ASSOCIAÇÃO ENTRE DEMARCAÇÃO E OCORRÊNCIA DE COMPLICAÇÕES NA ESTOMIA E PELE PERIESTOMIA
ASSOCIATION BETWEEN DEMARCATION AND OCCURRENCE OF COMPLICATIONS IN THE OSTOMY AND PERIOSTOMY SKIN
ASOCIACIÓN ENTRE DEMARCACIÓN Y APARICIÓN DE COMPLICACIONES EN LA PIEL DE OSTOMÍA Y PERIESTOMÍA
https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.3-art.2564
1Patrícia Rosa da Silva
2Claudiomiro da Silva Alonso
3Márcia Mascarenhas Alemão
4Meiriele Tavares Araújo
Objetivo: Analisar a associação entre a demarcação pré-operatória e a ocorrência de complicações na estomia e pele periestomia. Método: Estudo transversal, descritivo-analítico, realizado em um Saspo de Minas Gerais, com 40 pacientes, dos quais 20 foram submetidos à demarcação pré-operatória e 20 não passaram por esse procedimento. Os dados foram coletados em 2022 por meio de informações dos prontuários. Foram utilizados recursos de estatística descritiva e inferencial. A associação entre a demarcação e a ocorrência de complicações foi avaliada pelos testes Qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher. O tamanho do efeito foi medido por V de Cramer e a chance de ocorrência das complicações pelo Odds Ratio, com intervalos de confiança de 95% e nível de significância de 5%. Resultados: A demarcação pré-operatória foi associada a uma redução na ocorrência de dermatite (X2= 10,1; p-valor= 0,001; V= 0,50; OR=-2,94 [-5,1; -0,7]). Casos de necrose, hérnia, edema e prolapso ocorreram exclusivamente em pacientes não demarcados. Devido à baixa frequência na amostra, não foi possível estabelecer se havia associação entre demarcação e edema, retração, prolapso, hérnia ou necrose. Considerações: A demarcação pré-operatória está associada a uma redução na ocorrência de dermatite. Contudo, outras complicações não apresentaram associação significativa.
Palavras-chave: Estomia; Cuidados de Enfermagem; Demarcação; Complicações; Pré-operatório.
Objective: To analyze the association between preoperative demarcation and the occurrence of complications in the stoma and peristomal skin. Method: Cross-sectional, descriptive-analytical study, carried out in a Saspo in Minas Gerais, with 40 patients, of which 20 underwent preoperative demarcation and 20 did not undergo this procedure. Data were collected in 2022 through information from medical records. Descriptive and inferential statistics resources were used. The association between demarcation and the occurrence of complications was assessed by Pearson's Chi-square or Fisher's exact tests. The effect size was measured by Cramer's V and the chance of complications occurring by the Odds Ratio, with 95% confidence intervals and a significance level of 5%. Results: Preoperative demarcation was associated with a reduction in the occurrence of dermatitis (X2= 10.1; p-value= 0.001; V= 0.50; OR=-2.94 [-5.1; -0.7]). Cases of necrosis, hernia, edema and prolapse occurred exclusively in patients without demarcation. Due to the low frequency in the sample, it was not possible to establish whether there was an association between demarcation and edema, retraction, prolapse, hernia or necrosis. Considerations: Preoperative demarcation is associated with a reduction in the occurrence of dermatitis. However, other complications did not show a significant association.
Keywords: Ostomy; Nursing Care; Marking; Complications; Preoperative.
Objetivo: Analizar
la asociación entre la demarcación preoperatoria y la aparición de complicaciones en
el estoma y la piel peristomal. Método: Estudio descriptivo-analítico
transversal, realizado en un Saspo de Minas Gerais, con 40 pacientes, 20
sometidos a demarcación preoperatoria y 20 no sometidos a este procedimiento.
Los datos se recopilarán en 2022 utilizando información de historias clínicas.
Se utilizarán recursos estadísticos descriptivos e inferenciales. La asociación
entre la demarcación del estoma preoperatoria y las complicaciones del estoma y
peristomal se evaluó mediante la prueba de chi-cuadrado de Pearson o la prueba
exacta de Fisher. El tamaño del efecto se midió mediante la V de Cramer y la
probabilidad de ocurrencia de complicaciones mediante el Odds Ratio, con
intervalos de confianza del 95% y un nivel de significancia de p < 0,05. Resultados:
La demarcación preoperatoria se asoció con una reducción significativa en la
aparición de complicaciones, presentándose complicaciones en el 50% de los
pacientes demarcados, en comparación con el 95% de los pacientes no demarcados
(p = 0,001). Otras complicaciones, como necrosis y prolapsos, ocurren exclusivamente
en pacientes no demarcado, pero no tienen significación
estadística. Consideraciones: el marcaje preoperatorio se asocia con una
reducción en la aparición de
dermatitis. Sin embargo, otras complicaciones no mostraron una asociación significativa.
Palabras clave: Ostomía; Cuidados de Enfermería;
Marcación; Complicaciones; Preoperatorio.
O cuidado em saúde tem evoluído e busca atrelar qualidade e segurança1, promovendo práticas baseadas em evidências e centradas no paciente2. A qualidade e segurança no cuidado em saúde são alcançadas por meio da implementação de boas práticas, protocolos baseados em evidências e uso de tecnologias adequadas3. Além disso, exigem capacitação contínua dos profissionais, para emprego efetivo das técnicas e recursos em saúde4.
Considerando o contexto nacional, que evidencia a transição no perfil demográfico e epidemiológico, algumas condições de saúde tornam-se prioridade, tendo em vista também a necessidade de assistência multiprofissional e tecnologias em saúde5. A exemplo disso, destaca-se as estomias que são procedimentos resultantes de intervenções cirúrgicas que originam uma abertura em determinada estrutura dos sistemas digestivo, respiratório ou urinário6.
Para o cuidado seguro e assistência qualificada, uma das recomendações e que no período pré- operatório, o local da estomia seja devidamente demarcado por um cirurgião ou enfermeiro capacitado6. Essa prática é reconhecida por organizações nacional6 e internacional7 e visa identificar o local mais adequado para a confecção da estomia, levando em consideração aspectos anatômicos, funcionais e relacionados à qualidade de vida do paciente8.
Apesar de recomendada, a demarcação da estomia ainda é pouco realizada na prática clínica9-10, principalmente devido à escassez de profissionais capacitados e às condições de trabalho inadequadas11. A omissão desse cuidado pode resultar na confecção da estomia em regiões inadequadas do abdômen, favorecendo a ocorrência de complicações8. Logo, acredita-se que a demarcação tem potencial para prevenção de complicações em pessoas com estomia. Entretanto, essa relação não foi apresentada em estudos brasileiros.
A literatura sobre a efetividade dessa prática ainda é limitada e controversa, como evidenciado em um estudo de revisão recente9. Esse estudo ressalta a baixa qualidade das evidências disponíveis e as inúmeras limitações que dificultam a formulação de conclusões definitivas, apesar de haver estudos que sinalizam que a demarcação é fator de risco para a ocorrência de dermatite e que pessoas demarcadas possuem menos complicações na estomia e pele periestomia10-12.
Nesse contexto, surge a questão: Existe associação entre a demarcação da estomia e a ocorrência de complicações na estomia e pele periestomia? Dessa forma, o objetivo deste estudo é analisar a possível associação entre a demarcação do local da estomia e a ocorrência de complicações na estomia e na pele periestomia.
Estudo transversal, descritivo-analítico, realizado em um Serviço de Atenção à Saúde da Pessoa Ostomizada (Saspo), localizado na macrorregião central de Minas Gerais. Os dados foram coletados a partir dos prontuários de pacientes atendidos entre 2015 e 2021, totalizando uma amostra de 40 pacientes, dos quais 20 tiveram suas estomias demarcadas no pré-operatório e 20 não passaram por esse procedimento. A seleção dos pacientes foi realizada por pareamento 1:1, garantindo que cada paciente com estomia demarcada tivesse um correspondente sem demarcação, com características clínicas semelhantes.
Foram incluídos no estudo pessoas com estomias de eliminação (colostomias, ileostomias e urostomias), com idade igual ou superior a 18 anos, cujos prontuários continham informações suficientes para o preenchimento completo do formulário de coleta de dados. Foram excluídas pessoas com estomias de alimentação ou respiratórias e aquelas com prontuários incompletos, caracterizados pela ausência de duas ou variáveis.
A coleta de dados foi realizada em junho de 2022, por meio de pesquisa documental, utilizando informações registradas nos prontuários. Um formulário de coleta de dados foi desenvolvido exclusivamente para a coleta de dados. As variáveis do estudo foram: sexo, idade, escolaridade, causa para confecção da estomia, tratamento quimioterápico, tipo de estomia, temporalidade, localização, exteriorização, tipo de efluente e formato da estomia.
Utilizou-se recursos da estatística descritiva e inferencial. Para as variáveis categóricas foram apresentadas as frequências e porcentagens. Para as variáveis numéricas foram calculadas as médias e desvio padrão. Para examinar a associação entre a demarcação pré-operatória do local da estomia e as complicações no estoma e na pele periestomal, foram aplicados testes qui-quadrado de Pearson ou o teste exato de Fisher, conforme a adequação dos dados, a fim de avaliar a associação entre as variáveis categóricas. Adicionalmente, o tamanho do efeito foi determinado por meio do teste V de Cramer, e a medida de associação utilizada foi o Odds ratio com intervalos de confiança de 95%. Utilizou-se significância estatística os valores menores de P <0,05. Todas as análises foram conduzidas utilizando os softwares Microsoft Excel© para a organização inicial dos dados e Jasp versão 19.1 para a realização dos testes estatísticos.
Este estudo foi conduzido em conformidade com as diretrizes éticas estabelecidas pelas Resoluções nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) sob o n. do parecer 5.523.922/2022, assegurando a conformidade com as normativas vigentes. O princípio da autonomia foi ratificado mediante esclarecimentos e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Nos casos específicos em que não foi possível obter o consentimento direto dos pacientes, como em situações de óbito, a coleta foi realizada mediante o Termo de Dispensa do TCLE.
A amostra do estudo foi composta por 40 pacientes, com predomínio do sexo masculino, representando 55% (n=22) dos participantes. A média de idade dos participantes foi de 65,4 anos (DP
= 12,3 anos), indicando que a maioria dos pacientes eram idosos. Em relação ao grau de instrução, observou-se que a maioria possuía um nível educacional baixo, com 37,5% (n=15) tendo o ensino fundamental incompleto. Ademais, a principal causa para confecção das estomia eram oncológicas, totalizando 82,5% (n=33) dos casos, entretanto 62,5% (n=25) não estava em tratamento quimioterápico, conforme Tabela 1:
Tabela 1 – Caracterização dos participantes. MG, Brasil, 2025.
Variável |
n (%) |
Sexo |
|
Masculino |
22 (55%) |
Feminino |
18 (45%) |
Idade |
|
Média (Desvio Padrão) |
65,4 (12,3) anos |
Escolaridade |
|
Ensino Fundamental Incompleto |
15 (37,5%) |
Ensino Fundamental Completo |
10 (25%) |
Ensino Médio Completo |
9 (22,5%) |
Ensino Superior Completo |
6 (15%) |
Causa da estomia |
|
Inflamatória |
2 (5%) |
Oncológica |
33 (82,5%) |
Obstrutiva |
4 (10%) |
Traumática |
1 (2,5%) |
Tratamento quimioterápico |
|
Não |
25 (62,5%) |
Sim |
15 (37,5%) |
A maioria dos pacientes, 50% (n=20), possuía colostomia. Sobre a forma de exteriorização, 62,5% (n=25) eram terminais. Além disso, 65% (n=26) dos pacientes tinham estomias temporárias e 50% (n=20) localizadas no quadrante inferior esquerdo, 66,5 (n=27) formato irregular e efluente pastoso em 60% (n=24) dos casos, conforme Tabela 2:
Tabela 2 – Caracterização da estomia. MG, Brasil, 2024.
Variável |
n (%) |
Tipo de estomia |
|
Colostomia |
20 (50%) |
Ileostomia |
12 (30%) |
Bricker |
1 (2,5%) |
Colostomia + Bricker |
4 (10%) |
Ileostomia + Bricker |
2 (5%) |
Forma de Exteriorização |
|
Terminal |
25 (62,5%) |
Duas Bocas |
2 (5%) |
Em Alça |
13 (32,5%) |
Temporalidade |
|
Definitiva |
14 (35%) |
Temporária |
26 (65%) |
Localização |
|
Quadrante inferior esquerdo |
20 (50%) |
Quadrante inferior direito |
15 (37,5%) |
Quadrante superior esquerdo |
4 (10%) |
Linha da cintura |
1 (2,5%) |
Formato |
|
Irregular |
27 (66,5%) |
Regular |
13 (32,5%) |
Efluente |
|
Pastoso |
24 (60%) |
Líquido |
16 (40%) |
A demarcação pré-operatória foi associada a uma redução na incidência de complicações, com 50% (n=10) dos pacientes demarcados apresentando complicações, em comparação a 95% (n=19) dos pacientes não demarcados (X2= 10,1; p=0,001). A complicação mais frequente foi a dermatite, ocorrendo em 47,5% (n=19) dos pacientes não demarcados e em 50% (n=10) dos demarcados. Casos de necrose, dermatite associada a hérnia, edema ou prolapso ocorreram exclusivamente em pacientes não demarcados, mas não apresentaram significância estatística entre os grupos, conforme tabela 2.
Tabela 2 – Associação entre demarcação pré-operatória e ocorrência de complicações na estomia e pele periestomia. MG, Brasil, 2025.
Complicação |
Não Demarcados (n=20) |
Demarcados (n=20) |
X2 |
p-valor |
V cramer |
OR |
Dermatite |
19 |
10 |
10,1 |
0.001 |
0.50 |
-2,94 (-5,1; -0,7) |
Retração |
2 |
3 |
0,22 |
0.63 |
0.07 |
0,46 (-1,4; 2,3) |
Hérnia |
1 |
0 |
1,02 |
0.31 |
0,16 |
-1,14 (-4,4; 2,1) |
Edema |
1 |
0 |
1,02 |
0.31 |
0,16 |
-1,14 (-4,4; 2,1) |
Prolapso |
1 |
0 |
1,02 |
0.31 |
0,16 |
-1,14 (-4,4; 2,1) |
Necrose |
1 |
0 |
1,02 |
0.31 |
0,16 |
-1,14 (-4,4; 2,1) |
Os resultados deste estudo indicam que a demarcação pré-operatória está associada a uma menor ocorrência de dermatite, conforme evidenciado pela significância estatística, pelo tamanho do efeito e pela razão de chances. No entanto, não foi encontrada associação significativa entre a demarcação e outras complicações da estomia e da pele periestomia, como retração, hérnia, edema, prolapso e necrose.
Esses achados sugerem que a demarcação pode atuar como um fator protetor, reduzindo a incidência de dermatite periestomia. Tal conclusão está em consonância com estudos anteriores que confirmam a relação entre a demarcação e a redução de complicações. Estudo sinalizou que pacientes submetidos à demarcação tiveram menores taxas de complicações precoces (48,4% versus 59,3%; p = 0,019), incluindo uma incidência reduzida de dermatite (32% versus 45%; p = 0,004).
O efeito da marcação na redução do risco de complicações relacionadas ao estoma foi investigado nesta revisão sistemática de 27 estudos. O risco de complicações relacionadas ao estoma foi significativamente menor no grupo com marcação em comparação ao grupo não marcado, mas a evidência é muito incerta13.
A dermatite periestomia se destaca como a complicação mais comum entre pessoas com estomia. Estudo de revisão sistemática apontou que sua ocorrência varia entre 36,3% e 73,4% dos casos14. Especificamente, a dermatite de contato irritativa periestomia (PICD) foi observada em 31,6% dos pacientes no período inicial e em 26% no período tardio15.
Os dados deste estudo convergem com pesquisas nacionais16 e internacionais15,17, que reforçam a alta prevalência da dermatite periestomia. Estudo identificou essa condição como a complicação mais frequente, acometendo 54,4% dos pacientes com complicações, os quais representaram 60,3% da amostra analisada. Ademais, a incidência global de complicações periestomais foi de 65,7%, sendo 63,6% no grupo eletivo e 69,6% no grupo de emergência. Entre essas complicações, a dermatite (33,3%) foi a mais prevalente, surgindo principalmente na segunda ou terceira semana de pós-operatório15.
Comparando as taxas de complicações entre diferentes tipos de estomias, os resultados demonstram que 35,9% dos pacientes com colostomia e 50% dos pacientes com ileostomia apresentaram complicações periestomais, sem diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p = 0,654). A dermatite periestomia foi novamente a mais frequente, ocorrendo em 61,54% dos pacientes com colostomia e em 50% daqueles com ileostomia18.
Em contrapartida, um estudo apontou uma baixa incidência de complicações, relatando que 80,75% dos pacientes não desenvolveram qualquer complicação relacionada à estomia ou à pele periestomia19. Tal discrepância pode ser atribuída a diferenças metodológicas, características da população estudada ou protocolos de cuidado adotados.
A nível internacional, observa-se uma realidade semelhante. Em um estudo, a maioria dos pacientes (62,5%) apresentou dermatite periestomia. Medidas preventivas, como o uso de detergente de baixo pH, limpeza com gaze e a utilização de placa protetora, reduziram significativamente o risco de dermatite em 99% (OR = 0,013; IC 95% = 0,002–0,091; p < 0,001), 89% (OR = 0,109; IC 95% = 0,016–0,727; p = 0,021) e 89% (OR = 0,108; IC 95% = 0,041–0,282; p < 0,001), respectivamente.
Ademais, uma estomia com perfil regular foi associado a um menor risco de complicações (OR = 0,314; IC 95% = 0,140–0,702; p = 0,005)17.
Outro estudo internacional ressaltou que até 80% dos indivíduos com estomia podem apresentar complicações periestomia, sendo a dermatite a mais prevalente20. Sabe-se que a dermatite decorre de um processo inflamatório e da desnudacão da pele adjacente à estomia, resultado da exposição prolongada a efluentes cáusticos, os quais comprometem a barreira cutânea e tornam a pele mais suscetível a danos21-22. Diversos fatores favorecem o desenvolvimento da dermatite periestomia, incluindo vazamentos frequentes, uso inadequado de equipamentos coletores, tempo de uso superior ao recomendado, corte incorreto da base adesiva em relação ao diâmetro da estomia e higiene inadequada23.
Clinicamente, apresenta-se por eritema, hiperceratose úmida ou branca (maceração), perda superficial da epiderme (erosões e pele desnudada) e tecido de hipergranulação. Ao contrário de outras formas de danos a pele, a dermatite periestomia torna o cuidado mais complexo, pois a pele afetada não pode evitar a exposição repetida a adesivos do equipamento coletor e efluentes no cenário de erosão rápida da base adesiva que pode causar deterioração persistente da pele. Se não for tratada, a dermatite periestomia pode causar cicatrizes, estenose da estomia e incapacidade de manter a aderência do equipamento coletor21.
Outro aspecto relevante deste estudo foi a ausência de associação estatisticamente significativa entre a demarcação e demais complicações, como retração, hérnia, edema, prolapso e necrose (p > 0,05). Essa falta de associação pode ser atribuída a diversos fatores. O principal deles é o número limitado de casos dessas complicações na amostra, o que limita o poder estatístico da análise e dificulta a identificação de diferenças entre os grupos.
Apesar disso, um estudo relatou menores taxas de isquemia/necrose (2,3% versus 7,2%; p = 0,014) e separação mucocutânea (3,2% versus 8,1%; p = 0,026) em pacientes submetidos à demarcação pré-operatória, em comparação com aqueles que não foram demarcados. No entanto, não houve diferença estatisticamente significativa na ocorrência de complicações tardias, como hérnia, retração, prolapso e estenose, entre os grupos (47,5% vs. 54,2%; p = 0,15)24. Outro estudo ratificou o impacto da demarcação na ocorrência de dermatite, ocorrência de vazamentos e qualidade de vida de pessoas com estomia, mas não abordou a influência desse fator em outras complicações da estomia9.
É importante destacar que muitas dessas complicações têm origem multifatorial, estando relacionadas a aspectos como a técnica cirúrgica empregada, as condições clínicas do paciente, a integridade da parede abdominal e fatores hemodinâmicos intraoperatórios. Esses elementos, por sua vez, não são diretamente influenciados pela localização da estomia.
A técnica cirúrgica, específica, desempenha um papel fundamental na prevenção de complicações. Entretanto, a preparação da estomia, etapa final das cirurgias de urgência, muitas vezes é considerada um aspecto secundário do procedimento e pode ser delegada a cirurgiões menos experientes. Essa abordagem é preocupante, uma vez que a criação da estomia deve ser reconhecida como uma das fases mais relevantes da cirurgia, dada sua influência na evolução pós-operatória e na qualidade de vida do paciente15.
Logo, torna-se essencial que enfermeiros e cirurgiões adotem estratégias preventivas para minimizar as complicações associadas à estomia. A demarcação pré-operatória, quando realizada por um enfermeiro capacitado, preferencialmente um estomaterapeuta, representa uma medida fundamental para reduzir complicações, além de contribuir para uma melhor adaptação do paciente à estomia6. Paralelamente, a técnica cirúrgica deve ser empregada com rigor, garantindo uma confecção adequada da estomia e respeitando critérios anatômicos e funcionais que favorecem a cicatrização, a manutenção da integridade da parede abdominal e a qualidade de vida de pessoas com estomia25.
Sobre as limitações do presente estudo destaca-se o tamanho da amostra, embora suficiente para identificar associação entre a demarcação e a ocorrência de dermatite, pode ter limitado o poder estatístico na detecção de associações com complicações menos frequentes. No entanto, no caso da dermatite associada à estomia, o tamanho do efeito observado destacou a relevância dos achados, indicando que os resultados possuem um impacto clínico significativo.
Além disso, não foram avaliados fatores como o ângulo de eliminação da estomia e o uso de medicamentos capazes de influenciar a consistência do efluente, aspectos que podem interferir na ocorrência de dermatite. Outra limitação relevante é a baixa ocorrência de retração, necrose, prolapso, hérnia, edema em ambos os grupos analisados, o que dificultou a determinação de uma associação robusta entre a demarcação pré-operatória e outras complicações menos prevalentes.
Desta forma, os resultados deste estudo devem ser interpretados com a devida cautela, compreendendo que essas limitações estão, em grande parte, relacionadas à baixa frequência de indicação da demarcação pré-operatória, o que dificulta a obtenção de amostras suficientemente grandes para comparações mais robustas entre os grupos. Portanto, investigações futuras com maior número de participantes e controle de variações intervenientes são necessárias para aprofundar a compreensão sobre o impacto da demarcação na prevenção de complicações na estomia e pele periestomia.
Este estudo teve como objetivo analisar a associação entre a demarcação pré-operatória do local da estomia e a ocorrência de complicações no estoma e na pele periestomal. Os achados indicaram que a demarcação está associada à redução da ocorrência de dermatite periestomal, o que reforça sua relevância como estratégia preventiva, especialmente por possibilitar o posicionamento mais adequado do estoma em relação às características anatômicas do paciente.
Em contrapartida, intercorrências como hérnia paraestomal, edema, prolapso e necrose ocorreram apenas entre os pacientes que não passaram pela demarcação pré-operatória. Apesar de não apresentarem significância estatística, esses achados sinalizam a necessidade de investigações futuras, com amostras maiores e delineamentos que possibilitem maior poder estatístico para detecção das diferenças entre os grupos e avaliar possíveis relações que sejam relevantes para prática clínica.
Diante do exposto, reafirma-se a importância da demarcação pré-operatória como uma prática segura, não invasiva, de baixo custo e potencialmente efetiva na prevenção de determinadas complicações relacionadas à estomia. Sua adoção sistemática pode contribuir para a melhoria da qualidade do cuidado prestado à pessoa estomizada. Nesse sentido, recomenda-se o fortalecimento de ações institucionais voltadas à capacitação de profissionais, bem como a implementação de protocolos que tornem a demarcação uma etapa obrigatória no preparo cirúrgico dos pacientes candidatos à confecção de estomias.
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Fomento e Agradecimento:
A pesquisa não recebeu financiamento.
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar.
Contribuição dos autores
Patrícia Rosa da Silva. Concepção e projeto ou análise e interpretação dos dados. Redação do manuscrito ou revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Aprovação final da versão a ser publicada. Concordância em ser responsável por todos os aspectos do manuscrito relacionados à precisão ou integridade de qualquer parte do manuscrito, garantindo que sejam investigadas e resolvidas adequadamente.
Claudiomiro da Silva Alonso. Concepção e projeto ou análise e interpretação dos dados. Redação do manuscrito ou revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Aprovação final da versão a ser publicada. Concordância em ser responsável por todos os aspectos do manuscrito relacionados à precisão ou integridade de qualquer parte do manuscrito, garantindo que sejam investigadas e resolvidas adequadamente.
Márcia Mascarenhas Alemão. Redação do manuscrito ou revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Aprovação final da versão a ser publicada: Concordância em ser responsável por todos os aspectos do manuscrito relacionados à precisão ou integridade de qualquer parte do manuscrito, garantindo que sejam investigadas e resolvidas adequadamente:
Meiriele Tavares Araújo. Concepção e projeto ou análise e interpretação dos dados: Aprovação final da versão a ser publicada: Concordância em ser responsável por todos os aspectos do manuscrito relacionados à precisão ou integridade de qualquer parte do manuscrito, garantindo que sejam investigadas e resolvidas adequadamente.
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519
Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(3): e025115