USO DE COSMÉTICOS COM POTENCIAL PRESENÇA DE DISRUPTORES ENDÓCRINOS POR GESTANTES DE ALTO RISCO
USE OF COSMETICS WITH THE POTENTIAL PRESENCE OF ENDOCRINE DISRUPTORS BY HIGH-RISK PREGNANT WOMEN
USO DE COSMÉTICOS CON POTENCIAL PRESENCIA DE DISRUPTORES ENDOCRINOS POR MUJERES EMBARAZADAS DE ALTO RIESGO
https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.3-art.2546
1Ana Izabel de Oliveira Neta
2Laís dos Santos Rocha Souza
3Amanda Alves de Jesus
4 Dário Soares Ruas
5 Suellen Cristina Dias Emídio
6Alanna Fernandes Paraíso
1Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), Montes Claros- Minas Gerais, Brasil. Orcid: 0000-0003-3777-1290
2Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi), Cachoeiro de Itapemirim- Espírito Santo, Brasil. Orcid: 0009-0005-7481-5856
3 Faculdade e Saúde e Humanidades, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Orcid: 0009-0009-3976-2401
4Faculdades Santo Agostinho, Montes Claros, Minas Gerais, Brasil. Orcid: 0009-0000-3089-4410
5Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Orcid: 0000-0003-2790-0271
6Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. Orcid: 0000-0001-7400-140X
Autor correspondente
Alanna Fernandes Paraíso
Rua José Lourenço Kelmer, s/n, São Pedro, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil. E-mail: lana.paraiso@ufjf.br - Contato: +55 (32) 99990-3664
Submissão: 15-04-2025
Aprovado: 02-07-2025
RESUMO
Introdução: produtos cosméticos, amplamente utilizados pela sociedade moderna, podem conter disruptores endócrinos e causar impactos negativos na saúde, especialmente em mulheres que compõem a parcela da população que mais os consome. Consequentemente, as gestantes são alvo de preocupações, pois experienciam diversas mudanças fisiológicas que podem torná-las mais suscetíveis ao surgimento de doenças e agravos. Objetivo: identificar o uso de cosméticos com potencial presença de disruptores endócrinos por gestantes de alto risco e avaliar mudanças de hábitos durante a gravidez. Métodos: estudo transversal, descritivo e quantitativo com 253 gestantes de alto risco acompanhadas por um serviço especializado no Norte de Minas Gerais. As participantes responderam questionários sobre características sociodemográficas e uso de cosméticos. Resultados: medos ou incertezas quanto à segurança dos cosméticos foram relatados por 58,1%, apesar disso, 56,2% não buscaram orientação. Entre as que buscaram, os temas mais procurados foram alisamento (28,9%) e tintura capilar (26,5%), tendo a internet (23,7%) e médicos (20,2%) como principais fontes. A necessidade de mudança de hábitos foi maior entre gestantes com escolaridade ≥ 12 anos (p=0,007), e medos/incertezas foram mais comuns em gestantes com 36 anos ou mais (p=0,016) e maior escolaridade (p=0,002). Conclusão: gestantes usam de forma disseminada os produtos cosméticos, entretanto, a busca por aconselhamento especializado foi limitada, e a orientação quanto ao uso seguro de cosméticos na gestação mostrou-se incipiente, evidenciando uma lacuna na prática assistencial. Os achados deste estudo são importantes para sensibilizar sobre os riscos e orientar os profissionais de saúde.
Palavras-chave Gravidez de Alto Risco; Cosméticos; Disruptor Endócrino; Gravidez.
ABSTRACT
Introduction: cosmetic products, widely used by modern society, can contain endocrine disruptors and cause negative impacts on health, especially in women who make up the largest consumer segment of the population. Consequently, pregnant women are a cause for concern, as they experience several physiological changes that can make them more susceptible to the emergence of diseases and injuries. Objective: to identify the use of cosmetics with potential presence of endocrine disruptors by high-risk pregnant women and to evaluate changes in habits during pregnancy. Methods: cross-sectional, descriptive, and quantitative study with 253 high-risk pregnant women followed by a specialized service in northern Minas Gerais. Participants answered questionnaires about sociodemographic characteristics and use of cosmetics. Results: fears or uncertainties regarding the safety of cosmetics were reported by 58.1%; despite this, 56.2% did not seek guidance. Among those who sought guidance, the most sought-after topics were straightening (28.9%) and hair dye (26.5%) with the internet (23.7%) and doctors (20.2%) as the main sources. The need to chance habits was greater among pregnant women with ≥ 12 years of schooling (p=0.007), and fears/uncertainties were more common in pregnant women aged 36 years or older (p=0.016) and more years of study (p=0.002). Conclusion: Pregnant women use cosmetic products extensively; however, the search for specialized advice was limited, and guidance on the safe use of cosmetics during pregnancy was incipient, highlighting a gap in healthcare practice. Our findings are important to raise awareness about the risks and guide health professionals.
Keywords: High Risk Pregnancy; Cosmetics; Endocrine Disruptor; Pregnancy.
RESUMEN
Introducción: los productos cosméticos, ampliamente utilizados por la sociedad moderna, pueden contener disruptores endocrinos y causar impactos negativos en la salud, especialmente en las mujeres que constituyen el mayor segmento de consumidores de la población. Por ello, las mujeres embarazadas son motivo de preocupación, ya que experimentan varios cambios fisiológicos que pueden hacerlas más susceptibles a la aparición de enfermedades y lesiones. Objetivo: identificar el uso de cosméticos con potencial presencia de disruptores endocrinos por parte de embarazadas de alto riesgo y evaluar cambios de hábitos durante el embarazo. Métodos: estudio transversal, descriptivo y cuantitativo con 253 gestantes de alto riesgo acompañadas por un servicio especializado del norte de Minas Gerais. Los participantes respondieron cuestionarios sobre características sociodemográficas y uso de cosméticos. Resultados: el 58,1% manifestó temores o incertidumbres respecto a la seguridad de los cosméticos, a pesar de ello el 56,2% no buscó orientación. Entre quienes realizaron búsquedas, los temas más buscados fueron el alisado (28,9%) y el tinte para el cabelo (26,5%), siendo internet (23,7%) y los médicos (20,2%) las principales fuentes. La necesidad de cambio de hábitos fue mayor entre las embarazadas com ≥ años de educación (p=0,007), y los miedos/incertidumbres fueron más frecuentes em las embarazadas de 36 años o más (p=0,016) y com más años de estudio (p=0,002). Conclusión: las mujeres embarazadas utilizan ampliamente los cosméticos, sin embargo, la búsqueda de asesoramiento especializado fue limitada y la orientación sobre el uso seguro de cosméticos durante el embarazo fue incipiente, lo que pone de relieve una brecha en la práctica de atención de salud. Nuestros hallazgos son importantes para crear conciencia sobre los riesgos y orientar a los profesionales de la salud.
Palabras clave: Embarazo de Alto Riesgo; Productos Cosméticos; Disruptor Endocrino; Embarazo.
INTRODUÇÃO
Os produtos cosméticos (PCs) são formulações compostas por substâncias naturais ou sintéticas, destinadas ao uso externo em diversas partes do corpo humano, como a pele, cabelos, unhas, lábios, órgãos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral. Seu objetivo principal é limpar, perfumar e alterar a aparência (1).
Recentemente, os cosméticos têm ganhado crescente popularidade na sociedade moderna, além de ocuparem uma importante posição econômica, já que o Brasil é o quarto maior mercado consumidor de produtos de beleza no mundo (2). É importante salientar que alguns desses produtos podem conter substâncias que, se usadas de forma prolongada e excessiva, podem prejudicar a saúde humana. Entre essas substâncias, destacam-se os disruptores endócrinos ou substâncias químicas desreguladoras endócrinas (3) que podem perturbar a homeostase hormonal, interferindo na síntese, função, armazenamento e metabolismo dos hormônios(4).
Os disruptores endócrinos são frequentemente encontrados em cosméticos, como esmaltes, desodorantes, xampus, hidratantes e protetores solares(5). Os mais comuns encontrados nesses produtos incluem parabenos, benzofenona, ftalatos, triclosan, BPA, formaldeído e fragrâncias(5). Eles estão presentes em uma variedade de itens, como maquiagens, desodorantes, hidratantes, protetor solar, esmaltes, óleos, produtos para cabelo e perfumes. Esses itens são amplamente usados por mulheres e gestantes(6) e podem afetar a saúde feminina ao causar alterações no sistema endócrino e provocar impactos metabólicos, como obesidade e diabetes(7), distúrbios de fertilidade(8) e um risco aumentado para certos tipos de câncer, como o de mama(9).
Ao adentrar no período gestacional, alguns estudos relacionam os disruptores endócrinos ao risco elevado de resultados adversos na gravidez, e podem aumentar os riscos para complicações(10)como restrição de crescimento intrauterino, diabetes gestacional, pré-eclâmpsia(11-13), recém-nascidos pequenos para a idade gestacional, baixo peso ao nascer, parto prematuro, aborto espontâneo entre outras (8,9). Essas condições podem impactar a gestação e modificar a estratificação do risco gestacional, que pode ser avaliado como risco habitual, intermediário ou alto risco. A estratificação do risco gestacional é determinada com base em fatores, agrupados de acordo com: condições individuais, socioeconômicas e familiares; histórico reprodutivo anterior; e condições e intercorrências clínicas ou obstétricas na gestação atual(14).
Em gestantes esses compostos podem ser detectáveis na urina, sangue, leite materno e líquido amniótico, onde podem se acumular e prejudicar a função placentária. A placenta desempenha um papel crucial durante a gestação, pois promove a segurança e a homeostase fetal, realiza a troca de nutrientes e gases essenciais para o desenvolvimento do feto e atua como uma barreira protetora contra agressões externas(15).
Globalmente, as mulheres parecem estar mais preocupadas com os riscos associados à exposição a PCs durante a gravidez. Estudos têm mostrado que as gestantes consideram os cosméticos como um risco durante a gestação(16), e, como uma fonte de desreguladores endócrinos(17). Em um estudo ocorrido na França, o qual acompanhou 484 mulheres grávidas, observou maiores concentrações urinárias de triclosan e parabeno naquelas com menor escolaridade(18). Em contraponto, uma coorte realizado na China, com 600 mulheres grávidas para identificar possíveis exposições a substâncias químicas desreguladoras endócrinas mostrou que as concentrações séricas dessas substâncias tendem a ser maiores em participantes com níveis de escolaridade mais elevada e com mais de 35 anos, em comparação com aquelas com menos de 35 anos(15). Isso pode ser explicado pelo fato de que mulheres com essas características tendem a usar PCs com mais frequência, o que aumenta o risco de exposição.
Pesquisas mostram que mulheres grávidas frequentemente usam diversos produtos de cuidados pessoais, sem dar muita atenção ou ter conhecimento sobre a segurança desses cosméticos(5,8). Portanto, é muito importante realizar estudos que avaliem o uso de cosméticos que possam conter substâncias com potencial de desregulação endócrina nessa população específica(19).
Embora os efeitos dos disruptores endócrinos na saúde humana tenham sido bastante discutidos em periódicos internacionais nos últimos anos, observa-se que a percepção das gestantes sobre o uso de cosméticos durante a gestação, seus riscos e a potencial presença de disruptores endócrinos ainda é pouco explorada, principalmente em periódicos nacionais. Mediante a hipótese de que as gestantes fazem uso de cosméticos com presença de disruptores endócrinos na gestação, questiona-se o nível de informação e a possibilidade de identificarem os danos que podem chegar à sua saúde e, também, ao desenvolvimento fetal. Portanto, é crucial reconhecer as mudanças nos hábitos de uso desses produtos durante a gravidez para que estratégias de sensibilização, visando modificar atitudes e comportamentos durante a gestação, sejam adotadas a fim de prevenir e/ou reduzir a exposição de mulheres grávidas aos disruptores endócrinos.
Em face do exposto, o objetivo desta pesquisa foi identificar o uso de cosméticos com potencial presença de disruptores endócrinos por gestantes atendidas em um serviço de alto risco e avaliar as mudanças de hábitos na gestação.
MÉTODOS
Tratou-se de uma pesquisa descritiva e de abordagem quantitativa que seguiu a diretriz do "Strengthening the Reporting of Observational studies in Epidemiology"- STROBE(20).
O cenário do estudo foi um Centro Especializado em Saúde da Mulher, que acompanha gestantes durante o pré-natal de alto risco, no nível de média complexidade, localizado em uma cidade em Minas Gerais que é polo de saúde da macrorregião norte do estado (21). Tal serviço conta com uma equipe multiprofissional, que oferece serviços de atenção à saúde reprodutiva, acompanhamento ao pré-natal, parto e nascimento, exames citopatológicos, mamografias e serviço de fisioterapia.
Para compor a amostra de gestantes, aplicou-se a fórmula de estudos transversais com população finita (22). Optou-se por erro amostral tolerável de 5%, intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e proporção populacional de 50%. Fez-se correção para população finita (n=468 gestantes) e se estabeleceu um acréscimo de 10% para compensar as possíveis não respostas e perdas, o que resultou em uma amostra de, no mínimo, 232 gestantes. O cálculo amostral estatístico foi realizado por meio do software Open Epi, versão 3.
A população do estudo incluiu 253 gestantes que foram selecionadas por conveniência por meio da lista de agendamento de consultas. Os critérios de inclusão foram: gestantes em qualquer idade gestacional, referenciadas para realizarem o pré-natal de alto risco no serviço, que residiam na área urbana, com idade igual ou superior a 18 anos e que aceitaram participar do estudo após leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídas da pesquisa as gestantes que apresentavam comprometimento cognitivo que impedisse a participação no estudo.
As coletas foram realizadas no período entre julho e novembro de 2023 por uma equipe composta por três pesquisadoras que estavam aptas para garantir o rigor científico. Os dados foram coletados na sala de espera enquanto as gestantes aguardavam atendimento ambulatorial. No primeiro momento, foi realizada a coleta de dados por meio da aplicação de um questionário com duas partes: a primeira relacionava-se à caracterização da amostra, com auxílio do questionário validado e intitulado “Instrumento de Caracterização Sociodemográfica e Econômica”(23), e a segunda apresentava perguntas sobre o uso de PCs durante a gestação, composta por 26 questões objetivas. O questionário foi desenvolvido pelas pesquisadoras, com base em questionários similares, encontrados em estudos relacionados a esta temática, que puderam embasar a construção do presente instrumento(16). Cada coleta durou cerca de 30 minutos.
Os dados foram tabulados por meio do software Statistical Package Social Science (SPSS), versão 22.0 para Windows®. Para a análise desses dados, foi realizada análise descritiva de todas as variáveis por meio de sua distribuição de frequência absoluta (n) e relativa (%). Na análise bivariada, foi aplicado o teste qui-quadrado para verificar a associação entre a variável dependente e as variáveis independentes ao nível de significância p < 0,05.
O estudo foi conduzido em consonância com as normas para pesquisas envolvendo seres humanos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, após Parecer nº 6.136.690 e CAAE 68026623.1.0000.5147 do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora.
RESULTADOS
A amostra foi composta por 253 gestantes, sendo a maioria na faixa etária de 18 a 45 anos com uma média de 29±7. Um número expressivo das gestantes se autodeclarou parda, constituindo 63,2% (n=160) do grupo estudado. Em relação ao estado civil, 71,5% (n=181) das gestantes vivem com o companheiro. Referente à escolaridade, a predominância é de gestantes com 12 anos ou mais de ensino, 87% (n=220), sendo que a maioria havia concluído apenas o ensino médio. A maioria das gestantes se identificou como católica, 47,8% (n=121) ou evangélica, 45,5% (n=115). Quanto à situação funcional, 60,9% (n=154) estão empregadas e 39,1% (n=99) compreendem as desempregadas (Tabela 1).
Tabela 1 - Características sociodemográficas, obstétricas e clínicas das gestantes (n=253), Montes Claros/MG.
Variável |
|
n |
% |
Idade |
18 – 35 |
197 |
77,9 |
> 36 |
56 |
22,1 |
|
|
|
|
|
Cor autorreferida |
Parda |
160 |
63,2 |
Negra |
50 |
19,8 |
|
Branca |
39 |
15,4 |
|
Outras (amarela e indígena) |
4 |
1,6
|
|
Situação conjugal |
Vive com companheiro |
181 |
71,5 |
Vive sem companheiro |
72 |
28,5
|
|
Escolaridade |
< 9 anos |
4 |
1,6 |
9 a 11 anos |
29 |
11,5 |
|
> = 12 anos |
220 |
87,0
|
|
Religião |
Católica |
121 |
47,8 |
Evangélica |
115 |
45,5 |
|
Espírita |
17 |
6,7
|
|
Situação funcional |
Com ocupação laboral Sem ocupação laboral |
154 99 |
60,9 39,1 |
Idade gestacional |
1º trimestre |
20 |
7,9 |
2º trimestre |
105 |
41,5 |
|
3º Trimestre |
128 |
50,6
|
|
Tipo de gravidez |
Singular (feto único, só um bebê) |
240 |
95,2 |
Múltipla (gêmeos) |
11 |
4,4
|
|
Qual motivo do acompanhamento de risco? |
Diabetes mellitus gestacional |
72 |
30,6 |
Distúrbios hipertensivos específicos da gravidez |
26 |
11,1 |
|
Não informado |
11 |
4,7 |
|
Hipertensão arterial |
12 |
5,1 |
|
Anemia |
15 |
6,4 |
|
Outros |
98 |
41,7
|
|
Primeira gravidez? |
Não |
152 |
60,1 |
Sim |
101 |
39,9
|
|
Já teve abortos? |
Não |
202 |
79,8 |
|
Sim |
51 |
20,2 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
Em relação à idade gestacional, a maior parte das gestantes estava no terceiro trimestre, representando 50,6% (n=128). A maioria das gestações era singular, contabilizando 95,2% (n=240). Os principais motivos para o acompanhamento em serviço de referência para alto risco durante a gravidez incluíam diabetes mellitus gestacional, presente em 30,6% (n=72) das gestantes, distúrbios hipertensivos específicos da gravidez, em 11,1% (n=26), e hipertensão arterial, em 5,1% (n=12). Um número significativo de gestantes não estava em sua primeira gestação, totalizando 60,1% (n=152). Além disso, 79,8% (n=202) das gestantes não haviam passado pela experiência de aborto (Tabela 1).
A Tabela 2 mostra a frequência do uso de cosméticos pelas gestantes do estudo antes do período gestacional. Todas as participantes utilizavam sabonete e xampu regularmente. A maioria expressiva, 99,2% (n=252), usava creme dental, condicionador e desodorante. O enxaguante bucal era utilizado por 50,6% (n=128) das gestantes. O hidratante corporal também era amplamente utilizado, com 96% (n=243) das gestantes usando-o frequentemente. O protetor solar, por sua vez, era usado regularmente por 53% (n=134). Em relação aos cuidados com a pele e beleza, 91,7% (n=232) faziam uso de perfume. A maquiagem era popular entre 71,1% (n=180) das gestantes, seguida pela esmaltação e uso de acetona por 66% (n=166) e óleo corporal por 35,3% (n=90) das gestantes. Os resultados sobre tinturas e alisamentos para os cabelos mostram que as gestantes não usavam ou usam raramente esses produtos.
Tabela 2 - Uso de produtos cosméticos antes do período gestacional pelas gestantes (n=253).
Variáveis |
|
n |
% |
|
Usa com frequência |
253 |
100 |
Usa raramente |
- |
- |
|
Não usa |
- |
- |
|
Hidratante
|
Usa com frequência |
243 |
96,0 |
Usa raramente |
3 |
1,3 |
|
Não usa |
7 |
2,8 |
|
|
Usa com frequência |
134 |
53,0 |
Protetor solar* |
Usa raramente |
23 |
9,1 |
|
Não usa |
95 |
37,5 |
|
Usa com frequência |
251 |
99,2 |
Condicionador |
Usa raramente |
- |
- |
|
Não usa |
2 |
0,8 |
Creme dental
|
Usa com frequência |
252 |
99,6 |
Usa raramente |
- |
- |
|
Não usa |
1 |
0,4 |
|
Enxaguante bucal
|
Usa com frequência |
128 |
50,6 |
Usa raramente |
7 |
2,8 |
|
Não usa |
118 |
46,6 |
|
Desodorantes
|
Usa com frequência |
251 |
99,2 |
Usa raramente |
1 |
0,4 |
|
Não usa |
1 |
0,4 |
|
|
Usa com frequência |
166 |
66,0 |
Esmaltes/Acetona* |
Usa raramente |
67 |
26,5 |
|
Não usa |
19 |
7,5 |
|
Usa com frequência |
26 |
10,3 |
Clareadores |
Usa raramente |
7 |
2,8 |
|
Não usa |
220 |
86,9 |
|
Usa com frequência |
180 |
71,1 |
Maquiagem* |
Usa raramente |
41 |
16,2 |
|
Não usa |
30 |
11,9 |
|
Usa com frequência |
90 |
35,3 |
Óleo corporal* |
Usa raramente |
24 |
9,5 |
|
Não usa |
137 |
54,2 |
|
Usa com frequência |
232 |
91,7 |
Perfume |
Usa raramente |
7 |
2,8 |
|
Não usa |
14 |
5,5 |
Tintas* |
Usa com frequência |
5 |
2,0 |
|
Usa raramente |
115 |
45,5 |
|
Não usa |
132 |
52,2 |
|
Usa com frequência |
2 |
0,8 |
Alisamento* |
Usa raramente |
123 |
48,6 |
|
Não usa |
127 |
50,2 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
A Tabela 3 exibe os dados que identificam a variação na quantidade e na frequência do uso de PCs pelas gestantes do estudo, considerando seus hábitos de cuidados durante a gravidez. Em relação aos cuidados com o rosto e as unhas, observou-se que a maioria das entrevistadas não mudou os hábitos. Observaram-se mudanças relacionadas ao corpo e cabelos. Em relação aos cuidados com o corpo, observou-se um aumento tanto na quantidade, com 70,4% (n=178), quanto na frequência, com 68,8% (n=174). Os cuidados com o cabelo apresentaram uma redução, com 53,4% (n=135) para a quantidade e 53% (n=134) para a frequência.
Tabela 3 - Identificação da quantidade e frequência do uso de produtos cosméticos durante a gravidez (n=253).
Variável |
Quantidade (n) |
% |
Frequência (n) |
% |
Cuidados com o rosto |
|
|
|
|
Aumentou |
75 |
29,6 |
74 |
29,3 |
Diminuiu |
35 |
13,8 |
35 |
13,8 |
Não se alterou |
143 |
56,6 |
144 |
56,9 |
Cuidados com o corpo |
|
|
|
|
Aumentou |
178 |
70,4 |
174 |
68,8 |
Diminuiu |
12 |
4,7 |
11 |
4,3 |
Não se alterou |
63 |
24,9 |
68 |
26,9 |
Cuidados com o cabelo |
|
|
|
|
Aumentou |
14 |
5,5 |
13 |
5,1 |
Diminuiu |
135 |
53,4 |
134 |
53,0 |
Não se alterou |
104 |
41,1 |
106 |
41,9 |
Cuidados com as unhas |
|
|
|
|
Aumentou |
7 |
2,8 |
7 |
2,8 |
Diminuiu |
36 |
14,2 |
35 |
13,8 |
Não se alterou |
210 |
83,0 |
211 |
83,4 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
Dentre as gestantes do estudo, 58,1% (n=147) expressaram medos ou incertezas quanto à segurança desses produtos. Uma maior parcela das gestantes, 64,8% (n=164), sentiu a necessidade de alterar seus hábitos relacionados ao uso de cosméticos durante a gestação. Apesar de a maioria sentir necessidade de mudar os hábitos sobre o uso de cosméticos durante a gestação, 56,2% (n=141) não buscaram aconselhamento para o uso de cosméticos na gravidez (Tabela 4).
Tabela 4 - Hábitos e sentimentos relacionados ao uso de cosméticos entre as gestantes avaliadas (n=253), Montes Claros/MG.
Variável |
|
n |
% |
Tem medos/incertezas quanto à utilização de cosméticos durante a gravidez?
|
Não |
104 |
41,1 |
Sim |
147 |
58,1
|
|
Sentiu a necessidade de mudar os hábitos relacionados ao uso dos cosméticos durante a gravidez? |
Não |
89 |
35,2 |
Sim |
164 |
64,8
|
|
Procurou aconselhamento para uso de cosméticos na gravidez |
Não |
141 |
56,2 |
Sim |
110 |
43,8 |
Fonte: Elaborado pelos autores (2024).
Na sequência, estão as respostas referentes às alternativas, que só poderiam ser respondidas pelas gestantes que disseram "sim" às opções da Tabela 4. As gestantes que responderam “sim” (n=147) sobre a pergunta “quais medos/incertezas em relação ao uso de cosméticos durante a gravidez” poderiam escolher mais de uma opção sobre quais medos/incertezas ou descrever algum outro medo, além das alternativas fornecidas. As opções de resposta eram usar PCs que possam prejudicar o desenvolvimento do bebê; usar PCs em excesso; não usar os PCs adequados para prevenir as modificações no corpo provocadas pela gravidez e usar PCs prejudiciais para a saúde da gestante. A maioria das gestantes, 54,5% (n=138), referiu ter medo de usar produtos que possam prejudicar o desenvolvimento do bebê, ou prejudiciais para a saúde delas, 15,8% (n=40). Uma pequena parcela informou que seria não usar os produtos adequados para prevenir as modificações no corpo provocadas pela gravidez, 2,4% (n=6), e 0,8% (n=2) usar PCs em excesso.
As perguntas seguintes estão relacionadas às gestantes que responderam “sim” (n=110) referente à “procura por aconselhamento para uso de cosméticos na gravidez”. Quando questionadas sobre a relação de cosméticos e cuidados para os quais buscavam orientações durante a gestação, elas poderiam responder a mais de uma opção de PCs ou descrever algum outro produto, além das alternativas disponíveis. Observou-se que tratamento/alisamento capilar e tintura de cabelo foram os PCs e cuidados com maior prevalência na busca de informações pelas gestantes deste estudo, sendo 28,9% (n=73), seguida de tintura para cabelo 26,5% (n=67). Outra preocupação foi com o uso de cremes para o rosto e corpo 8,7% (n=22). Quanto ao uso de repelentes, as gestantes demonstraram baixa procura por ajuda e aconselhamento sendo apenas 4,3% (n=11), seguido de maquiagem 3,2% (n=8), produtos para unhas 1,2% (n=3) e higiene capilar 0,8% (n=2).
Referente à pergunta com qual(is) pessoas/profissionais ou meios de comunicação por meio dos quais a gestante buscou ajuda/aconselhamento para obter orientações, a qual permitia escolher mais de uma opção como resposta, o principal meio para obter informação pelas gestantes do estudo foi a internet, 23,7% (n=60) e 20,2% (n=51), médico da atenção primária à saúde (APS), ginecologista e dermatologista. Outra forma de buscar aconselhamento foi entre amigas(o) e familiares 13,8% (n=35). Poucas gestantes se informaram com enfermeiro da APS, enfermeiro especialista em saúde da mulher e obstetrícia 5,1% (n=13), cabelereiro 3,9% (n=10) e farmacêutico 3,6% (n=9).
A Tabela 5 apresenta os resultados da análise bivariada entre características sociodemográficas (cor autorreferida, idade e escolaridade) e a percepção das gestantes quanto à necessidade de mudança de hábitos e presença de medos ou incertezas relacionados ao uso de cosméticos durante a gestação. Com relação à cor autorreferida, não foi observada diferença significativa na análise bivariada (p=0,806 e p=0,461). Em relação à faixa etária, observou-se uma associação significativa com a presença de medos/incertezas quanto a utilização dos cosméticos em gestantes com 36 anos ou mais (p=0,016), comparadas às mais jovens. Uma maior escolaridade (≥12 anos) mostrou associação tanto com a necessidade de mudança de hábitos (p=0,007) quanto com medos/incertezas relacionados ao uso de cosméticos durante a gestação (p=0,002).
Tabela 5 - Análise bivariada da cor autorreferida, idade e escolaridade associados a necessidade de mudança de hábitos e medos/incertezas quanto ao uso de cosméticos na gestação (n=164), Montes Claros/MG.
Variáveis |
Sentiu a necessidade de mudar de hábitos quanto ao uso de cosméticos? |
Teve medos/incertezas quanto a utilização de cosméticos |
|||||
Sim |
Não |
p-valor |
Sim |
Não |
p-valor |
||
n (%) |
n (%) |
|
n (%) |
n (%) |
|
||
Cor autorreferida |
|
|
|
0,806 |
|
|
0,461 |
|
Branco |
25 (64,1) |
14 (35,9) |
|
26 (66,7) |
13 (33,3) |
|
|
Negro |
35 (70) |
15 (30) |
|
32 (64) |
18 (36) |
|
|
Pardo |
101 (73,1) |
59 (36,9) |
|
87 (55,1) |
71 (44,9) |
|
|
Outros |
3 (75) |
1 (25) |
|
2 (50) |
2 (50) |
|
Idade |
|
|
|
0,241 |
|
|
*0,016 |
|
18-35 |
124 (62,9) |
73 (37,1) |
|
107(54,6) |
89 (45,4) |
|
|
36+ |
40 (71,4) |
16 (28,6) |
|
40 (72,7) |
15 (27,3) |
|
Escolaridade |
|
|
|
*0,007 |
|
|
*0,002 |
|
< 9 anos |
7 (77,8) |
2 (22,2) |
|
4 (44,4) |
5 (55,6) |
|
|
9 a 11 anos |
110 (59,1) |
76 (40,9) |
|
98 (53) |
87 (47) |
|
|
≥12 anos |
47 (81) |
11 (19) |
|
45 (78,9) |
12 (21,1) |
|
Fonte: Elaborado pelos autores (2024). *Qui-quadrado de Pearson = p<0,05
DISCUSSÃO
A população analisada consistiu em gestantes jovens adultas que estavam sendo acompanhadas em um serviço de pré-natal de alto risco. No momento da pesquisa, a maioria das participantes estava no terceiro trimestre. Observou-se um uso expressivo de cosméticos por todas as gestantes antes da gravidez. A maioria das gestantes aumentou a quantidade de cuidados com o corpo, enquanto uma parcela significativa reduziu os cuidados com o cabelo. Medos ou incertezas quanto à segurança dos cosméticos foram relatados, principalmente relacionados ao desenvolvimento do bebê. Apesar disso, boa parte não buscou orientação. Entre as que buscaram, prevaleceu uma busca por informações relacionadas ao alisamento e à tintura capilar, com internet e médicos como principais fontes.
As características sociodemográficas deste estudo indicam uma predominância de mulheres pardas, seguidas por negras. Esse perfil é significativo ao considerar o acesso e o uso de PCs, que podem variar substancialmente com a etnia devido às diferenças culturais, econômicas e à disponibilidade de produtos específicos no mercado. A variabilidade no uso de cosméticos entre diferentes grupos étnicos pode influenciar diretamente a exposição a substâncias químicas desreguladoras endócrinas(17).
Em uma coorte com mulheres negras, observou-se que o uso de produtos capilares foi associado a maiores concentrações de ftalato e parabeno. Os produtos capilares podem ser uma via importante de exposição a substâncias químicas desreguladoras endócrinas entre mulheres negras(24), as quais são mais propensas a usar esses produtos do que mulheres de outros grupos raciais. O estudo também aponta que os padrões de textura capilar influenciam o uso de produtos capilares, com mulheres negras mais propensas a usarem relaxantes capilares e estimuladores de raiz devido a pressões socioculturais(25).
As participantes do estudo mencionado se mostraram semelhantes às mulheres investigadas nesta pesquisa em termos de características raciais, culturais e hábitos relacionados ao uso de produtos para cabelo. As gestantes reduziram o uso de produtos para o cabelo durante a gestação e mostraram ter medo ou incertezas com alguns tratamentos capilares durante a gestação. Esses resultados indicam a necessidade do acesso às informações sobre o consumo de PCs que ofereçam menor exposição a substâncias químicas desreguladoras endócrinas, bem como sobre as diversas formas de exposição às disparidades. Uma abordagem preventiva e uma adequação na rotulagem permitiriam que as mulheres selecionassem produtos alinhados com seus valores, proporcionando mais segurança.
Outro dado sociodemográfico relevante é a idade. A idade pode ser um determinante significativo na avaliação da percepção de risco relacionada à exposição às substâncias químicas desreguladoras endócrinas durante a gravidez ou no período pós-parto, uma vez que gestantes acima dos 35 anos tendem a ter um aumento na percepção de risco em relação à exposição a essas substâncias(19). Embora a idade seja amplamente reconhecida como um determinante na percepção de risco, isso pode estar mais intimamente relacionado à experiência pessoal de risco. Afinal, ao longo de sua vida, uma mulher mais velha tem maior probabilidade de ter experimentado situações de risco do que uma mulher mais jovem(19). Corroborando este estudo, os achados mostraram uma associação positiva entre gestantes com 36 anos e mais, em relação a ter medos e incertezas quanto à utilização de cosméticos.
A educação, outra característica relevante, mostra uma maioria de mulheres com ensino médio completo. Estudos indicam que o nível educacional pode influenciar o conhecimento sobre os componentes dos cosméticos e a percepção de seus riscos, em que as gestantes com maior nível de educação tendem a escolher produtos com menos componentes de risco(16). Neste estudo, houve uma correlação positiva entre fatores correspondentes, ligados à dúvida, medos e incertezas para com a necessidade de mudar os hábitos na gravidez e à escolaridade. Os dados mostram que gestantes com ≥ 12 anos de escolaridade sentiram a necessidade de mudar os hábitos por medos e incertezas, quanto ao uso de PCs. Esses resultados sugerem que fatores como maior escolaridade e idade podem estar associados a maior percepção de risco e conscientização sobre os possíveis efeitos adversos do uso de cosméticos com potencial presença de desreguladores endócrinos durante a gestação.
Neste estudo, a maior parte das gestações analisadas foi única, com algumas complicações como diabetes gestacional e síndromes hipertensivas específicas da gravidez. Essas condições observadas podem ser influenciadas por fatores ambientais e exposição a produtos químicos contendo disruptores endócrinos, os quais, por sua vez, levam a distúrbios endócrinos que podem contribuir para essas alterações na saúde gestacional(26).
No estudo atual, a maioria das gestantes intensificou o uso dos produtos para o corpo, como os hidratantes corporais, óleos minerais e produtos para prevenção de estrias, seguidos de produtos para higienizar os cabelos, como xampu e condicionador. Entretanto, reduziu o uso de repelentes e a maioria não usava protetor solar, porém não receberam orientações quanto ao uso, mesmo morando em uma cidade cujo clima é de altas temperaturas e incidência solar na maior parte do ano. Quase todas as gestantes usaram PCs, como sabonete e xampu, o que sugere uma ampla exposição a possíveis componentes nocivos desses produtos. O uso recorrente de PCs está associado a níveis mais altos de parabenos no cabelo das gestantes, esses compostos são comumente encontrados em sabonetes e xampus(26).
Assim, é aconselhável que as pessoas sejam cautelosas ao utilizar cosméticos durante a gestação e mantenham o uso do produto com fórmulas seguras para prevenção das modificações que podem ocorrer durante a gestação, como as alterações na pigmentação da pele que podem gerar um descontentamento com a autoimagem e prejuízo para a saúde da gestante(13,27).
Neste estudo, constatou-se que a maioria das gestantes (58,1%) apresentavam medos e incertezas quanto ao uso de cosméticos e 64,8% sentiram a necessidade de mudar seus hábitos em relação ao uso de cosméticos durante a gestação. Dentre as gestantes que apresentaram medos e incertezas para o uso de cosméticos durante a gestação, a maioria avaliou como principais medos o fato de usar produtos que possam prejudicar o desenvolvimento do bebê e usar produtos prejudiciais para a saúde da gestante. Corroborando este estudo, uma pesquisa realizada na França, com gestantes, avaliou que a mudança de hábitos vem precedida da percepção do risco a que as mulheres estão expostas, quando, ao estarem experienciando um momento de cuidados com a gravidez, as gestantes tendem a mudar os hábitos de uso de cosméticos nesse período, por acreditarem que os cosméticos podem representar um risco para o feto em desenvolvimento(16).
Tendo em vista que as participantes do estudo estavam em gestação de risco, há de se considerar que surjam aspectos ligados à dúvida, medos, incertezas quanto à necessidade de mudar os hábitos na gravidez, a fim de resguardar a sua saúde e a do feto. Os dados mostram que a existência de dúvidas conduz aos medos que, por sua vez, levam a fontes de orientação para acontecerem mudanças sobre o contexto dos hábitos na gestação. Diferente dos dados deste estudo, a redução do uso de cosméticos durante a gestação pode nem sempre ser afetada(14). Outro estudo mostrou que a redução no uso de cosméticos que contêm substâncias químicas desreguladoras endócrinas era limitada, em que apenas 13% das mulheres relataram a redução e 30% adaptaram para o uso de cosméticos alternativos(19).
As mudanças nos hábitos referentes ao uso de cosméticos durante a gestação, motivadas por preocupações com a segurança, refletem uma conscientização crescente, mas também a necessidade de informações claras e fundamentadas em evidências. Uma pesquisa envolvendo 9.710 mulheres grávidas destacou a necessidade de informações adequadas sobre os riscos associados ao uso de cosméticos durante a gravidez, indicando que muitas gestantes não recebem tal orientação(17).
A busca por orientação é geralmente precedida por experiência ou conhecimento prévio, seja científico ou informal, sobre os efeitos e influências que os cosméticos podem exercer em determinadas condições(28). A busca por aconselhamento relacionado ao uso de cosméticos durante a gestação apresentou um perfil heterogêneo quanto à fonte consultada. Isso porque as gestantes buscaram se informar pela internet, médico ginecologista, médico e enfermeiro da saúde da família, amigos, familiares e cabeleireiros. Essa diversidade de fontes indica uma falta de referência centralizada e descentralização na busca de informações. Além disso, os achados deste estudo evidenciaram que a maioria das orientações sobre o uso seguro de PCs não são feitas por profissionais de saúde.
Um estudo publicado recentemente buscou compreender a percepção de risco pelos profissionais de saúde sobre os desreguladores endócrinos presentes nos cosméticos e gestação. Os resultados mostraram que a maioria dos entrevistados não possuem conhecimento do termo “disruptor endócrino” e das possíveis complicações decorrentes da exposição na gravidez, além de não se sentirem aptos para prestar um aconselhamento seguro sobre a temática, devido à inexistência do conteúdo durante a formação acadêmica. A dificuldade de encontrar informações seguras sobre os cosméticos que podem ser utilizados durante a gestação também foi um relato frequente dos participantes. Isso se torna um fator de risco, tendo em vista o efeito nocivo deles no período gestacional e para o desenvolvimento fetal(29,30).
A internet se destaca como uma plataforma acessível para a obtenção de informações, onde comunidades esclarecem dúvidas sobre cuidados e suporte emocional durante a gestação(31). No entanto, a procura por apoio e aconselhamento de profissionais de saúde tem sido baixa. Espera-se que os resultados deste estudo estimulem os profissionais de saúde a se informarem para orientar as gestantes sobre os riscos dos cosméticos que possam conter substâncias químicas desreguladoras endócrinas.
Dados mostram que mais da metade dos profissionais das especialidades médicas em dermatologia e ginecologia/obstetrícia sente dificuldade em encontrar literatura sobre o uso de PCs na gravidez, sem diferença significativa entre as duas especialidades. A falta de dados que comprovem a segurança dos produtos resulta em dificuldades para os prescritores na hora de decidir o que recomendar de maneira que a internet se torna a principal fonte de informações sobre esses produtos para os profissionais(29).
Para abordar esse problema, as gestantes devem ser orientadas a reduzir a frequência de uso e a quantidade de produtos aplicados, optando por aqueles com o menor número de ingredientes possível. Além disso, é essencial realizar avaliações de risco para analisar essa exposição cumulativa e considerar o possível efeito sinérgico de certos compostos que compartilham mecanismos de ação semelhantes(8).
Assim, as discussões e os resultados demonstram a necessidade urgente de políticas públicas mais rigorosas e específicas para regular os componentes dos cosméticos disponíveis no mercado, especialmente os destinados às gestantes. É essencial garantir que esses produtos sejam seguros e livres de substâncias que possam prejudicar a saúde das gestantes ou o desenvolvimento fetal. Os estudos citados neste artigo indicam uma relação direta entre a exposição a substâncias químicas desreguladoras endócrinas e diversas complicações na saúde e no desenvolvimento fetal, reforçando a necessidade de intervenções regulatórias e educacionais.
As limitações deste estudo estão fundamentadas no fato de ter sido um público específico de gestantes de alto risco, o que pode influenciar sua percepção de medo/incertezas. Também não foi possível analisar quais os disruptores endócrinos estão presentes nos PCs ou marcas informadas pelas gestantes durante o estudo. Apesar das limitações, este estudo traz resultados que orientam para a importância de considerar no aconselhamento das gestantes a presença dos desreguladores endócrinos nos PCs. Os resultados podem fornecer subsídios para pesquisas futuras que busquem levantar os cosméticos com presença de disruptores endócrinos direcionados para o público de gestantes, de forma a facilitar a escolha dos produtos.
CONCLUSÃO
Observou-se, neste estudo, que mulheres no período gestacional não identificam a pele como uma via significativa de exposição a substâncias químicas desreguladoras endócrinas, por meio do uso de PCs.
Além disso, recomenda-se a realização de estudos de seguimento no período pós-parto, com o objetivo de investigar possíveis desfechos maternos e neonatais relacionados à exposição a essas substâncias durante a gestação. Também destaca para a importância do desenvolvimento e disponibilização de tecnologias educativas em saúde, como cartilhas e e-books para os profissionais de saúde que atuam diretamente com gestantes, especialmente na atenção primária e em serviços de pré-natal de alto risco, a fim de subsidiar os profissionais para o aconselhamento seguro e a prevenção quanto ao uso de PCs potencialmente prejudiciais.
Por fim, tendo em vista a relevância deste tema devido às suas consequências na saúde da gestante e concepto, torna-se necessária a implementação de políticas públicas que incentivem a pesquisa e a divulgação de informações claras sobre os componentes dos PCs que poderiam mitigar os riscos associados ao uso de substâncias potencialmente prejudiciais e promover um mercado mais seguro e informado, beneficiando tanto os consumidores quanto a indústria cosmética no Brasil.
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Conflitos de interesse:
Os autores declaram não haver conflitos de interesse/divulgações concorrentes.
Esta pesquisa foi realizada com recurso próprio dos autores.
Contribuições dos autores:
1. Contribuiu substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo: Ana Izabel de Oliveira Neta e Alanna Fernandes Paraíso
2. Na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados: Ana Izabel de Oliveira Neta, Alanna Fernandes Paraíso, Amanda Alves de Jesus, Dário Soares Ruas, Daniel Silva Moraes, Suellen Cristina Dias Emídio.
3. Na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada: Ana Izabel de Oliveira Neta, Alanna Fernandes Paraíso, Suellen Cristina Dias Emídio
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519
Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(3): e025103