20 e 45 anos e com idade gestacional entre 17 e 38 semanas. Os critérios de inclusão foram: gestante classificada como de alto risco; residente no interior do Amapá ou em áreas ribeirinhas do estado ou dos municípios próximos do estado do Pará (Breves, Afuá e Chaves); maior de 18 anos e alfabetizada; concordância em participar da entrevista e assinar o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Amapá (Unifap/Macapá-AP) segundo o Parecer n. 3621991.
A coleta de dados ocorreu no ano de 2019, nas dependências da maternidade de referência do estado e no ambulatório centro de referência para gestação de alto risco do estado do Amapá. Foi empregada a técnica de entrevista semiestruturada com base em um formulário semiestruturado com perguntas fechadas e abertas, sendo as fechadas relacionadas à caracterização do perfil das gestantes a partir de dados sociodemográficos, econômicos, ginecológicos e obstétricos e as abertas versavam sobre: o entendimento da gestante acerca da GAR, suas condutas diante da descoberta da sua condição como gestante de alto risco, a existência (ou não) de dificuldades para o pré-natal de alto risco e a necessidade (ou não) de mudanças nas RAS existentes no estado voltadas para a condição dessas mulheres.
Durante toda a entrevista, os pesquisadores permitiram o livre discurso e, simultaneamente, o delineamento da conversa, buscando manter a entrevista sintonizada com os objetivos da pesquisa. Na abordagem, foi utilizada inicialmente uma conversa informal com a gestante, a fim de obter respostas verdadeiras e completas, observando a comunicação verbal e a não verbal. Os relatos das entrevistadas foram gravados em aparelho digital e, para determinar o número de participantes, utilizou-se o método de saturação, isto é, quando as respostas começam a se repetir e se tornam comuns, sem a apresentação de nenhum novo elemento referente às perguntas do formulário(9).
No formulário semiestruturado, utilizaram-se quatro questões abertas para nortear as entrevistas: 1) O que você sabe sobre gravidez que precisa de mais cuidados que chamamos de gravidez de alto risco? 2) Comente o que você fez/faz diante da descoberta da sua gravidez de risco; 3) Você teve/tem dificuldades para fazer o acompanhamento do seu pré-natal de alto risco? Comente, por favor; 4) Você acha que precisa mudar algo no sistema de atenção à gestante de alto risco? Comente, por favor.
Para apoiar a análise dos dados desta pesquisa, foi utilizado o software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Iramuteq), que procura obter classes formadas por palavras que são associadas a essas classes. A interpretação dos dados é sustentada pela análise de conteúdo, que deve ter como ponto de partida uma organização, e as diferentes fases da análise de conteúdo organizam-se em torno de três polos: pré-análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação por meio de categorização(10).
Essa análise indicou uma convergência das características empíricas em torno de cinco temas: a) gestação de alto risco: entendimento e descoberta; b) percurso; c) acesso aos serviços de saúde; d) dificuldades; e) anseio por mudanças. E, os temas, abordados em duas categorias: 1) Itinerários Terapêuticos de gestantes ribeirinhas e do interior do estado; e, 2) Redes de Atenção à Saúde no estado sob a ótica das participantes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Houve a predominância de gestantes com idade entre 20 e 25 anos (50%), pardas (91,7%), provenientes do Afuá (25%) e de Ferreira Gomes (25%), com ensino fundamental incompleto (75%), em união estável (83,4%), moradoras de casas de madeira (66,7%), nas quais residem entre seis e dez pessoas (66,7%), cuja principal fonte de renda vem do Programa de Benefício Social Bolsa Família (75%). Os dados de caracterização sociodemográfica e econômica encontrados nesta pesquisa corroboram dados de outros estudos com gestantes de alto risco, em que prevaleceram mulheres jovens com idade entre 18 e 30 anos – faixa etária ideal para reprodução –, pardas, com baixa escolaridade e sem renda fixa(1,11-13).
Correlacionando com os demais dados, como escolaridade e principal fonte de renda, verifica-se que essas mulheres têm maior relação com índices de baixa escolaridade e ausência de trabalho remunerado. Estudos comprovam que a peregrinação entre os serviços de saúde é sofrida mais comumente por mulheres pardas e pretas, seguidas de brancas com baixa escolaridade. Ressalta-se a problemática das desigualdades raciais no contexto da saúde, caracterizando-se como um problema de saúde pública que não se restringe ao Brasil, mas que também atinge diversos países, especialmente no que se refere a diferenças biológicas, disparidades sociais e discriminação étnica(14).
No entanto, os dados desta pesquisa relacionados ao nível de escolaridade das gestantes evidenciam que 75% delas possuem apenas o ensino fundamental incompleto, o que constitui divergência quando confrontado com outras pesquisas com gestantes de alto risco(12). A divergência pode estar relacionada às distintas procedências das participantes nesta pesquisa, são incluídas as gestantes do interior do Amapá e de áreas ribeirinhas, as quais se encontram em contextos com diversas dificuldades, como a precariedade no acesso a políticas públicas, nas áreas de educação e saúde(5).
Em relação à situação conjugal, os dados mostram cerca de 83,4% das participantes em união estável, o que é reforçado em outros estudos, que também evidenciaram a predominância de gestantes com esse mesmo estado civil. Essa característica é ressaltada como um dos fatores de propensão a riscos pois, ao mesmo tempo que a presença de um parceiro pode oferecer suporte emocional e financeiro, por outro, situações de conflito ou violência no relacionamento podem aumentar os níveis de estresse e impactar negativamente o bem-estar da mulher e do bebê(12,15).
Quanto ao perfil ginecológico e obstétrico, percebeu-se a predominância de mulheres com idade gestacional entre 30 e 41 semanas (66,7%), que realizavam pré-natal em sua localidade (91,7%), com histórico de uma a cinco gestações - anteriores e atual (41,7%), assim como os partos, em que 50% delas adotaram o parto via natural (parto normal), realizados em hospital (50%); além disso, a maioria das gestantes não havia realizado planejamento sexual e reprodutivo (58,4%). Tais dados são semelhantes à de outros estudos, como o número de gestações, tanto anteriores quanto atual, em que as gestantes multigestas representavam a maioria(16). Quanto ao tempo atual de gestação (no momento das entrevistas), cerca de 66,7% das gestantes se encontravam entre a 30ª e 36ª semana de gestação.
Também cerca de 66,7% das participantes do estudo encontravam-se, pelo menos, em sua segunda gestação. Nesse contexto, excluindo-se as primigestas, os dados de ocorrência de complicações nas gestações anteriores mantiveram-se equilibrados em 50% tanto para respostas positivas quanto negativas, retratando números importantes diante de uma condição de risco. Nota-se resultados semelhantes em outros achados de mulheres com intercorrências em gravidezes anteriores(12). Esses dados se mostram significativos, uma vez que que alertam para a recorrência da GAR. Com relação às gestações anteriores, 50% das grávidas relataram o parto fisiológico.
No que concerne à realização de Planejamento de Saúde Sexual e Reprodutiva (SSR) anterior, os dados novamente vão ao encontro de dados apresentados por outros autores, pois cerca de 58,4% das gestantes não haviam realizado acompanhamento de SSR previamente, alinhando-se aos resultados de outro estudo(16). Esses dados podem ser comparados ao número de gestações das participantes deste estudo, que vão de 1 a 11 gestações, no entanto, concentram-se entre 4 a 11 gestações (50%), o que pode significar obstáculos como dificuldades no seu acesso e carência de orientação adequada.
Na primeira categoria intitulada “Itinerários Terapêuticos de gestantes ribeirinhas e do interior do estado”, destaca-se os ITs são definidos como as experiências de um indivíduo em busca de solução para seu problema de saúde, isto é, o percurso trilhado por uma pessoa por meio de suas escolhas para produzir cuidados a partir dos mais variados serviços (e práticas) de saúde para conseguir assistência, tratamento e cura de doenças, agravos. Os ITs começam no diagnóstico do problema de saúde, incluindo os primeiros sintomas, intervenções buscadas e adotadas até sua resolubilidade. Dessa forma, os ITs são estudados visando conhecer e entender esses movimentos e recursos acessados por essas pessoas(17,18).
O estudo e delineamento do IT se faz necessário para a assistência pré-natal, em especial a GAR, que requer mais cuidado, bem como o maior número de consultas, seja nas UBS ou em níveis mais complexos do sistema de saúde, além de exames a serem realizados, tratamentos, entre outros. No que tange ao público desta pesquisa, ressalta-se a importância da identificação dos ITs, essencialmente por se tratarem de grupos vulneráveis. Em relação aos ITs traçados pelas participantes deste estudo, os mesmos serão abordados nos seguintes aspectos: o entendimento e a descoberta da condição de GAR, os percursos trilhados a partir da descoberta e o seu acesso aos serviços de saúde.
Foi possível perceber que muitas participantes possuíam noção sobre o significado de GAR, no entanto desconheciam suas causas, assim como houve gestantes que se mostravam confusas acerca do conceito de GAR. Tais situações podem ser evidenciadas nos relatos a seguir:
Eu já tinha ouvido falar, é uma gestação arriscada, né? Estou aqui por infecção urinária, só mesmo essa infecção. Eu não sabia que era grave (G1).
Sobre a gravidez de alto risco, o que eu entendo o nome já está dizendo “alto risco”. Então, está correndo risco a mãe e o bebê, e é caso de médicos especialistas, pelo fato do bebê e a mãe correr sérios riscos, até a perda do bebê (G3).
Para dizer a verdade, eu não tenho noção do que é um risco, mas as dificuldades que a gente encontra pela frente, a gente acha que é um risco, às vezes ainda se torna um risco maior. Acredito que seja risco para os dois, criança e mãe (G10).
Estudos apontam que o entendimento das gestantes em relação à gestação e ao pré-natal, assim como ao seu estado de saúde e às complicações a que estão sujeitas, é pouco investigado, o que é preocupante, uma vez que se podem perceber fragilidades no conhecimento de gestantes de alto risco em relação às suas próprias condições. Os dados são corroborados com outro estudo no qual as participantes apresentaram dificuldades para traduzir o problema, suas implicações e alternativas de resolução, o que revela falhas nas orientações transmitidas durante o pré-natal(19,20).
Nesse sentido, os autores ressaltam a necessidade de intensificação da educação em saúde entre as gestantes, a fim de proporcionar melhor assimilação e troca de conhecimentos adequados acerca de gestação, pré-natal e suas condições de saúde, contribuindo para a promoção do autocuidado, participação ativa em todo o ciclo gravídico-puerperal, prevenção de agravos, além de possibilitar a propagação desses conhecimentos(21).
Quanto à descoberta da condição de GAR pelas participantes, foi possível identificar que diversas gestantes já imaginavam a sua condição com base em experiências próximas (delas próprias ou não) e outras descobriram devido aos sintomas apresentados. Além disso, relataram sentimentos relacionados à sua condição, como medo, preocupação e desespero. Quanto à descoberta, podem-se observar os seguintes relatos:
Na verdade, eu imaginava que era de alto risco pelo fato de eu ter visto a minha irmã que tinha engravidado, ela é diabética e foi para o alto risco, e eu imaginei que a minha também fosse de alto risco. Eu já sabia que eu tinha diabetes, eu descobri com 9 anos de idade, só que eu não tinha um controle correto. Então eu só me preocupei no começo, mas, no fundo, já aceitava, sabia que era de alto risco. Então não foi um susto para mim (G3).
Eu tive um problema de inchaço, aí passei com três médicos, eles me deram remédio, mas não resolveu, então, me disseram para eu vir para Macapá, pois seria melhor. Eu cheguei e estou sendo tratada (G7).
Já em relação aos pensamentos e sentimentos diante da descoberta da condição de GAR, estes são evidenciados nos relatos a seguir:
Quando eu descobri a gravidez de alto risco, eu senti medo, principalmente porque não faz bem nem pra mim nem para o bebê. Aí eles [profissionais] não sabem se vão tirar o meu bebê antes do tempo ou não, então eu estou com medo (G6).
Só me dava vontade de chorar, porque eu sabia que ia ser difícil, logo bate a preocupação porque eu tenho o meu bebê de 1 ano e 10 meses e eu fico logo preocupada com ela (G9).
Até de manhã, eu não estava sentindo nada, agora que eu já tenho certeza que vou ficar mais dias aqui na capital, já está batendo o desespero, porque a gente não sabe o que vai acontecer daqui para frente. Eu estou preocupada, porque eu estou fazendo o quê aqui?! Porque, de vez em quando, eu estou com cólica, estou com pouco líquido e eles não querem tirar o bebê, não querem fazer nada, e também não me falam, aí eu fico aqui sem saber se o meu filho está bem ou não (G10).
Os relatos evidenciam sentimentos como medo, desespero e preocupação, corroborando resultados de outros estudos, nos quais também as participantes revelaram sentimentos de medo, ansiedade, insegurança, choque, surpresa e preocupação diante do imponderável e por saber que estão gerando um filho em uma situação de maior risco. Ademais, esses sentimentos também são associados à súbita necessidade de reorganização das vidas dessas mulheres, privação de recursos em função de carência financeira, desinformação, além do sentimento de vulnerabilidade quanto às complicações durante o parto, morte e morte de seu filho(20).
Diante disso, constata-se a necessidade de orientação detalhada e clara para as gestantes frente a suas dúvidas, preocupações e condição de saúde, o que colabora para a dissipação do medo e da angústia, uma vez que tendem a se sentir mais seguras por não permanecerem na dúvida e incerteza de sua saúde e de seu filho diante de uma situação de risco(22).
A maioria das gestantes chegou a Macapá por meio de embarcações ou carros pagos com recursos próprios, outras conduzidas em ambulância, e que muitas delas o fizeram sozinhas, sem nenhum tipo de acompanhamento. Algumas relataram ter feito algum tratamento prévio antes de se dirigirem a Macapá. No que se refere aos percursos traçados pelas gestantes, foram identificados três ITs principais: 1) a percepção de sintomas seguida de procura por assistência no hospital mais próximo e encaminhamento à maternidade de referência; 2) o acompanhamento de pré-natal na UBS, descoberta da GAR e encaminhamento para o ambulatório de referência para gestação de alto risco; 3) o acompanhamento de pré-natal na UBS, encaminhamento ao ambulatório de referência, seguido de encaminhamento à maternidade.
Foi possível perceber também seus esforços para chegarem à capital do estado a fim de dar continuidade ao acompanhamento de pré-natal, seja no ambulatório de referência, seja na maternidade, pois, em seus relatos, revelam questões como: empréstimo de dinheiro para pagar passagem de barco, ônibus ou carro até a capital e hospedagem na residência de amigos e familiares moradores de Macapá, como se pode observar nos relatos a seguir:
No município de Mazagão, onde eu estou fazendo meu pré-natal, não me aceitaram porque sou diabética, então, continuei tomando meu medicamento do diabetes e o ácido fólico. Depois me encaminharam para os Capuchinhos (Ambulatório de referência para GAR). Lá eu iniciei o pré-natal de alto risco, mas minha diabetes estava muito descompensada, em seguida, fui encaminhada à maternidade. Eu tenho parentes que moram aqui (Macapá), quando eu tenho alguma consulta marcada, eu já venho um dia antes e durmo na casa deles, e, no outro dia, venho para a consulta, porque é dificultoso vir (G3).
Os profissionais do município de Afuá me falaram que não podiam cuidar de mim lá, então me deram o encaminhamento para vir direto para a maternidade (Macapá). Durante a viagem de barco, eu vomitei muito, eu tive tremores, minha visão e meu estômago ficaram muito ruins. Fiquei muito estressada e esquecida, me faziam perguntas e eu não sabia responder, eu não reconhecia as pessoas, falavam comigo e eu apenas olhava na direção, porque estava enxergando pouco. Eu não tive acompanhamento nenhum, vim sozinha no meio de gente estranha, mas eu vim. Eu estava passando mal e fui pra UTI (G7).
Os Modelos Explicativos, propostos por Arthur Kleinman em 1978, visam entender os ITs e dividem o Sistema de Cuidado à Saúde em três subsistemas: familiar, popular (folk) e profissional. Esses subsistemas não são excludentes, mas sobrepostos. O familiar envolve automedicação e conselhos de familiares e amigos; o popular diz respeito a práticas e especialistas não reconhecidos, como rezadeiras e curandeiras; e o profissional refere-se à medicina ocidental e aos serviços de saúde formalizados(6,18).
Nesse contexto, observou-se que o subsistema profissional foi predominante em seus ITS, contrariando o que era esperado, visto que se trata de mulheres pertencentes a grupos de populações tradicionais, que comumente se encontram muito ligados aos seus costumes culturais e ancestrais.
Quanto aos esforços para chegar à capital e, consequentemente, aos serviços de saúde, vale ressaltar um dos componentes da RC: o Sistema Logístico, Transporte Sanitário e Regulação, que diz respeito à garantia de vinculação da gestante à unidade de referência e ao transporte seguro, o que, por meio dos relatos obtidos, encontra-se parcialmente funcionante, visto que não inclui a totalidade das participantes no seu acompanhamento de pré-natal(23).
Diante disso, destaca-se esse componente da RC, pois esta constitui uma RAS, que, assim como as demais RAS, deve estar associada a ações e políticas de saúde, a fim de possibilitar o acesso de qualidade aos serviços de saúde dos mais variados grupos populacionais, e, neste caso, das mulheres provenientes do interior do estado e de áreas ribeirinhas. À vista disso, ressalta-se a PNSIPCFA, que, entre seus objetivos, propõe a: garantia do acesso aos serviços de saúde com resolubilidade, qualidade e humanização, incluindo todos os níveis de complexidade de atenção à saúde. Dessa forma, pode-se inferir que a implementação da PNSIPCFA, associada à RC, possibilitaria melhorias na acessibilidade do pré-natal por parte dessas populações, uma vez que levaria em consideração suas particularidades e vulnerabilidades(5).
Quanto ao acesso aos serviços de saúde pública, foi evidenciada, por meio dos relatos, a dificuldade de acesso, podendo ser identificado nos relatos o fenômeno de peregrinação das gestantes pelos serviços, em especial no que se refere ao ambulatório centro de referência para gestação de alto risco do estado. As principais dificuldades de acesso relatadas foram relacionadas à marcação e à remarcação de consultas. Como pode ser observado na fala a seguir:
Eu iniciei o meu pré-natal no município de Mazagão, recebi dois encaminhamentos do clínico geral, pois o obstetra estava de férias, porém o ambulatório de alto risco na capital exigia laudo de um médico especialista em obstetrícia. Assim, só fui atendida a partir do terceiro encaminhamento quando ele (ginecologista) retornou do recesso. Marquei a primeira consulta, mas não fui atendida porque os médicos estavam em uma capacitação, aí me marcaram para outro dia. Na primeira consulta no ambulatório, fui encaminhada para a maternidade porque os exames estavam muito alterados (G3).
A partir dos relatos, pode-se perceber, claramente, a dificuldade de acesso das gestantes aos serviços de saúde de maior complexidade, como o ambulatório para gestação de alto risco, fenômeno conhecido como peregrinação, que constitui um grave problema de saúde pública e está diretamente relacionado aos empecilhos para a qualidade da assistência obstétrica, a redução dos níveis de mortalidade materna e indicadores de saúde da mulher no Brasil(24).
A peregrinação, associada ao processo reprodutivo nos serviços de saúde pública, é considerada violência obstétrica, uma vez que está relacionada à anulação de direitos, devido à precariedade dos serviços oferecidos, ocasionando uma longa jornada em busca de atendimento às gestantes. Ademais, para assegurar a acessibilidade aos serviços de saúde, é necessário que estes permitam que seus recursos sejam facilmente acessados pelo usuário, uma vez que a acessibilidade está diretamente relacionada aos princípios de Integralidade e Equidade, que regem as diretrizes do SUS. Este deve garantir serviços acessíveis e resolutivos à população, levando em consideração suas singularidades(25,26).
Na segunda categoria intitulada “Redes de Atenção à Saúde no estado sob a ótica das participantes”, evidencia-se que a perspectiva dos participantes acerca das RAS está alicerçada em dificuldades e anseio por mudanças. Observou-se o predomínio de fragilidades nos aspectos socioeconômicos, verificadas com a da preocupação com a realização de exames, os quais não estão sendo realizados integralmente nos serviços públicos de saúde do estado, assim como a disponibilidade de medicamentos, materiais para a realização de testes simples, embora indispensáveis, como glicemia capilar, além da dificuldade em relação ao pagamento de transporte para sua chegada aos serviços de saúde.
Além disso, foram evidenciadas outras fragilidades, como: quantitativo insuficiente de profissionais para acompanhamento de pré-natal na localidade de origem, distância dos serviços de saúde, embarcação inadequada para o trajeto, peregrinação nos serviços de saúde, entrada de acompanhantes homens nos serviços de saúde, assim como falta de condições adequadas para a permanência de acompanhantes e superlotação das enfermarias, gerando a preocupação de esperança por leito.
Lá (Perimetral Norte/AP) eu não tive dificuldades, conseguia fazer as consultas, mas, desde o começo, todos os meus exames foram pagos. Em Macapá, eu tive dificuldade, porque dia primeiro do mês eu tinha uma consulta, só que eu não vim porque eu não tinha dinheiro, agora só no mês que vem. E chega aqui e não resolve nada, aí tem que voltar, aí a gente vem só para gastar dinheiro (G8).
Se me pedirem exame, eu não tenho como fazer. O dinheiro que eu trouxe para Macapá foi apenas R$50,00, e não adianta pedir dinheiro aos meus parentes porque eles teriam que trazer em mãos, pois eu não tenho conta bancária, e eles teriam que pagar transporte para vir (G10).
Os dados obtidos acerca das principais adversidades das participantes corroboram outros estudos que ressaltam a dificuldade das ribeirinhas no que diz respeito ao acesso aos serviços de saúde, devido a barreiras geográficas, que levam a uma realidade desigual e excludente a essas mulheres, uma vez que a democratização do acesso à saúde é falha. Nesse contexto, a fim de reduzir tais iniquidades e melhorar a qualidade de vida dessas populações, foram criadas pelo Ministério da Saúde ações de promoção da equidade em saúde, como as equipes de Estratégia de Saúde da Família ribeirinha e as UBS Fluviais. No entanto, os relatos apontam que essas ações não funcionam de maneira satisfatória:
Ah, já foi pra lá no interior uma dessas (UBS Fluvial), de ano em ano que vai lá, esse ano já foi lá mas agora só pro outro ano que vai. Lá eles dão remédio, faz esses negócios de exames tudo mas só de ano em ano (G6).
Além das dificuldades geográficas, outras adversidades relatadas pelas gestantes também foram observadas em outros estudos, como indisponibilidade de medicamentos, insatisfação com o acompanhamento pré-natal, instalações inadequadas e péssimo atendimento. Vale ressaltar que todas essas implicações repercutem, direta ou indiretamente, na saúde tanto da gestante quanto do feto. As dificuldades socioeconômicas se destacam nos relatos, corroborando resultados de outros estudos em que as gestantes também possuíram obstáculos na realização de exames, no entanto, as dificuldades estavam relacionadas principalmente a demora nos resultados, desinformação e escassez de um serviço de qualidade(27,28).
O problema torna-se ainda mais grave quando se percebe que o mesmo foi relatado pela maioria das gestantes, e, quando confrontado com o perfil socioeconômico das mesmas, em que cerca de 75% delas possui como fonte de renda principal o Bolsa Família, um programa de benefício social do governo federal destinado a pessoas com maior vulnerabilidade socioeconômica. Assim, é possível imaginar a dimensão do problema para essas gestantes ao se depararem, dentro dos serviços públicos de saúde, com a responsabilidade de custos que não lhes cabem, uma vez que deveriam ser, de fato, oferecidos pela rede pública de saúde.
Estudos evidenciam que a não realização de exames como a ultrassonografia durante a gestação não significa omissão nem diminui a qualidade do pré-natal. No entanto, a partir do momento que o profissional solicita o exame, a rede de saúde deve ser capaz de realizar o serviço para a gestante, caso contrário se comprova que o município descumpre o que é preconizado pelo SUS. Além disso, destaca-se o proposto na RC acerca do acesso à realização de exames durante o pré-natal (de risco habitual e de alto risco), assim como o acesso aos seus resultados, em tempo oportuno(29).
Diante disso, percebe-se o desrespeito aos princípios de Equidade e Integralidade, pois é notável a indisponibilidade de recursos nos serviços de saúde, o que ressalta a necessidade de mudança no acompanhamento do pré-natal, a fim de promover dignidade, saúde, bem-estar, conforto e segurança da gestante, reduzindo taxas de mortalidade materna e perinatal(28).
Todas as gestantes relataram a necessidade de mudanças, no entanto algumas não sabiam explicar seus contextos. Por outro lado, muitas delas apontaram essa necessidade em diversos aspectos, especialmente quanto à humanização e à comunicação dentro dos serviços de saúde, além da ausência de oferta dos exames, obrigando-as a pagar pelo serviço na rede privada. Além disso, relataram o desejo de prioridade na marcação de consultas para gestantes que vêm do interior do estado e de áreas ribeirinhas, além de embarcação própria para trazê-las em segurança à capital para o acompanhamento de pré-natal, e condições adequadas para a permanência dos acompanhantes nos serviços de saúde. Isso pode ser observado nos relatos a seguir:
Olha... tem que mudar várias coisas, porque a gente está na maternidade porque a necessidade nos obriga, porém, as pessoas que trabalham aqui são muito ignorantes. Às vezes, quando a gente vai fazer uma pergunta, eles não respondem, e, quando respondem, é de atravessado (ríspido), e, quando fazem determinados exames na enfermaria, nos deixam constrangidas (exposição) (G3).
Tem que mudar o atendimento deles (profissionais) com a gente e o acesso aos exames. Porque a gente vem do nosso município com uma esperança, porque o médico disse que aqui na maternidade faziam todos os exames, porém eu chego aqui e tenho que pagar para fazer (particular)! Daí o que que adianta vim de lá pra cá? Sobre o atendimento eles já deveriam ter vindo aqui explicar a minha situação, mas ninguém explica nada (G10).
Os relatos tornam visível a dimensão que tomam para as participantes as falhas de humanização e comunicação por parte dos profissionais para com as gestantes, elementos tão passíveis de solução e que, no entanto, visivelmente lhes causam estresse.
É fato que, para os profissionais de saúde, as principais preocupações estão ligadas ao risco de vida, sendo comum que os aspectos biopsicossociais fiquem em caráter secundário. No entanto, é preciso que haja a preocupação com a complexidade dos fatores que perturbam o bem-estar geral da gestante, pois a banalização da necessidade de informações reforça ainda mais suas inseguranças. Nesse sentido, estudos apontam que condutas humanizadas dos profissionais de saúde, como oportunizar a exposição e o esclarecimento de dúvidas e anseios e fornecer orientações detalhadas a respeito de diagnóstico e intervenções terapêuticas, são capazes de amenizar os sentimentos de medo, ansiedade e desespero, gerar maior segurança e auxiliar no processo de enfrentamento de sua condição de risco(20, 25).
A abordagem humanizada deve estar presente em todos os momentos, especialmente no diagnóstico ou na descoberta da GAR pela gestante, pois vai influenciar na maneira com a qual ela irá lidar com a situação dali em diante, pois compreende um importante quesito para a adesão da gestante ao serviço de saúde e a sua permanência, tornando os resultados mais duradouros e significativos(30). Diante disso, a existência de uma rede integrada de assistência à saúde a essas mulheres de maneira que sejam vistas como seres humanos complexos e com diversos aspectos a serem levados em conta é essencial para que a gestante tenha a possibilidade, não apenas de diagnóstico, mas também de acompanhamento de pré-natal digno e com qualidade. Os profissionais envolvidos no acompanhamento de pré-natal, especialmente de gestação de alto risco, precisam aproximar-se das gestantes e suas realidades de modo que possam auxiliá-las no enfrentamento dessa nova situação, uma vez que esta lhes traz implicações tanto pessoais quanto familiares(20).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio deste estudo foi possível identificar os ITs de gestantes ribeirinhas e do interior do estado para atendimento ao pré-natal de alto risco, os quais se caracterizaram predominantemente através do subsistema profissional dos Modelos Explicativos de Arthur Kleinman, visto que sua primeira escolha, assim como a continuidade de seus trajetos, dá-se por meio dos serviços públicos de saúde, ainda que estes não consigam suprir por completo as suas reais necessidades.
A partir da ótica das participantes, conclui-se que as políticas e RAS voltadas ao pré-natal de alto risco e às PCFA mostram-se falhas ao não atenderem suas singularidades, necessidades e anseios mais básicos, como a disponibilidade de medicamentos e realização integral dos exames solicitados dentro dos próprios serviços públicos de saúde. Ou, ainda, a realização da assistência pautada na humanização e comunicação para com as gestantes que se sentem angustiadas, preocupadas e com medo diante da situação de uma GAR.
Portanto, é evidente a necessidade de adequação das políticas de saúde e da RC no estado do Amapá para o pré-natal de alto risco dessas mulheres, assim como da articulação entre a RC, como uma RAS, a políticas de saúde específicas e de promoção da equidade e integralidade em saúde, como a PNSIPCFA, uma vez que esta busca, dentro das particularidades das PCFA, as soluções para seus problemas relacionados à saúde. Além disso, salienta-se que é fundamental a sensibilização dos profissionais dos serviços públicos de saúde acerca do cuidado humanizado aos clientes, especialmente àqueles que se encontram em situações mais complicadas e estressantes, como no caso da GAR, a fim de oferecer cuidado de qualidade, valorizando essas gestantes em todos os seus aspectos.
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Fomento e Agradecimento:
Não se aplica
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
Luana Jandira Weber Silva: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Luzilena de Sousa Prudêncio: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Pablo Palmerim Santana: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Valdecyr Herdy Alves: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Tatiana do Socorro dos Santos Calandrini: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Stephanie Vanessa Penafort Martins Cavalcante: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Nely Dayse Santos da Mata: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar.
Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447