CARTA AO EDITOR
EDUCAÇÃO EM SAÚDE PLANETÁRIA À LUZ TEORIA TRANSCULTURAL DE MADELEINE LEININGER: UMA CONVOCAÇÃO PARA ENFERMAGEM
PLANETARY HEALTH EDUCATION IN LIGHT OF MADELEINE LEININGER'S TRANSCULTURAL THEORY: A CALL TO NURSING
EDUCACIÓN EN SALUD PLANETARIA A LA LUZ DE LA TEORÍA TRANSCULTURAL DE MADELEINE LEININGER: UN LLAMADO PARA LA ENFERMERÍA
https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.3-art.2601
1Iel Marciano de Moraes Filho
2Elionara Teixeira Boa Sorte Fernandes
3Giovana Galvão Tavares
1Universidade Evangélica de Goiás, programa de pós-graduação em Sociedade, Tecnologia e Meio ambiente. Anápolis, Goiás, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002- 0798-3949
2Universidade do Estado da Bahia, departamento de Enfermagem. Guanambi, Bahia, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8302-6887
3Universidade Evangélica de Goiás, programa de pós-graduação em Sociedade, Tecnologia e Meio ambiente. Anápolis, Goiás, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0001- 5959-2897
Autor correspondente
Iel Marciano de Moraes Filho
Programa de Pós-graduação stricto Sensu em Sociedade, Tecnologia e Meio ambiente. Av. Universitária, s/n - Cidade Universitária, Anápolis – GO, CEP: 75083-515. E-mail: ielfilho@yahoo.com.br contato: +55 (62)98484-3593.
Submissão: 14-06-2025
Aprovado: 28-06-2025
A pressão gerada pelo crescimento desenfreado da economia capitalista e de um mercado voltado para o consumo, sustentado por um modelo industrial intensivo, tem imposto um ritmo de produção e exploração incompatível com os ciclos naturais e, consequentemente, com os próprios ciclos da vida terrestre. Essa lógica de desenvolvimento contribui de forma significativa para as mudanças climáticas, ao intensificar a degradação ambiental e a emissão de gases de efeito estufa (1).
Como consequência desse desequilíbrio na relação entre o ser humano e a natureza, diversos impactos ambientais têm se intensificado, tanto em escala local e regional (como chuvas e estiagens prolongadas; enchentes; ondas de calor; além de aumentar a frequência e intensidade de incêndios florestais) quanto em escala global (como o aquecimento do planeta e a perda da camada de ozônio). Tais transformações ambientais vêm desencadeando efeitos sem precedentes sobre a saúde humana através dos surgimentos de epidemias, exigindo uma resposta urgente e articulada do setor da saúde, especialmente da enfermagem, por representar a maior força de trabalho da área da saúde (1-2).
Apoiado nesses fatores, em 2015, surgiu o termo Saúde Planetária, que consiste em uma abordagem transdisciplinar que busca entender como as atividades humanas afetam o planeta e como essas alterações impactam a saúde humana (3).
Nesse
contexto, a enfermagem deve assumir um papel central nas transformações do
cuidado em tempos de crise planetária, por ser detentora da ciência do cuidado,
consolidada centenariamente em diferentes ambientes, e por ter a capacidade de
alcançar as mais diversas populações, principalmente aquelas em situação de
vulnerabilidade, injustiça climática, injustiça ambiental e racismo ambiental(4).
Logo, para que essa atuação seja eficaz, as equipes de enfermagem
requerem habilidades e competências diferenciadas para atender às necessidades
das populações, devido à regionalização e às diferenças culturais, tangendo às
singularidades epidemiológicas, geográficas e culturais que cercam o modo de
vida, a saúde e o bem-estar dos diferentes povos mundiais(4).
Para isso, é fundamental que essas equipes sejam capacitadas para poder agir com respeito a esses povos e ter a sabedoria para identificar e alinhar o cuidado com as diferenças socioculturais, promovendo interações positivas por meio de espaços de comunicação e compreensão mútua entre as populações e os profissionais. No entanto, na prática, o que ocorre é que esses espaços estão se tornando cada vez mais improváveis, em detrimento de uma visão coletiva, seguindo uma política de padronização. Dessa forma, urge a necessidade de uma mudança de paradigma na profissão nestes tempos de crise climática, para que não se percam oportunidades célebres de crescimento e aprendizado com a população, de ressignificação, conscientização e conservação ambiental(5).
Mas essa prática já nos fora ensinada. Pois, em 1991, a enfermeira Madeleine Leininger publicou o Modelo Sunrise, que representa a sua teoria denominada Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural, conforme a (Figura1), na qual se ilustram os seres humanos como inseparáveis de seus antecedentes culturais, da estrutura social, da visão de mundo, da história e do contexto do ambiente, ou seja, fornecer um cuidado culturalmente coerente com o modo de vida da pessoa(6).
Figura 1 – Modelo Sunrise
Fonte: Leininger & MacFarland (2006, p. 25)
Reproduzida sem autorização da editora. Tradução livre
Logo, nos reafirma a importância de compreender os valores culturais e as vivências individuais e coletivas como base para o cuidado de enfermagem, uma vez que tais elementos possuem relação direta com o processo saúde-doença, permitindo intervenções mais precisas e eficazes (4,6).
Principalmente no contexto do século XXI, marcado pela recorrência de desastres ambientais e climáticos, torna-se urgente o desenvolvimento de práticas de Educação em Saúde Planetária voltadas às populações de diferentes territórios. A enfermagem necessita apropriar-se dessas práticas e preceitos, com o objetivo de promover, nos cidadãos, uma consciência de interconexão com o meio ambiente, fundamentada no reconhecimento da tríade sociedade, meio ambiente e saúde (3).
Pois o desequilíbrio dessa tríade provoca o surgimento de diversas doenças, impactando negativamente o processo saúde-doença, assim como a qualidade e a expectativa de vida das pessoas. Em outras palavras, quanto maior a degradação ambiental, maior será a incidência de doenças e o sofrimento das populações e, consequentemente, também a carga de trabalho para os profissionais de saúde (2-3).
Diante disso, é imprescindível o desenvolvimento da educação em saúde, pois, quando articulada aos fatores socioambientais, configura-se como uma ferramenta essencial para o cuidado transcultural, ao integrar o saber popular e o saber técnico-profissional. Essa abordagem valoriza os aspectos socioculturais e ambientais, contribuindo para o fortalecimento do protagonismo dos sujeitos nas práticas de cuidado (7).
De tal forma, os modelos de avaliação da atenção à saúde e ao cuidado, como o de Madeleine Leininger (1991), que conceitua a preservação e a variedade de fatores culturais em contestação ao modelo hegemônico centrado nos sinais e sintomas das doenças, são de fundamental importância para a mudança de paradigma da população e para o entendimento dessas premissas vivenciadas, além de facilitar a compreensão, por parte dos profissionais de saúde, sobre o modo de vida de cada povo(4-5).
Assim, é fundamental que o profissional de enfermagem detenha o conhecimento sobre a aplicação prática de uma teoria de enfermagem como está, possibilitando assim um cuidado mais coerente com as necessidades da pessoa cuidada, pois permitirá a compreensão do ambiente, do processo saúde-doença e do papel da sua práxis frente às demandas, estimulando o agir com raciocínio crítico (5).
Portanto, urge a necessidade de a enfermagem criar momentos oportunos de ações de cuidado, preservação, padronização ou acomodação, a fim de esclarecer a melhor maneira de intervir e mudar a realidade de cada povo, proporcionando a mitigação de doenças (6).
Diante da complexidade da realidade atual, parte-se do pressuposto de que, em todas as culturas, o cuidado é primordial para sustentar o fortalecimento da saúde e a continuidade da vida humana. Por isso, torna-se fundamental a implementação de práticas baseadas no cuidado cultural. E, para que tais práticas sejam efetivas, é necessário que respeitem o tempo existencial de cada povo, sendo adaptadas de forma sensível aos aspectos socioambientais de cada época.
Nesse cenário, torna-se urgente uma mudança de paradigma que integre os pressupostos ecológicos, sociais e culturais de forma interdependente, conforme o preceito da Saúde Planetária. Essa abordagem, no entanto, deve sempre respeitar os valores, crenças e necessidades dos povos, acompanhando-os desde o nascimento até o momento da morte.
Dessa forma, mais uma vez, a Enfermagem, enquanto campo de conhecimento, demonstra estar à frente de seu tempo ao reconhecer a importância da valorização da cultura no contexto do processo saúde-doença e, consequentemente, na promoção da saúde. O cuidado cultural consiste no reconhecimento de valores, crenças e expressões compartilhadas relativamente conhecidas por determinados grupos que contribuem para o estabelecimento do bem-estar, favorecem melhores condições de vida e auxiliam no enfrentamento da morte e das incapacidades físicas (6).
Diante do exposto, vale uma reflexão dirigida tanto a enfermeiros(as) quanto a outros profissionais da saúde, acerca das formas de avaliar e cuidar diante dos novos desafios impostos pelas mudanças climáticas. Assim, convocamos a comunidade da enfermagem a liderar a construção de práticas voltadas para a atenção à saúde, à mitigação dos impactos decorrentes dessas mudanças e ao reconhecimento da relevância dos pressupostos da Saúde Planetária e da Educação em Saúde Planetária na promoção do cuidado e na conscientização da população de que, enquanto se continuar degradando o planeta Terra, maiores serão os eventos climáticos e maior será a carga de doenças a eles associadas.
REFERÊNCIAS
1. Ballivián JMP. (org.) Guia do Professor: Cultura, Ambiente e Biodiversidade. Belo Horizonte: UFMG; 2006.
2. Moraes Filho IM de, Tavares GG. Current and future nursing in promoting planetary health: actions for sustainable development. Texto contexto - enferm [Internet]. 2024;33:e20230415. Available from: https://doi.org/10.1590/1980-265X-TCE-2023-0415en
3. Moraes Filho IM de, Amaral ECLR do, Tavares GG, Spiess MAR. Saúde Planetária: distribuição de casos de dengue, zika e chikungunya em Goiás (2017-2021) e fatores socioambientais. Saúde E Pesquisa. 2025;18:e13079. Doi: https://doi.org/10.17765/2176-9206.2025v18e13079
4. Costa, MAS, Gomes VO, Esteves AVF, Furtado, MAS. Transculturalidade das tecnologias da informação e comunicação utilizadas pelo enfermeiro no cuidado à pessoa idosa. REVISA. 2025;14(2): 1421-8.
5. Lima AFS, Santos CEB, Alves NR, Lima Júnior MCF, Jorge JS, Tigre HWA, et al. Nursing care for the Warao people: an experience report based on transcultural theory. Rev esc enferm USP [Internet]. 2023;57:e20230035. Doi: https://doi.org/10.1590/1980-220X-REEUSP-2023-0035en
6. Silva ER, Alencar EB, Dias EA, Rocha LC, Carvalho SCM. Transculturality in nursing based on Madeleine Leininger’s theory. REAS/EJCH. 2020;13(2): e5561. doi: https://doi.org/10.25248/reas.e5561.2021.
7. Freitas RJM, Bessa MM, Fernandes SF, Barreto FA, Trigueiro JG. Enfer(i)magem: espaço potente para o exercício da transdisciplinaridade no cuidado em saúde. Revista de Educação Popular. 2021;20(2):230–44. doi: https://doi.org/10.14393/REP-2021-55413.
Fomento e Agradecimento:
financiamento próprio.
Critérios de autoria (contribuições dos autores)
• Iel Marciano de Moraes Filho: 1. contribui substancialmente na concepção e/ou no planejamento do estudo; 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada
• Elionara Teixeira Boa Sorte Fernandes: 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
• Giovana Galvão Tavares.: 2. na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados; 3. assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Declaração de conflito de interesses:
Nada a declarar.
Editor Científico: Francisco Mayron Morais Soares. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7316-2519
Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(3): e025105