ARTIGO ORIGINAL
QUALIDADE DE VIDA DE PACIENTES COM ÚLCERA VENOSA EM UM AMBULATÓRIO VASCULAR
QUALITY OF LIFE OF PATIENTS WITH VENOUS ULCERS IN A VASCULAR OUTPATIENT CLINIC
CALIDAD DE VIDA DE LOS PACIENTES CON ÚLCERAS VENOSAS EN UN AMBULATORIO VASCULAR
https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.2-art.2511
1Ana Helia de Lima Sardinha
2Ana Beatriz Torres da Silva
3Méllany Pinheiro Cacau
4Sara Maria Ferreira de Sousa
1Universidade Federal do Maranhão, São Luís, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8720-6348
2Universidade Federal do Maranhão, São Luís, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0006-3494-612X
3Universidade Federal do Maranhão, São Luís, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7734-9759
4Faculdade Integral Diferencial, FACID, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4183-3861
Autor correspondente
Ana Beatriz Torres da Silva
Av. dos Portugueses, 1966 - Vila Bacanga, São Luís - MA, Brasil. CEP: 65080-805, fone: +55(98) 98741-0297, E-mail: ana.bts@discente.ufma.br.
Submissão: 10-01-2025
Aprovado: 29-01-2025
RESUMO
Objetivo: Avaliar a qualidade de vida de pacientes com úlcera venosa atendidos em um ambulatório vascular. Métodos: Trata-se de um estudo transversal com abordagem quantitativa, realizado no Centro de Referência de Exames de Média e Alta Complexidade em São Luís/MA. O instrumento utilizado foi composto por dois questionários: o primeiro contendo questões fechadas a respeito das condições socioeconômicas e clínicas do paciente e o segundo o Short-Form Health Survey-36 para avaliação da qualidade de vida. Foram realizadas análises descritivas e inferenciais. Para cálculo e determinação amostral utilizou-se a amostragem não probabilística, considerando um erro amostral de 5% e nível de confiança de 95%. Resultados: Pacientes com úlceras venosas podem apresentar aspectos da qualidade de vida comprometidos. Verificou-se que os domínios mais afetados foram a capacidade funcional, limitações por aspectos físicos e aspectos emocionais. Conclusão: A presença de úlceras venosas pode repercutir nos sentimentos dos pacientes e afetar de forma significativa a realização de suas atividades de vida diária, laborais e sociais, comprometendo a sua qualidade de vida. Isso nos leva a refletir sobre a importância da adoção de cuidados baseados não só com os aspectos orgânicos do paciente, mas também com seu bem-estar.
Palavras-chave: Úlcera Venosa; Qualidade de Vida; Ambulatório.
ABSTRACT
Objective: To evaluate the quality of life of patients with venous ulcers treated at a vascular outpatient clinic. Method: This is a cross-sectional study with a quantitative approach, carried out at the Reference Center for Medium and High Complexity Examinations in São Luís/MA. The instrument used consisted of two questionnaires: the first containing closed questions regarding the patient's socioeconomic and clinical conditions and the second the Short-Form Health Survey-36 to assess quality of life. Descriptive and inferential analyzes were carried out. For sample calculation and determination, non-probability sampling was used, considering a sampling error of 5% and a confidence level of 95%. Results: Patients with venous ulcers may have compromised aspects of their quality of life. It was found that the most affected domains were functional capacity, limitations due to physical aspects and emotional aspects. Conclusion: The presence of venous ulcers can have an impact on patients' feelings and significantly affect the performance of their daily life, work and social activities, compromising their quality of life. This leads us to reflect on the importance of adopting care based not only on the patient's organic aspects, but also on their well-being.
Keywords: Venous Ulcer; Quality of Life; Outpatient.
RESUMEN
Objetivo: Evaluar la calidad de vida de pacientes con úlceras venosas atendidos en el ambulatorio vascular. Método: Se trata de un estudio transversal con abordaje cuantitativo, realizado en el Centro de Referencia para Exámenes de Media y Alta Complejidad de São Luís/MA. El instrumento utilizado estuvo constituido por dos cuestionarios: el primero con preguntas cerradas sobre las condiciones socioeconómicas y clínicas del paciente y el segundo la Encuesta Breve de Salud-36 para evaluar la calidad de vida. Se realizaron análisis descriptivos e inferenciales. Para el cálculo y determinación de la muestra se utilizó un muestreo no probabilístico, considerando un error de muestreo del 5% y un nivel de confianza del 95%. Resultados: Los pacientes con úlceras venosas pueden tener aspectos comprometidos de su calidad de vida. Se encontró que los dominios más afectados fueron la capacidad funcional, las limitaciones por aspectos físicos y los aspectos emocionales. Conclusión: La presencia de úlceras venosas puede impactar en los sentimientos de los pacientes y afectar significativamente el desempeño de su vida diaria, laboral y social, comprometiendo su calidad de vida. Esto nos lleva a reflexionar sobre la importancia de adoptar un cuidado basado no sólo en los aspectos orgánicos del paciente, sino también en su bienestar.
Palabras clave: Úlcera Venosa; Calidad de Vida; Paciente Externo.
INTRODUÇÃO
A Úlcera Venosa (UV) de membros inferiores representa 70 a 90% dos casos das úlceras crônicas e ocorre devido a Insuficiência Venosa Crônica (IVC) e por traumas no terço inferior das pernas, principalmente nas regiões maleolares medial e lateral.(1) Apesar da escassez de dados epidemiológicos sobre as UV no Brasil, estima-se que 3 % da população brasileira seja acometida por estas lesões.(2)
Trata-se de um problema de saúde pública, em especial, devido ao aumento de sua incidência, à cronicidade, aos altos custos terapêuticos e de acompanhamento clínico, à complexidade do cuidado e ao seu alto índice de recidiva.(3)
O quadro clínico das úlceras venosas ocasiona, na população acometida, dificuldades relacionadas às atividades cotidianas devido a dores, depressão, perda da autoestima, isolamento social, inabilidade laboral, hospitalizações ou visitas clínicas ambulatoriais.(4) Destaca-se que as UV estão associadas a desconforto físico e a distúrbios emocionais que resultam em uma diminuição na qualidade de vida percebida.(5)
O conceito de qualidade de vida (QV) tem sido foco de diversos estudos nos últimos tempos, e vem recebendo definições diferentes a depender da época e do contexto em que tem sido utilizado. A conceituação mais aceita atualmente de QV é a percepção que o indivíduo tem de sua posição na vida, do contexto e cultura nos quais vive, com relação a seus objetivos, expectativas e preocupações.(6)
A avaliação da QV é considerada uma medida importante para estimar o resultado do bem-estar do paciente, além de identificar deficiências específicas do mesmo ao longo da evolução de sua doença. Sabe-se que na prática atual, devido às restrições de tempo durante as consultas, a avaliação da QV parece difícil de ser executada, e os médicos frequentemente a inferem como parte do processo de tomada de decisão, sem perguntar diretamente aos pacientes.(7)
O presente estudo se justifica pela sua relevância frente a necessidade de conhecer a qualidade de vida dos pacientes com úlcera venosa, sendo este, um assunto de grande destaque uma vez que a UV pode afetar aspectos funcionais, físicos e psicológicos dos pacientes acometidos.
O presente estudo tem como objetivo avaliar a qualidade de vida de pacientes com úlcera venosa atendidos em um ambulatório vascular.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal com abordagem quantitativa, realizado no ambulatório vascular, do Centro de Referência de Exames de Média e Alta Complexidade em São Luís/MA. A unidade é gerida pela Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares – EMSERH.(8)
A população do estudo foi composta pelos pacientes diagnosticados com úlcera venosa, atendidos no setor de curativos do ambulatório vascular.
Para cálculo e determinação amostral utilizou-se a amostragem não probabilística, considerando um erro amostral de 5% e nível de confiança de 95%, tendo como resultado um tamanho amostral de 77 pacientes. No entanto, prevendo as possíveis perdas no período de análise, optou-se por aumentar a amostra em 10%, totalizando 84 pacientes para o tamanho da amostra.
Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, que apresentavam úlceras venosas, acompanhados pelo setor de curativos. Como critérios de exclusão adotou-se: pacientes com dificuldade de se comunicar com a pesquisadora e pacientes que apresentavam outros tipos de lesões vasculares.
A coleta de dados foi realizada no período de janeiro a agosto de 2022. Utilizou-se como instrumento um questionário contendo questões fechadas a respeito das condições socioeconômicas e clínicas dos pacientes e o questionário Short-Form Health Survey (SF-36) para avaliação da qualidade de vida.
O primeiro questionário foi composto pelas seguintes variáveis: idade, sexo, raça/etnia, escolaridade, situação profissional, renda familiar mensal, composição familiar, comorbidades, localização da lesão, número de lesões, lesões recidivas, se possui novas lesões e tempo de acompanhamento.
O segundo questionário, o SF-36, é um instrumento de qualidade de vida multidimensional, constituído de 36 perguntas e 8 domínios. Foi criado em 1992 por Ware e Sherbourne e validado no Brasil por Ciconelli e colaboradores.(9)
Os itens englobados nos oito domínios são: capacidade funcional (10 itens), aspectos físicos (quatro itens), dor (dois itens), estado geral de saúde (cinco itens), vitalidade (quatro itens), aspectos sociais (dois itens), aspectos emocionais (três itens) e saúde mental (cinco itens). Esse questionário avalia tanto os aspectos negativos da saúde (doença ou enfermidade), como os aspectos positivos (bem-estar).(9)
Os dados coletados foram armazenados em um banco de dados específico criado no programa Microsoft Excel versão 2016. Após a verificação de erros e inconsistências, a análise estatística dos dados foi realizada no programa IBM SPSS 24 (IBM SPSS Statistics, 2016). Inicialmente, realizou-se análises descritivas por meio de frequências relativas e absolutas das características socioeconômicas e clínicas. Calculou-se também, médias e desvio padrão para os domínios de qualidade de vida do SF-36.
A presente pesquisa faz parte de um projeto maior intitulado “COMPLEXIDADE ASSISTENCIAL EM SAÚDE NO AMBIENTE HOSPITALAR E AMBULATORIAL”, atendeu aos princípios éticos e foi aprovada no Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Hospital Universitário Unidade Presidente Dutra-HUUPD, através do número de do Parecer:6.793.768.
RESULTADOS
A amostra apresentou predominantemente pacientes do sexo feminino (57,1%), com idade > 60 anos (54,8), cor/raça preta (56%), com estado civil solteiro/viúvo/divorciado (66,7%), com 1° grau incompleto (35,69%), com renda familiar menor ou igual a 1 salário mínimo (85,7%), aposentados (44%), com composição familiar preponderantemente morando com os filhos (38,1%) (Tabela 1).
Tabela 1 - Características socioeconômicas dos pacientes com úlcera venosa (n=84)
Variáveis |
|
|
n % |
Sexo |
Feminino Masculino |
|
48 57,1 36 42,9 |
Idade
|
31 a 40 anos 41 a 50 anos 51 a 60 anos > 60 anos |
|
4 4,7 19 22,6 15 17,9 46 54,8 |
Cor/Raça |
Preta Parda Branca |
|
47 56 24 28,6 13 15,4 |
Estado Civil
|
Solteiro/Viúvo/Divorciado Casado |
|
56 66,7 28 33,3 |
Grau de Instrução
|
Analfabeto 1° Grau Completo 1º Grau Incompleto 2° Grau Completo 2º Grau Incompleto 3° Grau Completo 3º Grau Incompleto |
|
8 9,5 9 10,71 30 35,69 27 32,14 7 8,36 1 1,19 2 2,41 |
Situação Profissional
|
Aposentado Pensionista Desempregado Empregado |
|
37 44 19 22,7 20 23,8 8 9,5 |
Renda Familiar
|
Menor ou igual a 1 SM Entre 1 SM e 1 SM meio ≥ 2 SM |
|
72 85,7 7 8,3 5 6 |
Composição Familiar
|
Mora só Mora com cônjuge Mora o Cônjuge e filhos Mora com os Filhos Mora com os pais |
|
21 25 9 10,7 21 25 32 38,1 1 1,2 |
Quanto as características clínicas, houve maior prevalência de Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) e Associações (25%), número de lesões igual a 1 (69%), 56% com recidiva e 76,2% com novas lesões, em locais diferentes das anteriores. Ainda, 54,8% dos pacientes apresentaram tempo de acompanhamento maior ou igual a 2 anos. Dados apresentados na tabela 2.
Tabela 2 - Características clinicas dos pacientes com úlcera venosa (n=84)
Variáveis |
|
|
n % |
|
||
Comorbidades |
HAS + Associações HAS+ DM+ Associações Má Circulação Varizes DM+ Associações Sem comorbidades Trauma TVP Varizes e Má Circulação Cardiopatia + Associações Anemia Falciforme |
|
21 25 17 20,2 15 17,8 10 11,9 6 7,1 5 6 4 4,8 2 2,4 2 2,4 1 1,2 1 1,2 |
|||
Número de Lesões |
1 2 Mais de 2 |
|
58 69 22 26,2 4 4,8 |
|
||
Recidiva |
Sim Não |
|
47 56 37 44 |
|
||
Novas Lesões |
Sim Não |
|
64 76,2 20 23,8 |
|
||
Tempo de Acompanhamento |
Maior ou igual a 2 anos 1 ano e meio Menor ou igual a 1 ano |
|
46 54,8 5 6 33 39,2 |
|
||
No que se refere a Qualidade de Vida dos pacientes com úlcera venosa, os resultados foram analisados conforme os 8 domínios do SF-36, sendo: Capacidade Mental (D1), Limitação por aspectos físicos (D2), Dor (D3), Estado Geral de Saúde (D4), Vitalidade (D5), Aspectos Sociais (D6), Aspectos Emocionais (D7) e Saúde Mental (D8).
A média de D1 foi de 37,67 (DP±30,67); D2 apresentou média de 14,88 (DP±34,07); D3 apresentou média de 70,64 (DP±33,69); D4 demonstrou média de 54,88 (DP±17,71); D5 demonstrou média de 66,72 (DP±21,57); o D6 teve média de 50,91 (DP±29,53); o D7 apresentou média de 26,58 (DP±43,83); e D8 teve média de 69,23 (DP±21,84). Dados apresentados na tabela 3.
Tabela 3 - Média e desvio padrão dos domínios do questionário Short Form Health Survey (SF-36)
|
Média |
Desvio padrão |
Domínio I – Capacidade Funcional |
37,67 |
30,67 |
Domínio II – Lim. por aspectos fisícos |
14,88 |
34,07 |
Domínio III– Dor |
70,64 |
33,69 |
Domínio IV– Estado Geral de Saúde |
54,88 |
17,71 |
Domínio V– Vitalidade |
66,72 |
21,57 |
Domínio VI– Aspectos Sociais |
50,91 |
29,53 |
Domínio VII– Aspectos Emocionais |
26,58 |
43,83 |
Domínio VIII– Saúde Mental |
69,23 |
21,84 |
Vale ressaltar que quanto mais próximo de 0 pior a qualidade de vida e quanto mais próximo de 100 melhor a qualidade de vida, portanto os domínios de qualidade de vida mais afetados foram: Capacidade funcional (37,67), Limitações por aspectos físicos (14,88) e Aspectos Emocionais (26,58).
DISCUSSÃO
O sexo predominante nos pacientes com úlcera venosa atendidos no ambulatório foi o feminino (57,1%). Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos nacionais e internacionais, nos quais também houve a predominância de lesões em pacientes do sexo feminino.(2,5,10-11)
O predomínio do sexo feminino é reiterado em estudos com pacientes com úlcera venosa. Esse fato é associado aos hormônios femininos, que sofrem alteração com a utilização continua de anticoncepcionais e/ou reposição hormonal, bem como durante a gravidez e menopausa, tais alterações tornam propícios o aparecimento de varizes e estão relacionados a pré-disposição à Insuficiência Venosa Crônica, e por conseguinte o aparecimento de úlceras venosas.(2)
No que diz respeito a variável raça/cor houve predominância na cor preta com 56% dos pacientes entrevistados. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio Continua (PNAD Continua), no Brasil, 55% da população se autodeclarou preta e no Maranhão temos o índice de 82%, o que justificaria a porcentagem encontrada na pesquisa.(12)
Quanto ao estado civil, observou-se que 66,7% não possuem companheiro (a), sendo solteiros, viúvos ou divorciados. Resultado diferente foi encontrado em um estudo realizado em Taiwan com 167 pacientes, onde 64,1% dos pacientes eram casados.(11)Destaca-se que a presença de um companheiro pode contribuir na superação das dificuldades, amenizar as limitações na realização atividades de vida de vida diária e fornecer apoio na vida cotidiana, melhorando a autoestima do paciente.(13)
Em relação ao grau de instrução houve a prevalência de pacientes com o 1º Grau Incompleto (35,69%). A predominância do baixo nível de escolaridade é um ponto importante a ser discutido no que tange o manejo e tratamento pela equipe multiprofissional, uma vez que todo esse cuidado envolve ações educativas, com o objetivo de controlar as causas subjacentes das úlceras, os fatores de risco e de exacerbação de modo a promover a cicatrização e a prevenção de recidiva.(14)
Com referência a renda familiar predominou uma renda ≤ a 1 salário mínimo (85,7%). No estudo transversal realizado em unidades básicas de saúde de Natal (RN) com pacientes com úlcera venosa que receberam tratamento na rede de atenção básica foi observado que 53,2% dos pacientes que fizeram parte desse estudo também recebiam até 1 salário mínimo.(15)
A baixa renda é um problema para os pacientes com úlcera venosa, pois o tratamento exige custos adicionais em termos de curativos, terapia compressiva, adequação nutricional e estilo de vida. Embora existam políticas que implementam tratamentos de baixo custo, os custos associados à manutenção do tratamento de uma ferida complexa como a úlcera venosa são altos. Além disso, é necessário o acompanhamento frequente nas instituições de saúde, implicando em custos relacionados ao transporte.(15)
Em relação as comorbidades destacaram-se Hipertensão Arterial Sistêmica e Associações (25%), Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus (20,2%) e Má circulação (17,9%). Resultados semelhantes foram encontrados em estudo epidemiológico documental descritivo, onde foram analisados de forma temporal a prevalência de internações hospitalares por úlcera venosa no período de 2008 à 2018 nas cidades do Rio Grande do Sul e Santa Maria, onde observou-se que 42,85 % das pessoas com úlcera venosa possuíam comorbidades, entre elas Hipertensão Arterial Sistêmica, Diabetes Mellitus e Insuficiência Venosa Crônica (má circulação).(2)
A Insuficiência Venosa Crônica é responsável por cerca de 70% das úlceras venosas, e está relacionada à hipertensão venosa prolongada, podendo ser resultado da existência de varizes primárias, sequelas de trombose venosa profunda, anomalias valvulares venosas ou outras causas capazes de interferir no retorno venoso. A hipertensão arterial e a diabetes também são frequentes como comorbidades e confirmam dados presentes na literatura que associam a maioria das feridas crônicas com essas duas condições, uma vez que elas interferem no processo de cicatrização devido a complicações vasculares.(14)
Em relação a verificação da qualidade de vida por domínios do SF-36, no Domínio I – Capacidade Funcional, a pontuação média foi insatisfatória (37,67), ou seja, pior qualidade de vida. Em estudo transversal realizado com 54 pacientes em duas unidades de saúde no município de Petrópolis – RJ, ao analisar as limitações funcionais através da avaliação funcional identificou-se que nas atividades de vida diárias, os participantes em sua maioria encontravam-se com a independência preservada, porém a úlcera venosa gera algum tipo de limitação principalmente em pacientes idosos, e dessa forma, altera a qualidade de vida. (16)
A presença da úlcera venosa causa limitações relacionadas com a mobilidade e capacidade funcional, interferindo nas atividades de vida diária (AVD), e aumentando a dependência física dos pacientes.(17)
Quanto ao Domínio de Limitações por aspectos físicos, a pontuação média foi de 14,88, o que significa uma pior qualidade de vida relacionada a este domínio. Resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos, nos quais o domínio que apresentou maior comprometimento foi o domínio relacionado com as alterações físicas.(5,15,18-19)
O comprometimento físico também afeta os aspectos da qualidade de vida, com o comprometimento da deambulação.(15) As úlceras venosas causam significativa diminuição na independência do paciente, gerando impacto negativo na qualidade de vida, gerando também isolamento e alterações negativas nos aspectos psicológicos da vida do paciente. (18)
Quanto ao Domínio Dor, a média do valor do score foi de 70,4, considerado satisfatório, ou seja, uma boa qualidade de vida relacionada a este domínio. Resultados discordantes foram encontrados em estudo com 216 pacientes acompanhados em Centros de Atenção Primária, em Madri, Espanha, no que se refere a fatores associados, sendo que a presença de dor foi associada a uma pior qualidade de vida.(5)
Resultados divergentes foram encontrados no estudos realizado por Finlayson e colaboradores, onde a média para o domínio dor foi de 39,5.(18) Já no estudo de Sérgio e colaboradores, 44,8% dos pacientes referiu se sentir satisfeito em relação a sua qualidade de vida mesmo sentindo dor, dado que corrobora nossos achados.(14) No estudo de Folguera-Alvarez e colaboradores, os pacientes afirmaram que a dor os lembrou continuamente da presença da ferida, e ocasionalmente, os fez sentir a perda de controle sobre a lesão.(5)
A prevalência de dor em pessoas com UV varia de 46,3 a 100%, com proporção estimada agrupada de 80%. Fatores biopsicossociais, em especial, citocinas inflamatórias, desempenham um papel importantíssimo na função cerebral, que pode influenciar na percepção da dor, inúmeros estudos relatam que a dor associada a UV é frequentemente avaliada ou gerenciada de forma inadequada é está relacionada à diminuição da qualidade de vida e atrasos na cicatrização das lesões.(11)
No que tange ao Domínio Estado Geral de Saúde, o valor médio encontrado foi de 54,88, sendo considerado como satisfatório para qualidade de vida. Destaca-se que as características das lesões exercem influência na qualidade de vida dos pacientes quanto ao seu estado de saúde geral, sugerindo que a melhora na lesão pode refletir em melhora deste aspecto da qualidade de vida.(15,20)
Referente ao Domínio Vitalidade, a média encontrada foi de 66,72, o que é considerado como melhor qualidade de vida. Este domínio é composto por quatro itens relacionados a disposição do paciente no seu dia a dia, seu vigor físico, sua energia, seu esgotamento.
A presença da úlcera venosa traz consigo um conjunto de limitações de grau moderado a severo nível de vitalidade e energia, bem como perturbações ao sono, fadiga e sensação de cansaço o que pode interferir na qualidade de vida e na disposição para desempenhar suas atividades, visto que quanto mais esgotados os pacientes, pior sua qualidade de vida. (11)
Em relação ao Domínio Aspectos Sociais, verificou-se que os pacientes são afetados nas suas atividades sociais como lazer, participação de eventos familiares ou visitas familiares. Ele é composto por dois itens que estão relacionados com o tempo e de que forma a lesão afetou física e emocionalmente os relacionamentos sociais destes pacientes. A média encontrada para este domínio foi de 50,91, sendo considerada como boa qualidade de vida.
Resultado semelhante foi encontrado por Torres e colaboradores, onde a média para o Brasil neste domínio foi de 50 e para Portugal a média foi de 88. Divergências foram encontradas no estudo de Nascimento Filho e colaboradores, no qual resultou uma média de 33,8, sendo considerado qualidade de vida ruim para este domínio.(1,15)
É importante ressaltar que pacientes com UV podem apresentar dificuldades para expressar plenamente suas relações de afeto já que muitas vezes não realizam suas atividades com independência, com dificuldades para trabalhar e participar de atividades sociais e de lazer. (10) Em um estudo realizado em Portugal, pacientes afirmaram serem incapazes de ter uma vida social normal, possuírem dificuldade em sair e socializar, estar com família e amigos, apresentarem desejo de isolamento e medo de sair para evitar a piora da lesão, o que impacta negativamente na sua qualidade de vida.(15)
Quanto ao Domínio Aspectos Emocionais, este é composto por três itens que estão relacionados a alterações no trabalho ou em alguma atividade diária em decorrência de problemas emocionais. A média encontrada neste estudo foi de 26,58, o que representa qualidade de vida ruim para este domínio, resultado que corrobora com o estudo realizado nas unidades de Atenção Primária à Saúde no Rio Grande do Norte, onde o domínio Aspecto Emocional foi um dos mais prejudicados.(17)
A UV impacta diretamente em diversas características psicoemocionais dos pacientes como auto aversão, isolamento social e baixa qualidade de vida, sendo seus efeitos psicológicos e sociais muitas vezes negligenciados.(13) No que se refere ao aspecto emocional, há uma preocupação notável por parte dos pacientes sobre se a ferida será curada e o tempo gasto pensando na ferida, tal fato revela a necessidade de não se oferecer apenas cuidados físicos para os pacientes, mas também explorar os aspectos que mais os preocupam com relação a lesão, afim de proporcionar suporte emocional.(5)
A presença da UV causa limitações relacionadas a realização das Atividades de Vida Diária e aumenta a dependência física das pessoas com esse tipo de lesão, permitindo o aparecimento de outros sentimentos, neste caso, a impotência, bem como também o temor à cronicidade da lesão.(17) O desemprego/aposentadoria que se impõem às pessoas que vivem com a lesão, a dor, as limitações funcionais, o sentimento de frustração, o odor e o aspecto estético que desencorajam a interação social, a falta de energia, preocupações, baixa autoestima, autoconceito, segurança física e social são questões que também se refletem sobre os sentimentos desses pacientes repercutindo de forma negativa sob a qualidade de vida.(4)
No que tange ao Domínio Saúde Mental, a média encontrada neste estudo foi de 69,23, representado uma boa qualidade de vida para este domínio. Resultado semelhante também foi encontrado por Torres e colaboradores, onde o Brasil apresentou média de 68 e Portugal média de 88.(15) As UV promovem, além de alterações físicas e encargos financeiro, implicações de cunho psicológico e social extensíveis às esferas familiar e social, demonstrando a complexidade desta problemática. Destaca-se que as UV trazem aos pacientes sentimentos de ansiedade e problemas de depressão que tendem a promover atrasos no processo cicatricial das lesões com quadro agudo.(4)
Depressão, baixa autoestima, auto-aversão, isolamento social e baixa qualidade de vida foram os principais impactos identificados em pacientes com UV. Estes pacientes experimentam sentimentos negativos como solidão, com altos níveis de ansiedade e depressão, atingindo escores consideravelmente mais altos em relação a pacientes saudáveis. Além de sinais e sintomas puramente físicos, os pacientes também sofrem com outras manifestações como distúrbios de imagem corporal, diminuição da força de vontade, desespero, insatisfação, sentimentos de sujeira, raiva, discriminação e rejeição.(10,13)
Limitações do estudo
Quanto as limitações do estudo, relata-se a dificuldade na coleta dos dados devido a maioria dos pacientes possuírem acima de 60 anos e ainda apresentarem receio do contato por conta da pandemia de Coronavírus, as restrições sanitárias do local onde a coleta foi realizada devido ao número de casos de Covid ter sofrido aumento durante alguns dos meses de realização da coleta, além da dificuldade do comparecimento dos pacientes para realização do procedimento, gerando retardo nas etapas de realização do estudo.
Contribuições para a Área
O conhecimento gerado por este estudo pode subsidiar futuras intervenções terapêuticas, além de nortear os profissionais de saúde acerca da forma adequada de abordar os aspectos fundamentais da qualidade de vida e da importância dos fatores psicossociais dos pacientes acometidos por úlceras venosas.
CONCLUSÃO
O conhecimento do perfil socioeconômico da população com UV bem como dos dados clínicos destes pacientes possibilitam a atuação das equipes de saúde mais direcionada e individualizada, dessa forma podendo determinar os cuidados específicos conforme as características predominantes da população em estudo, otimizando o tratamento.
A identificação dos aspectos da qualidade de vida que estão sendo afetados em pacientes com úlcera venosa é de extrema importância tendo em vista que tal comprometimento repercutirá sobre os sentimentos que os pacientes apresentam sobre si e sobre estar com a lesão, levando em conta o fato da lesão afetar de forma significativa a realização das atividades de vida diária, laborais e sociais.
Vale ressaltar que os dados encontrados nesta pesquisa podem levar a uma reflexão crítica sobre a adoção de cuidados comprometidos não só com os aspectos orgânicos do paciente, mas também com seu bem-estar, além do desenvolvimento e aplicação de cuidados baseados na educação que reconstruam informações, afetos e sentidos que estejam alicerçados em estigmas, tabus e estereótipos, trazendo melhorias na qualidade de vida desses pacientes.
REFERÊNCIAS
1. Nascimento Filho HM et al. Qualidade de vida e autoestima de pacientes com úlcera Venosa. Rev Nurs [Internet]. 2020; 24 (272): 5122-27. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1148449.
2. Katzer J, Megier ER, Assunção PK, Jantsch LB, Anversa ETR. Prevalência de internação hospitalar por úlcera venosa em adultos no Brasil, Rio Grande do Sul e Santa Maria: série histórica. Res Soc and Dev. 2020; 9 (8): 1-15. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i8.5620.
3. Araújo RO, Silva DC, Souto RQ, Pergola-Marconato AM, Costa IKF, Torres GV. Impacto de úlceras venosas na qualidade de vida de indivíduos atendidos na atenção primária. Aquichan [Internet]. 2016; 16 (1): 56-66. Disponível em:
https://www.redalyc.org/pdf/741/74144215007.pdf.
4. Joaquim FL, Silva RMCRA, Garcia-Caro MP, Cruz-Quintana F, Pereira ER. Impacto das úlceras venosas na qualidade de vida dos pacientes: revisão integrativa. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018;71 (4): 2021-29.
5. Folguera-Álvarez C, Garrido-Elustondo S, Rico-Blázquez M, Verdú-Soriano J. Factors associated with the quality of life os patients with venous leg ulcers in primary care: cross-sectional study. Int J Low Extrem Wounds. 2022; 21(4): 521-28. DOI: 10.1177/1534734620967562. Epub 2020 Oct 26. PMID: 33103540.
6. Lima LR, Funghetto SS, Volpe CRG, Santos WS, Funez MI, Stival MM. Qualidade de vida e tempo desde o diagnóstico de Diabetes Mellitus em idosos. Rev bras geriatra gerontol [Internet]. 2018; 21 (2): 176-85. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/rbgg/a/KYwwqXm3wkB9F8TGt4q5Xzg/?format=pdf&lang=pt
7. Abedini MR, Bijari B, Miri Z, Emampour FS, Abbasi A. The quality of life of the patients with diabetes type 2 using EQ-5D-5L in Birjand. Health Qual Life Outcomes. 2020; 18 (1): 18. DOI: 10.1186/s12955-020-1277-8.
8. Empresa Maranhense de Serviços Hospitalares. CEM. Diamante inaugura Ambulatório de Feridas para curativos em pacientes vasculares. São Luís – MA: EMSERH; 11 dez. 2028. Disponível em:
http://www.emserh.ma.gov.br/cem-diamante-inaugura-ambulatorio-de-feridas-para-curativos-em-pacientes-vasculares-2/.
9. Silva RO, Pereira JN, Milan EGP. Avaliação da qualidade de vida com o instrumento SF-36 durante a pandemia do COVID-19: Um estudo piloto. Res. Soc. Dev. 2021; 10 (9):1-8. Disponível em: DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i9.17596.
10. Gomes NN, Rosa LMMS, Ferreira MA, Silva RC. Representações sociais de pacientes com úlceras vasculogênicas sobre qualidade de vida: análise do contexto social. Rev bras enferm. 2022; 75 (2): 1-9. DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0136
11. Lin HC, Fang CL, Hung CC, Fan JY. Potential predictors of quality of life in patients with venous leg ulcers: a cross-sectional study in Taiwan. Int Wound J. 2022; 19 (5): 1039-50. Disponível em: http://www.wileyonlinelibrary.com/journal/iwj.
12. Departamento intersindical de estatística e estudos socioeconômicos [Internet]. Brasil: inserção da população negra e o mercado de trabalho. São Paulo: DIEESE; 2021. Disponível
em: https://www.dieese.org.br/outraspublicacoes/2021/graficosPopulacaoNegra2021.pdf
13. Souza AJG, Campos SMDL, Salvetti MG, Queiroz CG, Torres GV, Costa IKF. Autoestima de pessoas com úlcera venosa. Rev Mineira Enfermagem [Internet]. 2017; 18 (5): 569-76. Disponível em: http://periodicos.ufc.br/rene/article/view/30792.
14. Sérgio FR, Silveira IA, Oliveira BGRB. Avaliação clínica de paciente com úlcera de perna acompanhados em ambulatório. Esc. Anna Nery Rev Enferm. 2021; 25 (1): 1-6. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ean/a/ZtLZfFwJ7V3Q3X593PhqXWk/?lang=pt.
15. Torres SMSSO, et al. Health – related quality of life in patients with venous leg ulcer treated in primary care in Brazil and Portugal. Plos One [Internet]. 2018; 13 (4): 1-10. Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0195990/.
16. Santos LSF, et al. Capacidade funcional de pacientes com úlceras venosas. Rev Nurs [Internet]. 2019; 22 (250): 2805-13. Disponível em: http://www.revistanursing.com.br/revistas/250/pg100.pdf.
17. Oliveira RA, et al. Self-efficacy, self-esteem and adherence to treatment in peope with venous ulcer in primary health care. Biosci J [Internet]. 2017; 33 (6): 1679-87. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/biosciencejournal/article/view/36741.
18. Finlayson K, et al. Distinct wound healing and quality of life outcomes in subgroups of patients with venous leg ulcers with different symptom cluster experiences. J Pain and Sympton Manag. 2017; 53 (5): 871-79. DOI: 10.1016/j.jpainsymman.2016.12.336. Epub 2017 Jan 4.
19. Schmidt TP, Wagner KJP, Schneider IJC, Danielewicz AL. Padrões de multimorbidade e incapacidade funcional em idosos brasileiros: estudo transversal com dados da Pesquisa Nacional de Saúde. Cad de Saúde Pública. 2020; 36 (11). DOI: 10.1590/0102-311X00241619.
20. Santos KFR, et al. Quality of life of people with chronic ulcers. J Vasc Nurs. 2016; 34 (4): 131-36. DOI: 10.1016/j.jvn.2016.06.003.
Declaração de conflito de interesses:
nada a declarar.
Fomento e Agradecimento:
a pesquisa não recebeu financiamento.
Contribuição dos autores
Ana Helia de Lima Sardinh: Contribuição e análise do planejamento do estudo
Ana Beatriz Torres da Silva: Revisão da literatura
Méllany Pinheiro Cacau: Correção e formatação do manuscrito
Sara Maria Ferreira de Sousa: Revisão da literatura
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519
Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(2): e025054