ARTIGO ORIGINAL
CARACTERIZAÇÃO DE MULHERES ATENDIDAS EM UMA EMERGÊNCIA OBSTÉTRICA DE UM HOSPITAL PÚBLICO DE PORTO ALEGRE
CHARACTERIZATION OF WOMEN ATTENDED IN AN OBSTETRIC EMERGENCY UNIT OF A PUBLIC HOSPITAL IN PORTO ALEGRE
CARACTERIZACIÓN DE MUJERES ATENDIDAS EN UNA EMERGENCIA OBSTÉTRICA DE UN HOSPITAL PÚBLICO DE PORTO ALEGRE
https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.supl.1-art.2522
Juliana Gorziza Madruga1
Márcia Cordeiro da Cunha2
Raquel Vieira Schuster3
Gregório Corrêa Patuzzi4
Alessandra Andrade Fantinelli5
Cristiane Athanasio Kolbe6
Agnes Ludwig Neutzling7
1 Grupo Hospitalar Conceição. Porto Alegre - Rio Grande do Sul / Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7950-8610
2 Grupo Hospitalar Conceição. Porto Alegre - Rio Grande do Sul / Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0943-4211
3 Grupo Hospitalar Conceição. Porto Alegre - Rio Grande do Sul / Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8021-1443
4 Grupo Hospitalar Conceição. Porto Alegre - Rio Grande do Sul / Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5358-0916
5 Grupo Hospitalar Conceição. Porto Alegre - Rio Grande do Sul / Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-3176-9491
6 Grupo Hospitalar Conceição. Porto Alegre - Rio Grande do Sul / Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0002-1877-8518
7 Grupo Hospitalar Conceição. Porto Alegre - Rio Grande do Sul / Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6796-4750
Autor correspondente
Agnes Ludwig Neutzling
Av. Francisco Trein, 596 - Cristo Redentor, Porto Alegre - RS, Brasil. CEP 91350-200. Contato; +55 51 33572161. E-mail: ati.ludwig@gmail.com
Submissão: 17-03-2025
Aprovado: 30-04-2025
RESUMO
Introdução: a redução da morbimortalidade materna requer a implementação de protocolos como o de Acolhimento e Classificação de Risco em Obstetrícia, sendo crucial caracterizar os atendimentos, na emergência obstétrica, para garantir um cuidado singular. Objetivo: analisar a caracterização das mulheres, residentes em Porto Alegre/RS, atendidas no Acolhimento e Classificação de Risco em Obstetrícia, em um hospital público. Método: estudo quantitativo, transversal e retrospectivo, com análise documental. Foram incluídos todos os atendimentos realizados, na emergência obstétrica, de um hospital público, entre janeiro/2021 e setembro/2021, de mulheres que residiam em Porto Alegre. Foram excluídos atendimentos de mulheres que não compareceram à consulta médica após classificação de risco obstétrico. A coleta de dados foi retrospectiva, com utilização de questionário estruturado para registros do prontuário eletrônico. Para análise, utilizou-se teste qui-quadrado e de tendência linear, considerando nível de significância de 5%. Resultados: foram analisados 1.343 atendimentos. Observou-se predominância de mulheres com 20-29 anos de idade, autodeclaradas brancas, brasileiras, com idade gestacional <37 semanas, com >6 consultas de pré-natal e classificadas como prioridade clínica verde. A maioria dos atendimentos ocorreu dentro dos tempos médios preconizados. Conclusão: os resultados destacam a predominância de atendimentos de prioridade clínica verde (pouco urgente); o fortalecimento da Atenção Primária em Saúde pode ser estratégia para atendimento dessa demanda. Observou-se também vulnerabilidade de mulheres não brancas e imigrantes o que reforça a importância do Acolhimento e Classificação de Risco na organização dos serviços obstétricos e na redução da morbimortalidade materna.
Palavras-chave: Acolhimento; Obstetrícia; Enfermagem Obstétrica; Classificação de Risco.
ABSTRACT
Introduction: The reduction of maternal morbidity and mortality requires the implementation of protocols such as the User Embracement and Obstetric Risk Classification, with a crucial need to characterize emergency obstetric care to ensure personalized care. Objective: To analyze the characteristics of women residing in Porto Alegre, RS, who were attended to in an Obstetric Emergency unit of a public hospital. Method: A quantitative, cross-sectional, and retrospective study with document analysis. All attendances that occurred at the emergency obstetric unit of a public hospital between January and September 2021 of women residing in Porto Alegre were included. Attendances of women who did not attend their medical appointment after their risk classification were excluded. Data collection was retrospective, with the application of a structured questionnaire using electronic medical records. For analysis, chi-square and linear trend tests were used, considering a significance level of 5%. The study was approved by the Research Ethics Committee. Results: A total of 1,343 attendances were analyzed. A predominance of women aged 20-29, self-identified as white, Brazilian, with a gestational age <37 weeks, >6 prenatal consultations, and classified as green clinical priority was observed. Most attendances occurred within the recommended average times. Conclusion: The results highlight the predominance of green clinical priority (low urgency) attendances at the studied location and the strengthening of Primary Health Care as a strategy to address this demand. They also point to the vulnerability of non-white and immigrant women and reinforce the importance of the User Embracement and Obstetric Risk Classification protocol in organizing obstetric services and reducing maternal morbidity and mortality.
Keywords: User Embracement; Obstretics; Obstetric Nursing; Triage.
RESUMEN
Introducción: La reducción de la morbimortalidad materna exige la implementación de protocolos como el Acogida y Clasificación de Riesgo en Obstetricia, siendo crucial caracterizar la atención en la emergencia obstétrica para garantizar una atención personalizada. Objetivo: Analizar la caracterización de las mujeres residentes en Porto Alegre/RS atendidas en Acogida y Clasificación de Riesgo en Obstetricia en un hospital público. Método: Estudio cuantitativo, transversal y retrospectivo, con análisis documental. Se incluyeron todas las atenciones realizadas en la emergencia obstétrica de un hospital público, entre enero/2021 y septiembre/2021, de mujeres residentes en Porto Alegre. Se excluyeron las atenciones de mujeres que no asistieron a la consulta médica tras la clasificación de riesgo obstétrico. La recolección de datos fue retrospectiva, utilizando un cuestionario estructurado aplicado en los registros del prontuario electrónico. Para el análisis, se utilizaron las pruebas de ji-cuadrado y de tendencia lineal, considerando un nivel de significancia del 5%. Estudio aprobado por el Comité de Ética en Investigación. Resultados: Se analizaron 1.343 atenciones. Se observó una predominancia de mujeres de 20-29 años, autoidentificadas como blancas, brasileñas, con una edad gestacional <37 semanas, más de 6 consultas de prenatal y clasificadas con prioridad clínica verde. La mayoría de las atenciones se realizaron dentro de los tiempos promedio recomendados. Conclusión: Los resultados destacan la predominancia de atenciones de prioridad clínica verde (poco urgente) en el lugar estudiado y el fortalecimiento de la Atención Primaria en Salud como estrategia para atender esta demanda. También señalan la vulnerabilidad de las mujeres no blancas e inmigrantes, y refuerzan la importancia del Acogida y Clasificación de Riesgo en la organización de los servicios obstétricos y en la reducción de la morbimortalidad materna.
Palavras clave: Acogimiento; Obstetricia; Enfermería Obstétrica; Triaje.
INTRODUÇÃO
A mortalidade materna é um importante indicador de saúde, o qual reflete o nível de desenvolvimento de uma sociedade. Buscar sua redução demanda uma análise aprofundada da questão.1 Grande parte dos casos de mortalidade materna no mundo é evitável, e sua prevenção exige uma abordagem multifacetada, que inclui estratégias de aprimoramento dos cuidados prestados nos serviços de saúde com a adoção de protocolos assistenciais padronizados.2 Nesse contexto, no Brasil, tem-se adotado o manual de Acolhimento e Classificação de Risco em Obstetrícia (A&CRO), do Ministério da Saúde (MS), como uma estratégia, para garantir o acesso de qualidade nos serviços de porta de entrada que atendem urgências obstétricas3.
O manual de A&CRO é um instrumento de apoio à decisão clínica, que auxilia na identificação das pacientes mais graves e proporciona um atendimento rápido e seguro conforme os seus potenciais de risco. O tempo médio de espera preconizado entre o cadastro e a classificação de risco deve ser menor de 10 min, enquanto o tempo médio de duração total da classificação deve ser inferior a 5 min. O instrumento prevê o uso de fluxogramas atribuídos às queixas mais frequentes apresentadas pelas usuárias. A classificação se dá por cores/prioridade clínica e determina o tempo médio de espera para o atendimento médico: vermelha (imediato); laranja (até 15 min); amarela (até 30 min); verde (até 120 min) e azul (até 240 min ou encaminhamento para outro serviço). A busca para otimizar esses tempos reflete na qualidade da assistência prestada nos serviços de emergência obstétrica3.
A implementação do manual de A&CRO requer movimentos de mudanças importantes, incluindo a assistência obstétrica médica e de enfermagem em tempo oportuno. Isso permite garantir o atendimento da usuária de acordo com a gravidade clínica, e não pela ordem de chegada ao serviço, além de otimizar os espaços para agilizar o atendimento3.
O acolhimento realizado em uma emergência obstétrica engloba a prática interdisciplinar, demanda postura proativa dos profissionais, escuta ativa e resposta às necessidades específicas de cada mulher atendida no serviço de saúde3. No âmbito da enfermagem, a classificação de risco é uma atividade privativa do enfermeiro, que deve estar capacitado para realizar essa função conforme o protocolo institucional. O enfermeiro que atua na classificação de risco deve praticar escuta qualificada, aplicar julgamento clínico crítico para avaliar as queixas da mulher e realizar encaminhamento adequado ao risco apresentado4.
O conhecimento das características sociodemográficas é determinante para a qualificação da assistência às gestantes que buscam as emergências obstétricas e deve estar presente, desde o pré-natal até o ambiente hospitalar, para a realização de um cuidado integral à saúde. Esse cuidado envolve questões relacionadas às alterações fisiológicas e emocionais sofridas pela mulher, durante o período gravídico, bem como ao desenvolvimento fetal5, e deve seguir os princípios de promoção da equidade e o respeito à diversidade cultural, étnica e racial6.
Diante da relevância do tema e das suas implicações nas taxas de morbimortalidade materna e neonatal, este estudo teve como objetivo analisar a caracterização dos atendimentos de mulheres, residentes em Porto Alegre/RS, atendidas no Acolhimento e Classificação de Risco em Obstetrícia, em um hospital público.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal, analítico e retrospectivo, que faz parte de um projeto maior, desenvolvido pelo Grupo de Estudos da Linha de Cuidado Mãe-Bebê (LCMB). Tal estudo tinha como objetivo analisar os indicadores de monitoramento do A&CRO em um hospital público de Porto Alegre.
O cálculo amostral do estudo principal foi realizado com a ferramenta PSS Health®, considerando-se o local do estudo e a proporção de ocorrência de 95% do desfecho internação, em pacientes com classificação de risco obstétrico vermelha ou laranja, e totalizou amostra de 1.652 atendimentos. O método de Wald foi utilizado, com 10% de amplitude para o intervalo de confiança, nível de confiança de 95% e acréscimo de 10% para possíveis perdas7. Dessa forma, estimou-se o número de 1.210 atendimentos para este estudo considerando que foram incluídos, na pesquisa, todos os atendimentos de mulheres que residem na cidade de Porto Alegre (RS), cuja classificação de risco foi registrada em prontuário eletrônico, com atendimento no local de estudo de 01/01/2021 a 04/09/2021. Foram excluídos do estudo os atendimentos daquelas que não compareceram na consulta médica, após a sua classificação de risco obstétrico.
A coleta de dados ocorreu em um Centro Obstétrico (CO), de alta complexidade, de um hospital público federal, de Porto Alegre/RS, por enfermeiras com atuação no setor. Para garantir o rigor da coleta de dados, as coletadoras foram treinadas para a aplicação do instrumento. Foi utilizado questionário estruturado e pré-codificado, elaborado pelos autores, por meio de dados do prontuário eletrônico de atendimentos das mulheres incluídas na amostra. Os dados foram coletados de forma retrospectiva entre novembro de 2022 e maio de 2023.
Foram definidas como variáveis de exposição aquelas referentes às características sociodemográficas e obstétricas da amostra. As variáveis sociodemográficas analisadas foram: idade na data do atendimento em anos completos (>14 a 19; 20 a 29; 30 a 39; >40); raça/cor (branca; preta; parda/amarela); nacionalidade (brasileira; venezuelana; haitiana; outras); e situação conjugal (solteira; casada/união estável; outro). As variáveis obstétricas incluídas foram: local de realização do pré-natal (postos de saúde; ambulatório de pré-natal de alto risco [PNAR]; outros); número de gestações (1; 2; >3); número de partos vaginais (0; 1; 2; >3); número de cesáreas (0; 1; 2; >3); número de abortos (0; 1; >2); número de gestações ectópicas (0; >1); idade gestacional [IG] no momento do A&CRO em semanas completas (<37; >37); e número de consultas de pré-natal (<6 consultas; >6 consultas).
Sobre as variáveis relacionadas ao atendimento, foram incluídos dados sobre tempo dos atendimentos: tempo transcorrido entre o cadastro da paciente no CO e o início do atendimento médico (<10min; >10min); tempo total do A&CRO (<5min; >5min); e tempo entre o A&CRO e o início do atendimento médico conforme a prioridade clínica (adequado; excedido)3. Foram analisados os fluxogramas utilizados na Classificação de Risco em Obstetrícia3: desmaio/mal-estar geral; dor abdominal/lombar/contrações uterinas; dor de cabeça/tontura/vertigem; falta de ar/sintomas respiratórios; febre/sinais de infecção; náuseas e vômitos; perda de líquido via vaginal/secreções; perda de sangue via vaginal; queixas urinárias; parada/redução de movimentos fetais; relato de convulsão; e outras queixas/situações.
Os desfechos avaliados incluem a prioridade clínica/cor (azul; verde; amarela; laranja; vermelha), a conduta médica inicial após o primeiro atendimento médico (alta/liberado; exames/procedimentos/medicação; internação hospitalar; encaminhamento para outros serviços) e a conduta final após segunda avaliação médica (alta/liberado; exames/procedimentos/medicação; internação hospitalar; encaminhamento para outros serviços).
Os dados foram analisados com o auxílio dos programas SPSS® versão 22.0. Foi realizada a descrição da frequência das variáveis em estudo: variáveis numéricas foram expressas como média e desvio padrão, e variáveis categóricas foram apresentadas como número absoluto e percentual. Para avaliar a associação entre as variáveis categóricas e os desfechos, foi utilizado o teste qui-quadrado e o teste de tendência linear - para variáveis numéricas categorizadas, considerando nível de significância de 5% (p<0,05). A pesquisa obteve aprovação pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição estudada, conforme o parecer nº 5.682.438, e o CAAE nº 63328122.7.0000.5530.
RESULTADOS
Após a aplicação dos critérios de inclusão e de exclusão, a amostra do estudo foi composta por 1.343 atendimentos. Em relação aos dados sociodemográficos da amostra, a média de idade foi de 27,0 anos (DP+0,7), com predominância de mulheres brasileiras (n=1.277; 95,1%) e autodeclaradas como brancas (n=867; 64,6%) (Tabela 1).
Em relação à história obstétrica, 37,5% (n=503) das mulheres da amostra haviam gestado três vezes ou mais, 55,1% (n=740) não tinham partos prévios, e 27,9% (n=205) possuíam, pelo menos, uma cesárea anterior. Ainda, 23,8% (n=320) delas tinham história de, ao menos, aborto prévio, 1,3% (n=17) possuíam história de, ao menos, uma gestação ectópica prévia. A maioria das mulheres da amostra estava com idade gestacional <37 semanas (n=740; 55,1%) quando foram atendidas no A&CRO, apresentando >6 consultas de pré-natal (n=832; 62,0%) realizadas, em sua maior parte, nos postos de saúde (n=809; 60,2%) (Tabela 1).
Tabela 1 - Caracterização dos dados sociodemográficos e obstétricos dos atendimentos em um centro obstétrico, Porto Alegre/RS, Brasil, 2023 (n = 1.343.).
VARIÁVEIS |
N |
% |
SOCIODEMOGRÁFICAS Idade (anos completos) |
|
|
14 a 19 |
141 |
10,5 |
20 a 29 |
747 |
55,6 |
30 a 39 |
399 |
29,7 |
>40 |
56 |
4,2 |
Raça/cor |
|
|
Branca |
867 |
64,6 |
Preta |
284 |
21,1 |
Parda / Amarela |
192 |
14,3 |
Nacionalidade |
|
|
Brasileira |
1.277 |
95,1 |
Haitiana |
49 |
3,6 |
Venezuelana |
12 |
0,9 |
Outras |
5 |
0,4 |
Situação Conjugal |
|
|
Solteira |
1167 |
86,9 |
Casada / União Estável |
146 |
10,9 |
Outro |
30 |
2,2 |
OBSTÉTRICAS |
|
|
Nº de gestações |
|
|
1 |
453 |
33,7 |
2 |
387 |
28,8 |
>3 |
503 |
37,5 |
Nº de partos anteriores |
|
|
0 |
740 |
55,1 |
1 |
325 |
24,2 |
2 |
145 |
10,8 |
>3 |
133 |
9,9 |
Nº de cesáreas anteriores |
|
|
0 |
968 |
72,1 |
1 |
205 |
15,3 |
2 |
74 |
5,5 |
>3 |
96 |
7,1 |
IGa (semanas completas) |
|
|
<37 |
740 |
55,1 |
>37 |
603 |
44,9 |
Local do PNb |
|
|
Postos de Saúde |
809 |
60,2 |
PNAR |
268 |
20,0 |
Outros |
266 |
19,8 |
Nº de consultas no PNb |
|
|
>6 consultas |
832 |
62,0 |
< 6 consultas |
511 |
38,0 |
aIG = Idade Gestacional. bPN= Pré-natal.
A maior parte das mulheres da amostra foi atendida nos tempos preconizados para o cadastro e o início do A&CRO (n=829; 61,7%) e para a duração do A&CRO (n=873; 65%). Em relação aos atendimentos realizados na A&CRO, a prioridade clínica mais frequente na amostra foi a verde (n=863;64,3%), a conduta médica inicial mais frequente foi a de “Exames/procedimentos/medicações” (n=666; 49,6%), e a conduta médica final mais utilizada foi a de “Alta / liberado” (n=422; 73,0%) (Tabela 2).
Tabela 2 - Caracterização dos atendimentos realizados no A&CRO em um centro obstétrico, Porto Alegre/RS, Brasil, 2023 (n = 1.343).
VARIÁVEIS |
N |
% |
Tempo entre cadastro e A&CROa |
|
|
< 10 minutos |
829 |
61,7 |
> 10 minutos |
514 |
38,3 |
Tempo total do A&CROa |
|
|
< 5 minutos |
873 |
65,0 |
> 5 minutos |
470 |
35,0 |
Fluxograma da Classificação de Risco em Obstetrícia |
|
|
Dor abdominal / lombar / contrações uterinas |
571 |
42,5 |
Outras queixas/situações |
391 |
29,1 |
Perda de sangue via vaginal |
146 |
10,9 |
Perda de líquido via vaginal / secreções |
105 |
7,8 |
Dor de cabeça / Tontura / Vertigem |
44 |
3,3 |
Parada ou redução de movimentos fetais |
28 |
2,1 |
Náuseas e vômitos |
25 |
1,9 |
Queixas urinárias |
17 |
1,3 |
Falta de ar / Sintomas respiratórios |
10 |
0,7 |
Febre / Sinais de infecção |
4 |
0,3 |
Desmaio / Mal estar geral |
2 |
0,1 |
Relato de convulsão |
0 |
0,0 |
Prioridade clínica da Classificação de Risco em Obstetrícia |
|
|
Azul |
3 |
0,2 |
Verde |
863 |
64,3 |
Amarela |
406 |
30,2 |
Laranja |
67 |
5,0 |
Vermelha |
4 |
0,3 |
Conduta Inicial |
|
|
Exames / Procedimentos / Medicação |
666 |
49,6 |
Alta / Liberado |
422 |
31,4 |
Internação |
242 |
18,0 |
Encaminhamento para outros serviços |
13 |
0,9 |
Conduta Final |
|
|
Alta / Liberado |
981 |
73,0 |
Internação |
340 |
25,3 |
Encaminhamento para outros serviços |
12 |
0,9 |
Exames / Procedimentos / Medicação |
10 |
0,7 |
aA&CRO= Acolhimento e Classificação de Risco em Obstetrícia.
Em relação ao tempo de espera para o início do atendimento médico, 95,9% (n=1.288) da amostra foi atendida dentro do tempo preconizado. O maior percentual de adequação de tempo entre A&CRO e atendimento médico esteve para atendimentos com classificação azul (n=3; 100%), seguido da prioridade verde (n=860; 99,7%) (Gráfico 1).
Gráfico 1 - Percentual de adequação de tempo entre Acolhimento e Classificação de Risco em Obstetrícia e atendimento médico por prioridade clínica (n = 1.343).
Fonte: elaborado pelos autores.
Quanto à prioridade clínica, para a população venezuelana, houve maior frequência da cor verde (n=11;91,7%), e menor ocorrência da amarela (n=1;8,3%), quando comparada às outras nacionalidades (p<0,001). Na categoria situação conjugal, pessoas solteiras apresentaram maior frequência de classificação verde (n=758; 65,0%) em comparação aos demais grupos (p= <0,001) (Tabela 3).
A análise também demonstrou que o número de partos anteriores foi inversamente proporcional ao percentual de classificações de cor verde (p=0,038). Em relação ao número de cesáreas anteriores, as gestantes com >3 cesáreas apresentaram, com maior frequência, a classificação amarela (n=41;42,7%) do que as mulheres que possuíam <2 cesáreas prévias (p=0,016) (Tabela 3).
As gestantes da amostra com IG <37 semanas foram classificadas como verdes mais frequentemente do que as gestantes com IG >37 semanas (n=551 vs n=312;74,5% vs 51,7%; p<0,001). Gestantes com IG > 37 semanas foram mais classificadas como amarelas (n=258;42,8%) do que as com IG <37 semanas (n=148;20,0%) (Tabela 3).
Houve maior frequência de classificações com a cor verde entre gestantes provenientes do PNAR, quando comparadas àquelas com pré-natal, nos postos de saúde ou em outros locais (n=206 vs n=490 vs n=167;76,9% vs 60,6% vs 62,8%; p <0,001). Já em relação ao número de consultas de pré-natal, as gestantes com <6 consultas receberam, com maior frequência, a classificação de cor verde do que as gestantes com >6 consultas (71,0% vs 60,1%; p<0,001) (Tabela 3).
Tabela 3 - Análise das variáveis sociodemográficas e obstétricas em relação à prioridade clínica atribuída na Classificação de Risco em Obstetrícia em um centro obstétrico, Porto Alegre/RS, Brasil, 2023 (n = 1.343).
|
Prioridade clínica (n%) |
|||||
Variáveis |
Verde |
Amarela |
Laranja |
Vermelha |
Azul |
P valor |
SOCIODEMOGRÁFICAS |
||||||
Idade 14 - 19 |
88 (62,4) |
45 (31,9) |
7 (5,0) |
1 (0,7) |
- |
0,542a |
20 - 29 |
467 (62,5) |
242 (32,4) |
33 (4,4) |
3 (0,4) |
2 (0,3) |
|
30 - 39 |
273 (68,4) |
103 (25,8) |
22 (5,5) |
- |
1 (0,3) |
|
>40 |
35 (62,5) |
16 (28,6) |
5 (5,8) |
- |
- |
|
Raça/cor Branca |
567 (65,4) |
257 (29,6) |
41 (4,7) |
2 (0,2) |
- |
0,292a |
Preta |
179 (63,0) |
88 (31,0) |
15 (5,3) |
1 (0,4) |
1 (0,4) |
|
Parda/Amarela |
117 (60,9) |
61 (31,8) |
11 (5,7) |
1 (0,5) |
2 (1,0) |
|
Nacionalidade Brasileira |
818 (64,1) |
368 (30,2) |
67 (5,2) |
4 (0,3) |
2 (0,2) |
<0,001a |
Venezuelana |
11 (91,7) |
1 (8,3) |
- |
- |
- |
|
Haitiana |
32 (65,3) |
17 (34,7) |
- |
- |
- |
|
Outras |
2 (40,0) |
2 (40,0) |
- |
- |
1 (20,0) |
|
Situação conjugal Solteira |
758 (65,0) |
349 (29,9) |
55 (4,7) |
2 (0,2) |
3 (0,3) |
<0,001a |
Casada/União estável |
88 (60,3) |
48 (32,9) |
10 (6,8) |
- |
- |
|
Outros |
17 (56,7) |
9 (30,0) |
2 (6,7) |
2 (6,7) |
- |
|
OBSTÉTRICAS |
||||||
Nº de gestações 1 |
290 (64,0) |
145 (32,0) |
16 (3,5) |
2 (0,4) |
- |
0,088a |
2 |
236 (61,0) |
131 (33,9) |
19 (4,9) |
- |
1 (0,3) |
|
>3 |
337 (67,0) |
130 (25,8) |
32 (6,4) |
2 (0,4) |
2 (0,4) |
|
Nº de partos 0 |
482 (65,1) |
224 (30,3) |
31 (4,2) |
2 (0,3) |
1 (0,1) |
0,038b |
1 |
211 (64,9) |
97 (29,8) |
16 (4,9) |
- |
1 (0,3) |
|
2 |
89 (61,4) |
48 (33,1) |
7 (4,8) |
1 (0,7) |
- |
|
>3 |
81 (60,9) |
37 (27,8) |
13 (9,8) |
1 (0,8) |
1 (0,8) |
|
Nº de cesáreas 0 |
627 (64,8) |
293 (30,3) |
44 (4,5) |
3 (0,3) |
1 (0,1) |
0,016a |
1 |
134 (65,4) |
58 (28,3) |
13 (6,3) |
- |
- |
|
2 |
54 (73,0) |
14 (18,9) |
5 (6,8) |
- |
1 (1,4) |
|
>3
|
48 (50,0) |
41 (42,7) |
5 (5,2) |
1 (1,0) |
1 (1,0) |
|
IG no A&CROc <37 semanas |
551 (74,5) |
148 (20,0) |
39 (5,3) |
1 (0,1) |
1 (0,1) |
<0,001a |
>37 semanas |
312 (51,7) |
258 (42,8) |
28 (4,6) |
3 (0,5) |
2 (0,3) |
|
Local PNd Postos de saúde |
490 (60,6) |
272 (33,6) |
44 (5,4) |
2 (0,2) |
1 (0,1) |
<0,001a |
PNAR |
206 (76,9) |
52 (19,4) |
8 (3,0) |
- |
2 (0,7) |
|
Outros |
167 (62,8) |
82 (30,8) |
15 (5,6) |
2 (0,8) |
- |
|
Nº de consultas PNd <6 |
363 (71,0) |
116 (22,7) |
32 (6,3) |
- |
- |
<0,001a |
>6 |
500 (60,1) |
290 (34,9) |
35 (4,2) |
4 (0,5) |
3 (0,4) |
aUtilizado teste qui-quadrado. bUtilizado o teste de tendência linear. cA&CRO= Acolhimento e Classificação de Risco em Obstetrícia. dPN= Pré-natal.
A análise da conduta inicial do atendimento médico, na amostra, demonstrou que brasileiras receberam, com maior frequência, a conduta de “Alta/liberado” (n=407;31,9%) quando comparadas às mulheres de outras nacionalidades, e que venezuelanas (n=8;66,7%) e haitianas (n=28;57,1%) foram mais encaminhadas para “Exames/procedimentos/medicação” em comparação às demais (p= 0,006). Observou-se que as mulheres com gestação a termo foram internadas com maior frequência do que as mulheres com IG <37 semanas (n=179;29,7% vs n=63;8,5%; p<0,001). As mulheres que realizavam acompanhamento no PNAR foram mais encaminhadas a “Exames/procedimentos/medicação” (n=174;64,9%;p<0,001) do que os outros grupos dessa variável. Em relação ao número de consultas de pré-natal, gestantes com <6 consultas receberam “Alta/liberado” em maior proporção do que aquelas com >6 consultas (n=252;49,3% vs n=170;20,4%; p<0,001) (Tabela 4).
Tabela 4 - Análise das variáveis sociodemográficas e obstétricas em relação à conduta inicial do atendimento médico em um centro obstétrico, Porto Alegre/RS, Brasil, 2023 (n = 1.343).
|
Conduta Inicial n(%) |
||||
Variáveis |
Alta/ Liberado |
Exames/ Procedimentos/ Medicação |
Internação |
Encaminhamento para outros serviços |
P valor
|
SOCIODEMOGRÁFICAS |
|||||
Idade 14 - 19 |
44 (31,2) |
74 (52,5) |
21 (14,9) |
2 (1,4) |
0,034a |
20 - 29 |
258 (34,5) |
352 (47,1) |
130 (17,4) |
7 (0,9) |
|
30 - 39 |
105 (26,3) |
213 (53,4) |
77 (19,3) |
4 (1,0) |
|
>40 |
15 (26,8) |
27 (48,2) |
14 (25,0) |
- |
|
Raça/cor Branca |
295 (34,0) |
407 (46,9) |
157 (18,1) |
8 (0,9) |
0,084b |
Preta |
73 (25,7) |
151 (53,2) |
57 (20,1) |
3 (1,1) |
|
Parda/Amarela |
54 (28,1) |
108 (56,2) |
28 (14,6) |
2 (1,0) |
|
Nacionalidade Brasileira |
407 (31,9) |
628 (49,2) |
230 (18,0) |
12 (0,9) |
0,006b |
Venezuelana |
3 (25,0) |
8 (66,7) |
1 (8,3) |
- |
|
Haitiana |
11 (22,4) |
28 (57,1) |
10 (20,4) |
- |
|
Outras |
1 (20,0) |
2 (40,0) |
1 (20,0) |
1 (20,0) |
|
Situação conjugal Solteira |
362 (31,0) |
586 (50,2) |
208 (17,8) |
11 (0,9) |
0,872b |
Casada/União estável |
48 (32,9) |
67 (45,9) |
29 (19,9) |
2 (1,4) |
|
Outros |
12 (40,0) |
13 (43,3) |
5 (16,7) |
- |
|
OBSTÉTRICAS |
|||||
Nº de gestações 1 |
150 (33,1) |
219 (48,3) |
78 (17,2) |
6 (1,3) |
0,612b |
2 |
110 (28,4) |
195 (50,4) |
79 (20,4) |
3 (0,8) |
|
>3 |
162 (32,2) |
252 (50,1) |
85 (16,9) |
4 (0,8) |
|
Nº de partos 0 |
224 (30,3) |
375 (50,7) |
132 (17,8) |
9 (1,2) |
0,656b |
1 |
105 (32,3) |
165 (50,8) |
54 (16,6) |
1 (0,3) |
|
2 |
53 (36,6) |
63 (43,4) |
28 (19,3) |
1 (0,7) |
|
>3 |
40 (30,1) |
63 (47,4) |
28 (21,1) |
2 (1,5) |
|
Nº de cesáreas 0 |
319 (33,0) |
463 (47,8) |
176 (18,2) |
10 (1,0) |
0,546b |
1 |
54 (26,3) |
117 (57,1) |
33 (16,1) |
1 (0,5) |
|
2 |
22 (29,7) |
39 (52,7) |
12 (16,2) |
1 (1,4) |
|
>3 |
27 (28,1) |
47 (49,0) |
21 (21,9) |
1 (1,0) |
|
IG no A&CROc <37 semanas |
314 (42,4) |
352 (47,6) |
63 (8,5) |
11 (1,5) |
<0,001b |
>37 semanas |
108 (17,9) |
314 (52,1) |
179 (29,7) |
2 (0,3) |
|
Local PNd Postos de saúde |
265 (32,8) |
378 (46,7) |
159 (19,7) |
7 (0,9) |
<0,001b |
PNAR |
52 (19,4) |
174 (64,9) |
40 (14,9) |
2 (0,7) |
|
Outros |
105 (39,5) |
114 (42,9) |
43 (16,2) |
4 (1,5) |
|
Nº de consultas PNd <6 |
252 (49,3) |
196 (38,4) |
55 (10,8) |
8 (1,6) |
<0,001b |
>6 |
170 (20,4) |
470 (56,5) |
187 (22,5) |
5 (0,6) |
aUtilizado teste qui-quadrado. bUtilizado o teste de tendência linear. cA&CRO= Acolhimento e Classificação de Risco em Obstetrícia. dPN= Pré-natal.
DISCUSSÃO
O presente estudo demonstrou que a caracterização dos atendimentos de mulheres, residentes em Porto Alegre/RS, atendidas no A&CRO, de um hospital público, foi composta, predominantemente, por gestantes com faixa etária de 20 a 29 anos, solteiras, com >3 gestações e >6 consultas de pré-natal, que buscam o serviço com IG <37 semanas, e que são classificadas com prioridade clínica verde (pouco urgente). Em relação às características sociodemográficas, a amostra aproxima-se das características apontadas por pesquisas nacionais, em que as mulheres casam-se menos em relação aos anos anteriores8, com tendência a postergar, cada vez mais, a gestação9.
A literatura mostra que a saúde das gestantes pode estar relacionada a aspectos sociodemográficos10. A análise realizada neste estudo evidenciou que o aumento da faixa etária das pessoas atendidas no serviço foi diretamente proporcional ao número de taxas de internação. As internações podem ocorrer, com mais frequência, em gestantes com maior idade, já que estas tendem a ter mais gestações de alto risco, seja por comorbidades específicas da gravidez ou por patologias prévias que se exacerbam no período gravídico11,12. Por outro lado, adolescentes podem apresentar maior número de partos prematuros, considerando fatores de risco como nível de escolaridade mais baixo e menor número de consultas de pré-natal13.
Em sua maior parte, as pessoas do estudo autodeclararam-se como brancas, seguidas pela raça/cor preta. Em contraste com o perfil da população brasileira, que se autodeclara, majoritariamente, como parda, no estado do RS, a maioria da população autodeclara-se branca. Portanto, a amostra mostrou-se representativa da população estudada no aspecto raça/cor14. Em relação à raça/cor, apesar de não haver associação significativa na amostra, o grupo de mulheres pretas, pardas e amarelas apresentou encaminhamento para “Exames/procedimentos/medicação” com maior frequência, quando comparado às brancas.
Estudos que abordam a relação entre raça e acesso à saúde apontam que pessoas pretas, pardas e amarelas possuem um acesso à saúde, ao pré-natal e ao parto mais deficitário em relação às pessoas brancas15,16, fato que pode relacionar-se às iniquidades raciais e sociais que pessoas não brancas enfrentam no contexto de acesso e atendimento adequado à saúde no Brasil. Dessa forma, esse grupo de pessoas pode buscar, com mais frequência, os serviços de saúde hospitalares, para a realização de exames e procedimentos que poderiam ser realizados na atenção primária à saúde (APS). Ainda, pode chegar, na emergência obstétrica, com casos mais graves de saúde, necessitando de um maior número de exames complementares e realização de procedimentos do que o restante da população17.
As mulheres venezuelanas também foram mais encaminhadas para a realização de “Exames/procedimentos/medicação” do que as brasileiras e receberam, com maior frequência, a classificação verde do que as demais nacionalidades. A população venezuelana, em geral, tem migrado para o Brasil, em um contexto de conflito, falta de segurança humana e oportunidades no seu país de origem. Devido a isso, é uma população com um histórico importante de vulnerabilidades, o que pode gerar uma maior procura pelo serviço de emergência obstétrica, até mesmo em situações pouco urgentes18.
Em relação às características dos atendimentos, a maior parte da amostra foi classificada como verde. Pesquisas sobre o A&CRO demonstram um predomínio da classificação verde nas emergências obstétricas19-21. Estudo realizado em Fortaleza, com análise de 365 documentos, demonstrou que 57,5% das mulheres que buscaram atendimento, em uma emergência obstétrica, de uma maternidade pública, foram classificadas como pouco urgentes19. Entende-se que pessoas com classificação verde podem, muitas vezes, ser manejadas em outros pontos da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e não necessariamente em uma emergência obstétrica, por não possuírem risco urgente de agravo, como é o caso de usuárias classificadas como amarelas, laranjas e vermelhas. Portanto, o alto número de classificações verdes pode refletir a fragilidade da RAS e resultar em sobrecarga do serviço de emergência obstétrica21. A busca excessiva por esses serviços de emergência também pode ser fruto de aspectos culturais e pela sua característica de portas abertas22. Por outro lado, sabe-se que a APS possui um papel importante como ponto de acesso aos serviços de saúde e como coordenadora do cuidado23. Assim, a redução da sobrecarga das emergências obstétricas passa, necessariamente, pelo aprimoramento da comunicação entre a APS e os demais pontos da RAS21.
A sobrecarga do serviço estudado ainda pode estar representada pelo fato de gestantes sem partos vaginais prévios, pré-termo e/ou com <6 consultas de pré-natal terem recebido classificação verde com maior frequência em relação às demais. Além disso, na amostra, gestantes com IG <37 semanas e aquelas com <6 consultas de pré-natal foram mais frequentemente liberadas após primeira avaliação médica, sem necessidade de outras condutas. Esses dados retomam a importância de APS fortalecida, que possa atender demandas pouco urgentes e proporcionar um pré-natal resolutivo, considerando que isso é capaz de reduzir as taxas de morbimortalidade materna e infantil de uma população24. O MS preconiza que um pré-natal adequado deve incluir, pelo menos, seis consultas com início precoce e participação em atividades educacionais sobre os sinais de início do trabalho de parto e alterações clínicas que podem indicar riscos de gravidez25, além de atividades que facilitem o parto. A ausência de atividades educativas tem sido apontada como uma das principais inadequações da assistência ao pré-natal, já que um acompanhamento adequado apresenta potencial para reduzir a procura por atendimento em serviços de emergência obstétrica com queixas pouco urgentes5,26,27.
Outra estratégia que auxilia na diminuição das superlotações hospitalares é a própria implementação e o aprimoramento do A&CRO, garantindo atendimento em tempo oportuno, evitando a internação precoce e diminuindo intervenções obstétricas27. Apesar da constatação do percentual elevado de queixas pouco urgentes, é importante que o A&CRO cumpra sua função de resolver as demandas atendidas e realizar o referenciamento adequado, a fim de reduzir a peregrinação das usuárias pelos serviços de saúde28,29.
Na análise do local de realização do pré-natal, percebeu-se que gestantes provenientes do PNAR foram mais frequentemente encaminhadas para exames e procedimentos em comparação às demais categorias, apesar de terem sido mais classificadas como prioridade clínica verde. Uma análise mais aprofundada seria necessária para entender as razões dessa diferença, bem como para investigar os exames e procedimentos realizados, a fim de identificar se estes seriam demandas passíveis de resolução ambulatorial. Uma análise mais robusta também seria necessária para entender a relação entre o número de parto e de cesáreas prévias com as prioridades clínicas atribuídas, visto que as participantes com >3 partos prévios apresentaram maior percentual de classificação laranja, e aquelas com >3 cesáreas prévias ficaram com mais classificação amarela, quando comparadas às demais categorias.
Em relação aos tempos de espera para início do A&CRO, início do atendimento médico e duração dos atendimentos, a maioria da amostra foi atendida dentro dos tempos médios preconizados pelo MS. Observa-se que a existência de um tempo de espera acima do preconizado pelo MS ocorre, geralmente, pela busca desnecessária das emergências obstétricas e pela falta de treinamento dos profissionais que atuam nessas unidades29.
Estudo realizado em Recife mostrou que os tempos médios de duração da classificação de risco e da espera pelo atendimento médico estavam dentro do parâmetro preconizado pelo MS, com exceção do tempo entre cadastro e início da classificação de risco e do tempo de espera das usuárias com classificação vermelha20. Assim como apontado na literatura, nesta pesquisa, as mulheres classificadas como vermelhas não apresentaram tempo de atendimento dentro do prazo preconizado. Tal fato pode estar relacionado à falta de processos assistenciais adequados ou, ainda, à falta do registro oportuno30, considerando o fluxo estabelecido na instituição estudada, em que, frequentemente, realiza-se a estabilização do quadro clínico/obstétrico da usuária com queixas graves antes do registro eletrônico desses atendimentos.
Os indicadores de tempo servem de subsídio à avaliação do acesso à unidade de urgência e à pactuação dos fluxos de encaminhamento dos pacientes, assim como ao monitoramento da resolutividade e da organização do serviço para a garantia de uma assistência segura e humanizada3. Assim, a adequação dos tempos de atendimento e de espera é um importante indicador para avaliação e para planos de melhoria dos processos do A&CRO.
CONCLUSÕES
O estudo analisou a caracterização dos atendimentos de mulheres, residentes em Porto Alegre/RS, atendidas no A&CRO, em um hospital público. Os resultados mostraram que a amostra foi representativa da população estudada. As mulheres que acessaram o local do estudo apresentaram diversidade sociodemográfica, clínica e obstétrica, o que torna o A&CRO uma ferramenta de grande relevância para o reconhecimento de situações de iniquidades e seus impactos nos determinantes sociais de saúde. Os achados apontam para possível vulnerabilidade de mulheres não brancas e imigrantes, visto que estas foram mais frequentemente encaminhadas para exames/procedimentos/medicações. Ressalta-se a necessidade de redução de iniquidades de acesso à saúde, qualificando as ações do SUS, com vistas a atingir os princípios de equidade, universalidade e integralidade. Sobre as variáveis obstétricas estudadas, identificou-se que as mulheres da amostra eram provenientes dos postos de saúde da Capital, possuíam >3 gestações, realizaram >6 consultas de pré-natal e buscaram o serviço com IG <37 semanas em relação às demais categorias avaliadas.
A classificação verde (pouco urgente) foi predominante entre os atendimentos. Com isso, mostra-se a necessidade de fortalecimento da APS para que esse nível de assistência possa proporcionar um pré-natal de qualidade às gestantes, bem como a melhora da comunicação entre os serviços de saúde da RAS. Embora tenha sido observada sobrecarga da emergência obstétrica em questão com demandas pouco urgentes, a maior parte dos tempos de atendimento foi adequada conforme preconizado pelo MS.
Entre as limitações do estudo, está a coleta de dados, realizada de forma retrospectiva e com dados secundários de prontuário. Não foi possível coletar informações sobre escolaridade de parte da amostra, devido à perda de registro do prontuário eletrônico no período de estudo. As categorias da variável “situação conjugal” presentes no prontuário eletrônico foram outro fator limitante, visto que estas não permitem identificar se a pessoa possui parceiro(a) fixo(a). No estudo, também não foi realizado o agrupamento das mulheres que tiveram mais de um atendimento no A&CRO, no período de coleta de dados.
As potencialidades do estudo referem-se ao tema, que ainda carece de pesquisas, bem como ao tamanho amostral e à possibilidade de fortalecimento das práticas assistenciais na RAS e no local de estudo. Os achados destacam iniquidades sociais da amostra e ressaltam a importância da organização do A&CRO, por meio de protocolos, para a busca de atendimento, em tempo oportuno e resolutivo, nas maternidades do País.
Faz-se necessária a realização de pesquisas que possam abranger outros aspectos sociodemográficos, como a escolaridade, renda e ocupação das mulheres atendidas no A&CRO, e que possam verificar seus desfechos obstétricos e neonatais. Um instrumento de coleta de dados mais amplo e uma análise mais robusta seriam necessários para melhor compreender a relação das variáveis raça/cor e acesso à saúde. Por fim, ressalta-se a importância da utilização do A&CRO, nas maternidades brasileiras, para a garantia de uma assistência à saúde de qualidade às gestantes, reduzindo as taxas de morbimortalidade materna e neonatal.
REFERÊNCIAS
Fomento: A presente pesquisa não recebeu financiamento.
Agradecimentos: Agradecemos à contribuição dos enfermeiros do Grupo de Estudos da Linha de Cuidado Mãe-Bebê (GELCMB) com a execução do estudo.
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
Todos os autores contribuíram substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar.
Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447
Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(supl.1): e025087