Essa política foi considerada inovadora por não focar apenas em ações de saúde reprodutiva, mas abranger também saúde de populações consideradas marginalizadas nas políticas públicas de saúde, como da mulher negra, quilombola, trabalhadora rural, lésbicas e em situação de privação de liberdade (2).
Ademais, em 2011, foi instituída a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta (PNSIPCF). No âmbito das zonas de fronteira, onde vivem diversas comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas, essa política é imprescindível para garantir a atenção à saúde de gestantes e puérperas, que frequentemente enfrentam barreiras geográficas, culturais e institucionais para acessar o cuidado adequado. Nesse ínterim, a PNSIPCF fortalece a necessidade de estratégias diferenciadas de atenção pré-natal, parto e puerpério, promovendo o cuidado integral e respeitoso, em consonância com os princípios da equidade e da universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS) (3).
Apesar da existência de políticas públicas direcionadas à assistência de mulheres em zonas de fronteiras, ainda é observado a ineficiência dos cuidados à saúde. Logo, o acesso e a disponibilidade de cuidados de saúde sexual e reprodutiva são limitados. Dessa forma, as mulheres estão mais vulneráveis a ter uma gravidez indesejada por falta de direcionamentos dos métodos contraceptivos, dificuldades no rastreamento de câncer de útero, infecções sexualmente transmissíveis e violência sexual e de gênero (4,5).
Um estudo realizado em 2022, demonstrou que nos países como Austrália, Israel e os Estados Unidos existem barreiras que dificultam o acesso à assistência médica em regiões de fronteira, tais como: fatores individuais em relação à idade e a educação, dificuldade de comunicação com os profissionais de saúde por conta dos diferentes idiomas (6). Diante disso, as mulheres enfrentam várias barreiras legislativas, geográficas, socioculturais e temporais para tentar garantir assistência médica que, na maioria das vezes, é restrita (7,8).
Ademais, a indisponibilidade de profissionais de saúde nas regiões de saúde, a falta de recursos financeiros, a alta inseguranças das áreas fronteiriças e a inadequada identificação dos pacientes corrobora com as condições de acesso à saúde desfavoráveis (6). No que tange em relação à assistência ao pré-natal nas áreas de fronteiras da região norte do Brasil apresentam escores inadequados em relação a essa assistência. Isso pode ser em decorrência da desorganização dos serviços, fragilidade nos sistemas de marcação de consulta e a ausência da realização de ações de promoção da saúde, prevenção de agravos, o que dificulta o planejamento de ações em saúde (9).
Diante desse contexto, a saúde das mulheres que vivem em zonas de fronteira no Brasil demanda atenção especial, considerando os desafios geográficos, sociais e econômicos característicos dessas regiões. Tal realidade está intimamente relacionada aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial ao ODS 3 – Saúde e Bem-Estar, que tem como finalidade assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas as pessoas, em todas as idades. Nesse âmbito, a meta 3.1 propõe a redução da taxa global de mortalidade materna, o que se apresenta como um grande desafio em áreas fronteiriças marcadas pela limitação no acesso aos serviços de saúde. Soma-se a isso o ODS 5 – Igualdade de Gênero, que ressalta a necessidade de garantir os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.
Assim, este estudo tem como objetivo realizar uma revisão de escopo para mapear a produção científica existente sobre as barreiras enfrentadas por mulheres residentes em zonas de fronteira no acesso à saúde, com ênfase na saúde sexual e reprodutiva.
MÉTODOS
Tipo de estudo
Scoping review a ser conduzida conforme as recomendações do Joanna Briggs Institute (JBI) e as etapas segundo Arksey e O’Malley (2005) (10). A ferramenta Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews(PRISMA-ScR) Checklist, será adotada para conduzir, sistematizar e verificar se todos os itens obrigatórios da revisão foram contemplados (11,12), protocolo foi registrado no Open Science Framework (OSF) (13) podendo ser consultado pelo link eletrônico: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/ZJ4XP
Questão de pesquisa
Com base em referencial adotado para condução deste estudo, a questão de pesquisa será construída a partir do mnemônica PCC, que corresponde (População); C (Conceito); e C (Contexto), ou seja, a população corresponderá às mulheres; o conceito ao acesso e às barreiras aos serviços de saúde; e o contexto será representado pelas regiões de fronteira. A partir deste, questiona-se: Quais são as evidências disponíveis na literatura sobre o acesso e as barreiras enfrentadas por mulheres aos serviços de saúde em zonas de fronteira?
Critérios de elegibilidade
População
Serão incluídos na população mulheres, especialmente gestantes e puérperas em toda extensão de faixa etária e sem distinção de etnia, nível socioeconômico ou de escolaridade. Serão excluídas aquelas com transtornos psicológicos ou que evoluíram para óbito durante o desenvolvimento da pesquisa.
Conceito
Deverão ser incluídas todos os estudos que contemplem a Rede de Atenção Alyne, no que diz respeito ao acesso das mulheres aos serviços de saúde, principalmente em âmbito do planejamento a saúde sexual e reprodutiva e, ainda aqueles que destacam barreiras para o acesso a estes serviços, sejam no contexto da atenção primária à saúde e/ou secundária. Excluíram-se-á estudos que não forem possíveis identificar como foi desenvolvido o acesso das mulheres a esta rede de atenção.
Contexto
Serão incluídas pesquisas que abordam toda extensão das fronteiras terrestres, isto é de todas as regiões a saber: Norte, Sul, Oeste, Noroeste, Sudoeste do Brasil, bem como zonas de fronteiras de outros países, levando em consideração que estudos internacionais também irão compor a amostra do estudo. No entanto, serão excluídos estudos que abordam somente informações acerca do acesso e barreiras enfrentadas pelas mulheres, sem identificação de zona de fronteira.
Tipo de fontes de evidência
As buscas nas fontes de informações serão realizadas no segundo semestre de 2025 nas seguintes fontes informacionais: Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), US National Library of Medicine National Institutes of Health (MEDLINE/PubMed), Web of Science (WoS), Excerpta Medica DataBASE (EMBASE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Cochrane Library foram selecionadas para consulta. Salienta-se que será consultada a literatura cinzenta através do Google Scholar e em banco de teses e dissertações.
Estratégia de pesquisa
A estratégia de busca será construída com o uso de descritores controlados dos vocabulários DeCS (Descritores em Ciências da Saúde) e MeSH (Medical Subject Headings), combinados por operadores booleanos (AND/OR). As palavras-chave e os descritores serão utilizados em português e inglês, conforme a base de dados. Para ampliar o alcance das buscas, serão adicionadas variações terminológicas nos diferentes idiomas, sinônimos dos descritores controlados e os operadores booleanos AND, para ocorrência simultânea de assuntos, e operadores booleanos OR, para ocorrência de um outro assunto.
Para os DeCS em português optaremos: ("Mulheres" OR "Gestantes" OR "Puerpério" OR "Saúde da Mulher" OR "Saúde Materna" OR "Saúde Reprodutiva" OR "Planejamento Familiar") AND ("Acesso aos Serviços de Saúde" OR "Atenção Primária à Saúde" OR "Serviços de Saúde" OR "Serviços de Saúde Materna" OR "Equidade em Saúde" OR "Determinantes Sociais da Saúde") AND ("Regiões de Fronteira" OR "Zona de Fronteira" OR "Fronteiras Internacionais" OR "Tríplice Fronteira" OR "Região de Fronteira Brasil-Paraguai-Argentina") AND ("Populações Vulneráveis" OR "Desigualdades em Saúde" OR "Acesso aos Cuidados de Saúde"). Em inglês: ("Women"[MeSH Terms] OR "Pregnant Women"[MeSH Terms] OR "Postpartum Period"[MeSH Terms] OR "Maternal Health"[MeSH Terms] OR "Women's Health"[MeSH Terms] OR "Reproductive Health"[MeSH Terms] OR "Family Planning Services"[MeSH Terms]) AND ("Health Services Accessibility"[MeSH Terms] OR "Primary Health Care"[MeSH Terms] OR "Health Services"[MeSH Terms] OR "Maternal Health Services"[MeSH Terms] OR "Health Equity"[MeSH Terms] OR "Social Determinants of Health"[MeSH Terms]) AND ("Border Regions"[MeSH Terms] OR "International Borders"[MeSH Terms] OR "Cross-Border Region" OR "Triple Frontier" OR "Border Areas" OR "Frontier Zones") AND ("Vulnerable Populations"[MeSH Terms] OR "Health Disparities"[MeSH Terms] OR "Access to Health Care").
Seleção da fonte de evidência
Para seleção das fontes de informações, os estudos serão exportados para o software de gerenciamento aplicativo Rayyan®(14), a fim de realizar a triagem, seleção e exclusão dos estudos. Assim, as etapas serão conduzidas de forma independente por dois revisores, e, em casos de divergência, um terceiro revisor será consultado para alcançar o consenso, antes de prosseguir com a leitura na íntegra e a inclusão dos estudos na revisão. Os títulos e resumos dos estudos serão lidos e analisados, em seguida, procederá à leitura completa dos estudos selecionados.
Extração de dados
Os dados serão extraídos e organizados em um instrumento para mapeamento descritivo das variáveis, elaborado no Microsoft Office Excel 365/2025 pelos autores, com base nas recomendações do JBI Manual for Evidence Synthesis, sendo extraídos as informações: título, autores/ano, tipo de estudo, amostra e população, objetivos e síntese dos principais resultados.
Análise e apresentação de dados
De posse dos estudos , será realizada a síntese dos dados utilizando o software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ) versão 0.7, alpha 2(15), e posteriormente, os achados dos estudos serão sintetizados de forma descritiva, seguindo a orientação da ferramenta Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) (16). Para análise dos níveis de evidência dos artigos, será considerado Oxford Centre Evidence-Based Medicine (17).
Aspectos éticos
Por se tratar de um protocolo de revisão de escopo baseado em estudos publicados, não haverá envolvimento direto de seres humanos ou coleta de dados primários. Dessa forma, não será necessária a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), conforme as diretrizes da Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).
REFERÊNCIAS
1. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral à saúde da mulher: princípios e diretrizes. Brasília-DF: Ministério da Saúde; 2004. 82 p. (C. Projetos, Programas e Relatórios). Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_atencao_mulher.pdf
2. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: Princípios e Diretrizes. 1. ed., 2. reimpr. Brasília-DF: Ministério da Saúde; 2011. 82 p. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios). Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_mulher_principios_diretrizes.pdf
3. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da Floresta. 1. ed., 1. reimp. Brasília-DF: Ministério da Saúde; 2013. 48 p. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nacional_saude_populacoes_campo.pdf
4. Davison N, Stanzel K, Hammarberg K. The Impact of Social Determinants of Health on Australian Women's Capacity to Access and Understand Health Information: A Secondary Analysis of the 2022 National Women's Health Survey. Healthcare (Basel). 2024 Jan 15;12(2):207. Doi: https://doi.org/10.3390/healthcare12020207
5. Mendes M, Simões PA, Simões JA, Santiago LM, Prazeres F, Maricoto T. The link between happiness and health: a review of concepts, pathways and strategies for enhancing well-being. Fam Med Prim Care Rev 2023; 25(3): 288–96. Doi: https://doi.org/10.5114/fmpcr.2023.130090
6. Oginni SO, Opoku MP, Nketsia W. Crisis at the intersection of four countries: healthcare access for displaced persons in the Lake Chad Basin region. Ethn Health. 2022 Oct;27(7):1698-717. Doi: https://doi.org/10.1080/13557858.2021.1947471
7. Clayton JA, D'Souza RN. Putting science to work for women's health. J Dent Educ. 2024 Apr;88 Suppl 1:708-712. https://doi.org/10.1002/jdd.13566
8. Guhlincozzi RA. "The political economy of healthcare access and Chicagoland health-oriented non-profit organizations," Environment and Planning C. 2024;42(4):658-75. Doi: https://doi.org/10.1177/23996544231211243
9. Mendes LMC, Sudré GA, Oliveira JV, Barbosa NG, Monteiro JC, Gomes-Sponholz FA. Social Representations of Puerperal Women about the Search for Prenatal Care on the French-Brazilian Border. New Trends in Qualitative Research. 2021;8:130–37. Doi: https://doi.org/10.36367/ntqr.8.2021.130-137
10. Arksey H, O'Malley L. Scoping studies: towards a methodological framework. Int J Soc Res Methodol. 2005;8(1):19–32. Doi: http://doi.org/10.1080/1364557032000119616
11. Joanna Briggs Institute. JBI manual for evidence synthesis. Adelaide: JBI; 2020. Doi: http://doi.org/10.46658/JBIMES-20-01
12. Peters MDJ, Godfrey C, McInerney P, Munn Z, Tricco AC, Khalil H. Scoping Reviews (2020 version). In: Aromataris E, Munn Z, editors. JBI Manual for Evidence Synthesis. Australia: JBI; 2020. chap. 11. Doi: http://doi.org/10.46658/JBIMES-20-12
13. Dos Santos GG, Nascimento MVF, Ribeiro EES, Rocha GST, de Farias AS, de Oliveira C, et al. Saúde de mulheres em zonas fronteiriças: um protocolo de revisão de escopo. OSF; 3 May 2025. Doi: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/ZJ4XP
14. Ouzzani M, Hammady H, Fedorowicz Z, Elmagarmid A. Rayyan: a web and mobile app for systematic reviews. Syst Rev. 2016;5(1):210. Doi: http://doi.org/10.1186/s13643-016-0384-4
15. Amaral-Rosa MP. Considerations on the use of IRAMUTEQ software for qualitative data analysis. Rev esc enferm USP [Internet]. 2019;53:e03468. Doi: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2019ce0103468
16. Page MJ, McKenzie JE, Bossuyt PM, Boutron I, Hoffmann TC, Mulrow CD, et al. The PRIS-MA 2020 statement: an updated guideline for reporting systematic reviews. BMJ. 2021;372(71). Doi: https://doi.org/10.1136/bmj.n71
17. Phillips B, Ball C, Sackett D. Oxford Centre for Evidence-Based Medicine – Levels of Evidence (March 2009). Oxford: Centre for Evidence-Based Medicine; 2009.
Fomento e Agradecimento:
Nada a declarar
Critérios de autoria (contribuições dos autores):
1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo: dos Santos GG, de Farias AS, Rocha GST, de Oliveira C;
2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados: dos Santos GG, Nascimento MVF, Ribeiro EES, do Nascimento ES, Pirozi LRR, Coelho HER, Viana ILRS, do Nascimento JM;
3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada: dos Santos GG, de Farias AS, Rocha GST, de Oliveira C, Nascimento MVF, Ribeiro EES, do Nascimento ES, Pirozi LRR, Coelho HER, Viana ILRS, Beserra Junior CR
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar
Editor Científico: Ítalo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447
Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(4): e025138
Atribuição CCBY