REAÇÕES ADVERSAS E INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS DOS ANTICONCEPCIONAIS HORMONAIS: PERCEPÇÃO DE MULHERES
WOMEN'S PERCEPTIONS OF ADVERSE EFFECTS AND DRUG INTERACTIONS ASSOCIATED WITH HORMONAL CONTRACEPTIVES
PERCEPCIÓN DE LAS MUJERES SOBRE LOS EFECTOS ADVERSOS Y LAS INTERACCIONES FARMACOLÓGICAS ASOCIADAS A LOS ANTICONCEPTIVOS HORMONALES
https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.3-art.2550
1Milena de Oliveira
2Silvana Cruz da Silva
3Adriana Dall’Asta Pereira
4Andressa da Silveira
5Lairany Monteiro dos Santos
6Júlia Oliveira Silveira
7Josi Barreto Nunes
8Keity Laís Siepmann Soccol
1Universidade Franciscana, Santa Maria, RS, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8242-5931
2Universidade Franciscana, Santa Maria, RS, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4563-3704
3Universidade Franciscana, Santa Maria, RS, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2698-2711
4Universidade Federal de Santa Maria, Palmeira das Missões, RS, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-4182-4714
5Universidade Federal de Santa Maria, Palmeira das Missões, RS, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8099-8381
6Universidade Franciscana, Santa Maria, RS, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5947-8875
7Universidade Franciscana, Santa Maria, RS, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9364-841X
8Universidade Franciscana, Santa Maria, RS, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7071-3124
Autor correspondente
Keity Laís Siepmann Soccol
Rua Silva Jardim nº 1175, bairro Nossa Senhora do Rosário, Santa Maria-RS. Brasil. CEP: 97010-491
contato: +55 (55) 3025-1202. E-mail: keitylais@hotmail.com
Submissão: 23-04-2025
Aprovado: 25-06-2025
RESUMO
Objetivo: analisar a percepção das mulheres acompanhadas no âmbito dos cuidados de saúde primários sobre as reações adversas e interações medicamentosas dos contraceptivos hormonais. Métodos: Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo e exploratório realizado numa Estratégia de Saúde da Família, num município do estado do Rio Grande do Sul, no qual participaram 17 mulheres com idades entre os 18 e os 43 anos. A recolha de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas entre janeiro e março de 2022, e os dados foram analisados segundo a análise de conteúdo temática. Resultados: as mulheres têm conhecimentos limitados sobre os possíveis efeitos adversos dos anticoncepcionais hormonais. Quando manifestam algum efeito adverso, trocam o método contraceptivo sem ter as devidas precauções para evitar uma gravidez não planeada. Além disso, desconhecem as interações medicamentosas. Considerações finais: é necessário que as mulheres recebam informações mais detalhadas sobre os efeitos adversos e interações medicamentosas e que sejam desenvolvidas ações de educação permanente em saúde que estimulem os profissionais a abordarem esta temática no seu dia a dia de cuidados às mulheres.
Palavras-chave: Enfermagem; Mulheres; Anticoncepcionais Orais Hormonais.
ABSTRACT
Objective: To analyze the perception of women followed up in primary health care about the adverse reactions and drug interactions of hormonal contraceptives. Methods: This is a qualitative, descriptive and exploratory study carried out in a Family Health Strategy in a municipality in the state of Rio Grande do Sul, in which 17 women aged between 18 and 43 took part. Data was collected through semi-structured interviews between January and March 2022, and the data was analyzed using thematic content analysis. Results: Women have limited knowledge about the possible adverse effects of hormonal contraceptives. When they experience adverse effects, they change their contraceptive method without taking the necessary precautions to avoid an unplanned pregnancy. They are also unaware of drug interactions. Final considerations: it is necessary for women to receive more detailed information about adverse effects and drug interactions and for ongoing health education actions to be developed to encourage professionals to address this issue in their day-to-day care of women.
Keywords: Nursing; Women; Contraceptives, Oral, Hormonal
RESUMEN
Objetivo: analizar la percepción de las mujeres atendidas en Atención Primaria sobre las reacciones adversas e interacciones medicamentosas de los anticonceptivos hormonales. Método: Se trata de un estudio cualitativo, descriptivo y exploratorio, realizado en una Estrategia de Salud de la Familia en un municipio del estado de Rio Grande do Sul, en el que participaron 17 mujeres con edades entre 18 y 43 años. Los datos fueron recolectados por medio de entrevistas semiestructuradas entre enero y marzo de 2022 y analizados de acuerdo con el análisis temático de contenido. Resultados: Las mujeres tienen un conocimiento limitado sobre los posibles efectos adversos de los anticonceptivos hormonales, y cuando experimentan algún efecto adverso cambian a otro método anticonceptivo sin tomar las precauciones necesarias para evitar quedarse embarazadas durante el cambio, lo que da lugar a embarazos no planificados. Tampoco son conscientes de las interacciones entre medicamentos. Consideraciones finales: es necesario que las mujeres reciban más información sobre los efectos adversos y las interacciones de los medicamentos y que se desarrolle una educación sanitaria continuada para animar a los profesionales a abordar esta cuestión en su atención diaria a las mujeres.
Palabras chave: Enfermería; Mujeres; Anticonceptivos Hormonales Orales.
INTRODUÇÃO
A anticoncepção contempla o uso de métodos que impedem a gravidez não planejada. Os anticoncepcionais hormonais são métodos contraceptivos considerados reversíveis, os quais a partir da década de 1960, o seu uso teve um crescimento gradativo, possibilitando o planejamento familiar. Todavia, as primeiras formulações medicamentosas apresentavam altas doses hormonais, incidindo em efeitos adversos(1-2).
Na atualidade, existem diferentes tipos de contraceptivos que podem ser utilizados a partir das necessidades apresentadas por cada mulher. Entre os métodos contraceptivos reversíveis, destacam-se os preservativos feminino e masculino, a pílula anticoncepcional, a minipílula, os injetáveis mensal e trimestral, o dispositivo intrauterino (DIU), a pílula anticoncepcional de emergência, o diafragma e os anéis medidores (1-3).
No Brasil, devido ao fácil acesso e pela praticidade de uso, os anticoncepcionais hormonais são um dos métodos preferenciais. A utilização dos anticoncepcionais hormonais orais apresenta elevada segurança em relação aos demais métodos, com eficácia que pode chegar até 99,9% quando utilizados de forma contínua e adequada. Além de prevenir a gravidez não planejada, pode colaborar com a redução de acne, episódios de cólicas menstruais, incidência da anemia, regularização de ciclo menstrual, entre outros benefícios(1-5).
Assim, para além das questões contraceptivas, os anticoncepcionais hormonais também são utilizados no tratamento de desequilíbrios hormonais que desencadeia acnes, desregulação no ciclo menstrual, fortes cólicas menstruais e para o tratamento de mulheres que possuem ovários policísticos(2). Neste sentido, é fundamental que as mulheres sejam orientadas durante a avaliação médica a fim de garantir a funcionalidade terapêutica de acordo com a necessidade de cada uma delas(6).
Apesar das facilidades para que as mulheres acessem os anticoncepcionais, ainda assim, observa-se um hiato relacionado a informação sobre o uso adequado e contínuo, presença de efeitos colaterais e interações medicamentosas. Desta forma, observa-se que para além de disponibilizar os métodos contraceptivos, é importante orientar as mulheres sobre a forma segura e correta de utilizar os anticoncepcionais hormonais(1,4).
O uso de anticoncepcionais sem prescrição e orientação, podem dificultar a adesão ao uso, bem como ocasionar a desistência das mulheres devido ao uso incorreto ou efeitos adversos2. Quando associado a outros medicamentos, é possível ocorrer a alteração da eficácia dos contraceptivos, que podem resultar em sinergismo, isto é, a potencialização do efeito de um medicamento, ou pode resultar em antagonismo, quando o efeito é bloqueado(4).
A mulher adapta-se de maneira específica ao método contraceptivo, sendo frequentemente descritas algumas reações adversas que são singulares a cada uma delas(1,4). Neste sentido, reforça-se a necessidade de usar anticoncepcionais hormonais após a avaliação do histórico clínico e familiar da mulher, por meio de consulta com profissionais de saúde(7). O uso de anticoncepcionais sem o devido acompanhamento profissional pode comprometer a saúde da usuária e implicar em gestações não planejadas. Frente ao exposto, este estudo tem por objetivo analisar a percepção de mulheres assistidas na Atenção Primária à Saúde sobre as reações adversas e interações medicamentosas dos anticoncepcionais hormonais.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo qualitativo, descritivo e exploratório realizado em uma Estratégia Saúde da Família (ESF), localizada em um município do estado do Rio Grande do Sul.
Elencaram-se como critérios de inclusão das participantes as mulheres adultas entre 18 e 49 anos, que usavam métodos contraceptivos hormonais orais ou injetáveis, e que estavam sendo assistidas no serviço de saúde onde foi realizada a pesquisa. E, como critérios de exclusão aquelas que possuíam alguma dificuldade na comunicação, déficit na fala, ou que estivessem gestantes.
As mulheres foram convidadas a participar da pesquisa enquanto aguardavam consulta médica ou com enfermeiro na sala de espera da ESF. Algumas entrevistas foram agendadas para outros dias e horários, de acordo com a disponibilidade das participantes. O estudo foi composto por 17 mulheres, as quais foram entrevistadas em uma sala no serviço. A coleta de dados ocorreu entre os meses de janeiro e março de 2022.
As participantes do estudo responderam um roteiro estruturado composto por três questões abertas: Você já teve alguma dificuldade/ ao usar o anticoncepcional? Você sabe quais são os efeitos adversos que o anticoncepcional pode manifestar? O que você sabe sobre as interações medicamentosas?
As entrevistas foram gravadas por meio de mídia digital, e posteriormente foram transcritas na íntegra, no Programa Microsoft Word®. Foram realizadas duas entrevistas pilotos, a fim de aprimorar a técnica de coleta de dados, que não foram utilizadas neste estudo. Após, as transcrições foram conferidas junto ao áudio pela professora orientadora do estudo, que possui título de doutor, bem como possui experiência em pesquisas qualitativas. A duração das entrevistas foi entre 17 e 35 minutos.
Para garantir o anonimato das participantes, as entrevistas foram codificadas com a letra M referente à palavra mulher e de um número cardinal relacionado à ordem cronológica de realização das entrevistas. A inclusão de novas participantes foi encerrada quando se alcançou o critério de saturação de dados, ou seja, quando as informações começaram a se repetir(8).
As entrevistas foram transcritas e os dados foram submetidos à análise temática(8). A fim de aplicar essa técnica, seguiu-se algumas etapas. Na etapa de pré-análise, as entrevistas foram transcritas no programa Microsoft Word, na qual foi possível destacar as palavras, termos e/ou expressões significativas na etapa de exploração do material. Após, identificou-se as unidades de significação e as categorias. E, ao final, realizou-se o tratamento dos resultados obtidos e interpretação a partir de estudiosos que discorrem sobre a área de saúde da mulher.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa, no dia 07 de dezembro de 2021, sob o Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 53708621.3.0000.5306, número do parecer 5.151.514. Seguiu-se a Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Destaca-se que todas as mulheres assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido em duas vias.
Para a elaboração e a escrita deste estudo seguiram-se os critérios estabelecidos no Consolidated Critera for Reporting Qualitative Studies (COREQ) que consiste em uma lista de verificação de 32 itens para entrevistas.
RESULTADOS
Participaram do estudo 17 mulheres, com idades entre 18 e 43 anos, das quais uma possuía curso técnico, sete possuíam ensino médio completo, três ensino médio incompleto, uma possuía ensino fundamental completo, cinco mulheres possuíam o ensino fundamental incompleto. No que se refere ao estado civil, cinco eram solteiras, três casadas e nove em união estável. Quanto ao tipo de anticoncepcional hormonal, predominou o uso de anticoncepcional hormonal oral para mulheres
A análise temática originou três categorias: percepções e vivências sobre efeitos adversos dos anticoncepcionais hormonais, efeitos adversos do anticoncepcional hormonal e gestações não planejadas, e saberes sobre interações medicamentosas dos anticoncepcionais hormonais.
Percepções e vivências sobre efeitos adversos dos anticoncepcionais hormonais
As enunciações das participantes revelam acerca dos efeitos adversos dos anticoncepcionais hormonais, com ênfase para alterações físicas como ao aumento de peso corporal e retenção hídrica.
“O alto ganho de peso. Não tive nada de reações, é bem tranquilo! Eu uso sempre. Nunca me deu nenhuma reação, fora a gordura. Porque eu sei que isso engorda!” (M4).
“A única coisa que eu sei assim é retenção de líquido. Eu acho!” (M12).
“Uns dizem que engorda.” (M14).
“Engorda e retém líquido. Eu sei, porque passei por isso. Não gostei de ter engordado com o remédio.” (M15).
O ganho de peso corporal destaca-se entre os efeitos adversos relatados. As mulheres verbalizam sobre a sua percepção quanto à mudança na imagem corporal, e que essa alteração percebida tem impacto negativo na autoimagem corporal. Além disto, para elas o uso de contraceptivos está relacionado ao surgimento de doenças do sistema circulatório, como trombose e varizes:
“Dizem que pode dar trombose, mas não sei se é para todas mulheres que dá isso.” (M2).
“Eu sei que é trombose e algumas outras doenças que eu não lembro, porque ele beneficia de um lado, e prejudica do outro.” (M13).
“Varizes! Eu tive varizes de usar anticoncepcional e sempre dói muito minhas pernas” (M17).
Os achados revelam sobre a importância de esclarecer às mulheres sobre os fatores de risco associados ao uso de anticoncepcionais, bem como aqueles que estão relacionados ao estilo de vida que levam e que podem ou não se agravar com o uso. Também, informar as situações em que o uso não é indicado a fim de minimizar os possíveis riscos e desconfortos.
Ademais, algumas mulheres relataram que possuem desconfortos gástricos, cefaleia e perda da libido.
“Às vezes o anticoncepcional me faz mal. Me dá enjoo, ânsia de vomito, muita dor de cabeça. E mesmo assim eu tomo sem parar.” (M15).
“Dor de cabeça, enxaqueca, dor nas pernas, bastante dor nas pernas e perda na libido também. Mas eu aguento, eu não paro de usar de medo de engravidar” (M17).
“A injeção me dá muitas dores no joelho, no corpo, dor de cabeça.” (M19).
Apesar das mulheres manifestarem diversos efeitos adversos elas não cessam o uso do anticoncepcional por medo e receio de uma gestação não planejada. Esses efeitos interferem no cotidiano, na qualidade de vida e na sexualidade das mulheres. Ofertar outro método contraceptivo hormonal é uma possibilidade, haja vista que ter que usar um medicamento que pode ser substituído por outro, com menos efeitos adversos, pode ser uma conduta a ser considerada pelos profissionais da saúde.
Ademais, as mulheres também, associam o uso de anticoncepcional hormonal ao desenvolvimento de câncer:
“Na verdade, eu tomava injeção fazia 9 anos. Quando apareceu esse câncer no meu útero daí o médico disse que estava me fazendo mal as injeções. Tirou e passou a me dar uma pílula. E então acho que foi isso que me deu o câncer.” (M6).
“Uns dizem que é ruim quando não menstrua usando o anticoncepcional e que isso pode dar câncer no útero. Mas eu sempre fiz mesmo sabendo disso. Aí a gente pergunta e dependendo do médico, ele diz que é coisa da cabeça e que as pessoas falam demais. Então são 16 anos que eu não menstruo com a injeção.” (M14).
“Às vezes um câncer de útero, de mama ou alguma coisa assim.” (M20).
Na percepção das mulheres o uso de anticoncepcional pode desencadear no diagnóstico de câncer. Para além da necessidade de esclarecimento sobre a associação do uso de contraceptivos hormonais com os diferentes tipos de câncer, destaca-se a necessidade de os profissionais de saúde explicarem para as mulheres por meio de um diálogo claro e mediado pela empatia sobre aquilo que pode acontecer e os mitos relacionados ao uso de anticoncepcionais.
Desperta a atenção que uma das mulheres referiu não ter nenhum conhecimento sobre as reações adversas. Isso denota que quando o medicamento é prescrito pelo médico e administrado pelos profissionais da enfermagem, elas não recebem nenhuma informação, o que evidencia um processo em que não há abertura para o estabelecimento de diálogo:
“Exatamente eu não sei. O médico prescreveu e a técnica de enfermagem só aplicou. Eu sei que pode me causar danos no futuro, mas exatos os danos eu não sei. Não tenho conhecimento de nada disso” (M18).
As falas das mulheres participantes do estudo denotam que elas possuem pouco conhecimento sobre as reações adversas, bem como a escassez de informações recebidas pelos profissionais de saúde acerca das possíveis reações adversas. Também, evidencia-se que essas reações podem interferir na sua rotina, sexualidade, qualidade de vida e direitos sexuais.
Efeitos adversos do anticoncepcional hormonal e gestações não planejadas
As mulheres relataram que tiveram gestações não planejadas ao cessar o uso do anticoncepcional. O motivo de cessar o uso foi devido aos efeitos adversos, aos quais elas não conseguiam mais conviver:
“Eu comecei a ter muita inflamação no útero e muita cólica e excesso de sangramento, eu optei por tirar a injeção. Achei que fosse anormal isso e que nunca iria engravidar do jeito que eu estava sangrando! E foi nesse meio de tempo ali que eu engravidei.” (M3).
Também, uma das mulheres refere que mesmo fazendo o uso de contínuo da pílula anticoncepcional, ela engravidou. Essa condição fez com que ela optasse em mudar de método contraceptivo:
“Acho que tomei uns três anos de pílula, aí eu engravidei. E eu não queria engravidar. De repente eu engravidei do nada! Daí voltei pra injeção porque me sentia mais segura. Não sei como aconteceu porque sempre tomava direitinho o comprimido.” (M6).
Conforme o relato acima, a mulher infere que engravidou mesmo tomando a pílula diariamente. No entanto, não recorda se fez uso de algum medicamento que possa ter causado uma interação medicamentosa e consequentemente interferido na eficácia do anticoncepcional hormonal.
A falta da disponibilidade de anticoncepcionais distribuídos pelo SUS e a dificuldade de acesso, contribuíram para que as mulheres tivessem gestações não planejadas, conforme os depoimentos a seguir:
“Uma vez não tinha no posto e eu comprei, mas como a gente não entende muito, eu achei que o comprado era o mesmo do posto e nesse intervalo da troca de pílula eu tive meu segundo filho. Porque eu não sabia que tinha que se cuidar nos primeiros dias, aí foi quando eu engravidei.” (M7).
“Eu já tinha parado de tomar a pílula, porque me fazia mal, me dava enjoo, dor de cabeça, era ruim mesmo. Daí eu tinha parado de tomar, que foi quando eu coloquei o DIU, e depois tirei o DIU. Só que agora não tive outra oportunidade de colocar e continuei de novo com a pílula. Mas é contra a minha saúde, eu não posso tomar isso aí, me faz mal. E daí engravidei usando a pílula, não sei nem como aconteceu isso” (M11).
“Porque eu tomava a injeção de 3 em 3 meses. Aí eu comecei a engordar e reter muito líquido, e eu não me sentia bem. Aí eu fiz a troca pra pílula, pra menos dosagem de hormônio pra ver se conseguia me sentir bem, daí engravidei.” (M15).
“Eu tomava (anticoncepcional injetável) no posto. Daí era um compromisso que eu tinha, eu comecei a trabalhar, ficou mais difícil de ir no posto tomar. Daí nesse intervalo engravidei.” (M17).
Os achados dessa categoria enaltecem a respeito das reações adversas dos anticoncepcionais hormonais e que esses interferem na vida dessas mulheres, levando-as a mudar o tipo de método hormonal. A troca de método aliada a falta de informação sobre os cuidados necessários e uso de preservativo durante a adaptação do corpo ao novo hormônio, faz com que elas tenham uma gestação não planejada. Assim, aponta-se a necessidade de maiores esclarecimentos e informações paras as mulheres.
Saberes sobre interações medicamentosas dos anticoncepcionais hormonais
Quando questionadas sobre as interações medicamentosas que podem interferir na absorção dos anticoncepcionais, as mulheres referem que o uso de antibióticos reduz a eficácia do anticoncepcional:
“É o antibiótico que corta o efeito. Não sei se tem mais. Ciclo 21, eu tomei antibiótico e daí tirou o efeito da pílula, daí eu engravidei. Eu tenho um gurizinho de 3 anos.’ (M3).
“Nossa! Isso aí de interações é curioso, porque eu não sei mesmo! Nunca ouvi falar que tinha isso ainda” (M4).
“Os antibióticos. E eu uso bastante antibiótico, por isso que eu tenho medo. E outra coisa também, como eu tenho quadro de infecção urinária, no útero, eu tô sempre tratando esses quadros de infecção com antibiótico forte. E aí as vezes parece que ele perde parece o efeito da pílula.” (M6).
“Eu sei que é antibiótico, parece! Eu sei mais ou menos. Eu nunca me aprofundei no assunto.” (M7).
“Me falaram que é antibiótico que cortam o efeito. O uso de álcool também, mas graças a Deus que eu não tomo nada de álcool.” (M11).
“É um antibiótico específico, não sei assim, mas eu sempre cuido quando eu tô doente e me receitam um pra tomar, eu sempre procuro pesquisar na internet pra ter uma noção.” (M12).
“Eu ficava com medo porque eu sempre tomei muito antibiótico. Tem gente que diz que corta o efeito. Agora mesmo eu tô tomando antibiótico, mas com muito medo.” (M16).
Embora algumas mulheres expressem que o antibiótico reduz a absorção dos anticoncepcionais, outras referem não ter certeza ou conhecimento sobre o assunto. Isso aponta para a importância da educação em saúde e do fortalecimento do diálogo entre os profissionais de saúde e as mulheres a fim de evitar gestações não planejadas.
DISCUSSÃO
A contracepção tem se tornado fundamental nos últimos tempos, dado à alta taxa de conhecimento das mulheres no que se refere a planejamento familiar. Quando a mulher é assistida na Atenção Primária à Saúde (APS) e está em busca de um método contraceptivo hormonal, é ideal que se preste um atendimento de excelência, pois conceder uma consulta de qualidade são essenciais para que as ações de saúde pareçam efetivas na resolução das demandas, das problemáticas e das solicitações trazidas por essas mulheres (9).
Para que ocorra a escolha adequada do método para cada mulher, necessita uma avaliação atenta e responsável para essas demandas, pois há inúmeras opções de métodos contraceptivos e formas de uso. Sendo assim, a maneira adequada de utilizá-lo e utilizar ele junto a outro medicamento está na condução da consulta clínica, na elaboração de uma conversa sincera no uso dos métodos e no entendimento da paciente.
Considera-se interação medicamentosa quando o efeito farmacológico usual de um fármaco é modificado por outros fatores, como a utilização combinada de dois medicamentos de forma que interfira na seguridade e na eficácia do outro. Tem como resultados principais a diminuição do efeito terapêutico, podendo ser letal, deixar sequelas ou simplesmente não ofertar efeitos significativos(10).
Dentre a classe medicamentosa mais associada à interação medicamentosa com os anticoncepcionais está a classe dos antibióticos (ATB). A maioria dos contraceptivos orais (CO) são compostos por estrógeno e progesterona. Essa agregação inibe a ovulação pela eliminação dos hormônios folículo-estimulante (FSH) e luteinizante (LH). Para que ocorra o efeito esperado, é necessária a conservação dos níveis regulares de estrogênio e progesterona contidos no plasma. A sua interação com outros medicamentos, como os ATB, pode alterar os níveis e diminuir sua eficácia(10).
Após o uso, os hormônios estrogênio e progesterona são absorvidos pelo trato gastrointestinal (TGI) para a corrente sanguínea. Consequentemente, são conduzidos ao fígado para sofrerem metabolização e 42-58% do estrógeno tornam-se conjugados sem o papel contraceptivo. Esses metabólitos são secretados na bile, em que uma parte deles é hidrolisada por enzimas das bactérias intestinais, causando a liberação do estrógeno ativo. Podendo ser reabsorvido e estabelecendo o ciclo êntero-hepático, aumentando o nível de estrógeno no plasma e o restante nas fezes(11).
Os ATB causam destruição das bactérias intestinais, responsáveis pela hidralisação da combinação estrogênica. Como consequência, não ocorrem as reações responsáveis pela liberação do estrogênio ativo, causando diminuição em seu nível sanguíneo(11).
Para além de seu uso clássico, inúmeros anticoncepcionais possuem funções diversas, como: prevenção contra câncer de endométrio e ovários, tensão pré-menstrual, e amenização de acnes e excesso de oleosidade, em decorrência disto, muito utilizado por adolescentes(12).
Observa-se pelas entrevistas, que a porcentagem de mulheres que desconhecem a interação medicamentosa é relevante, portanto, salienta-se a necessidade de educação em saúde, principalmente no que diz respeito à interação entre contraceptivo hormonal e ATB, por meio de consultas qualificadas, informações específicas para grupos-alvo, usando diferentes metodologias para atingir os mais necessitados. Além disso, estudos mostram a importância na utilização de probióticos concomitantemente com ATB (com 2h de diferença entre um e outro) diminuindo a disbiose com diarreia causada pelo ATB e, assim, diminuir a probabilidade da redução da eficácia do contraceptivo(13).
No entanto, estudos recentes demonstram que a interação entre ATB e contraceptivo oral é rara e geralmente não clinicamente significativa. Ainda assim, por precaução, é fundamental que a paciente relate o uso durante a consulta. É recomendado que durante o uso de ATB se faça contracepção combinada para reduzir o risco de gravidez indesejada.
Assim como qualquer outro fármaco, o uso de anticoncepcional hormonal pode vir acompanhado de uma série de efeitos, tais como: aumento de peso, modificações na libido, caimento do cabelo, cefaleias, náuseas, vômitos, tonturas, dor nas mamas e irritabilidade(4).
Já os padrões menstruais podem ser um indicador de saúde geral e autopercepção de bem-estar, a amenorreia primária que é definida como o cessar de menstruação ao longo da vida na qual requer avaliação do médico(14).
O câncer de mama, trombose venosa e hipertensão arterial são riscos do uso prolongado desses contraceptivos. Sem o acompanhamento de um profissional de saúde o uso pode comprometer a saúde da usuária, e por isso as orientações devem considerar seu histórico clínico, contraindicações e informações de outros métodos alternativos de acordo com a condição de saúde da mulher(7).
Já o sangramento menstrual intenso é uma perda de sangue que prejudica a qualidade de vida da mulher, física, emocional, social ou material, não está associado à gravidez ou a doenças ginecológicas e sistêmicas, e o tratamento usado para reduzir essa perda de sangue inclui inibidores da prostaglandina sintetase, antifibrinolíticos, anticoncepcionais hormonais e outros hormônios15.
Em um estudo realizado com um grupo de mulheres, evidenciou que mais de 70,0% que faziam uso de contraceptivo optaram pelo oral, destas, 23,4% eram de uso contínuo. Sobre o injetável, 25,2% faziam uso e a maioria, 84,6% optaram pelo trimestral. Algumas participantes afirmaram ter conhecimento dos efeitos do anticoncepcional e realizavam práticas de cuidado como interromper o uso de anticoncepcional, parar com o tabagismo e hábitos alimentares saudáveis(16).
Outro estudo realizado com um grupo de mulheres, sobre uma gestação não planejada, mostrou que metade delas estavam vulneráveis a ter uma gravidez não intencional (48,3%). Já na faixa de 25 a 34 anos tiveram mais chances, comparadas às mulheres na faixa etária de 18 a 24 anos, tendo sido o mesmo observado em relação às mulheres com 35 anos de idade ou mais. Uma parcela significativa de mulheres estava vulnerável a vivenciar uma gravidez não intencional, já os aspectos em relação a vivência de uma gravidez não intencional foi a idade, não estar em união estável e não ter planejado a última gravidez(17).
O contraceptivo hormonal é prescrito para as adolescentes com indicação para a prevenção de gravidez, acne, hirsutismo ou dismenorreia. Os contraceptivos podem comprometer os ganhos esperados na adolescência, alterando concentrações de estrogênio e insulina, o uso tem sido associado ao acúmulo lento de densidade mineral óssea e o aumento do risco de fratura em alguns estudos(18).
A gravidez não planejada ainda é elevada e está associada a características socioeconômicas, demográficas e comportamentais. Estudo evidencia que as puérperas mais vulneráveis, jovens, residentes em domicílios precários, com famílias extensas são as mais vulneráveis a terem uma gestação não planejada(19). Os anticoncepcionais hormonais orais proporcionam à mulher o controle sobre seu corpo e sexualidade, contribuindo para o seu crescimento no mercado de trabalho, desenvolvimento da autonomia e independência reprodutiva, promovendo impacto no comportamento e posição na sociedade(20).
O estrogênio é usado principalmente para contracepção e para terapia de reposição hormonal, está bem claro que ele aumenta o risco de trombose arterial e venosa(21). Com isso a prescrição de estrogênio também serve para prevenção de eventos cardiovasculares, osteoporose e alívio de sintomas relacionados à menopausa, estes estão associados a alterações hemostáticas e contribuem para o risco de doenças venosas e tromboembólicas, este risco depende da dose e da medicação, aumentando com a idade(22).
A escolha de métodos contraceptivos aumentou nos últimos anos, mas os métodos disponíveis não são recomendados para todas as mulheres, em especial as com condições médicas ou características únicas, na qual uma gravidez, em especial a indesejada, apresenta maior risco, a contracepção é importante para as mulheres e já foram publicadas orientações com base em evidências para auxiliar os profissionais de saúde a escolherem um método adequado(23). A escolha do método deve sempre ser individualizada, e as mulheres devem saber dos benefícios e malefícios esperados de cada método e hormônio(24).
É importante ressaltar de que o conhecimento, a atitude e a prática das mulheres quanto ao uso de anticoncepcional hormonal oral e a utilização de outro medicamento também sejam investigados, pois quando inadequados, os profissionais de saúde possam traçar estratégias eficazes de educação em saúde sobre a interação medicamentosa desse método contraceptivo com outros medicamentos, prevenindo uma gravidez não planejada(25).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse estudo evidenciou que as mulheres usam os anticoncepcionais apesar dos efeitos adversos, por medo de vivenciarem uma gestação não planejada. Isso, interfere na qualidade de vida delas, e por isso a importância de fortalecer a comunicação e ampliar a oferta de métodos e de informações por meio de um diálogo que permita as mulheres expressarem suas dúvidas e anseios.
Também, fica evidente que elas possuem pouco conhecimento sobre as interações medicamentosas. E, haja vista que alguns medicamentos podem reduzir a eficácia é importante que elas tenham conhecimento sobre isso e que procurem orientações junto aos profissionais de saúde.
É comum as mulheres engravidarem mesmo usando contraceptivos hormonais, o que demanda mais estudos a fim de apontar essa causa, haja vista que os métodos utilizados por elas são seguros e eficazes, por isso a educação em saúde se faz como algo primordial à essa população, bem como o desenvolvimento de produtos tecnológicos que auxiliem elas no acesso à informação. Ademais, o estudo aponta para a necessidade de educação permanente dos profissionais de saúde.
REFERÊNCIAS
Critérios de autoria
Milena de Oliveira, Keity Laís Siepmann Soccol: 1,2,3
Silvana Cruz da Silva, Adriana Dall’Asta Pereira, Andressa da Silveira, Karoline Ardenghi Marques Baptista, Júlia Oliveira Silveira, Josi Barreto Nunes: 2,3
Declaração de conflito de interesses:
Nada a declarar.
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519
Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(3): e025092