ARTIGO DE REVISÃO
ESTÉTICA E COSMETOLOGIA: DO CONTEXTO SÓCIO HISTÓRICO À PRÁTICA DO ENFERMEIRO
AESTHETICS AND COSMETOLOGY: FROM THE SOCIO-HISTORICAL CONTEXT TO NURSING PRACTICE
ESTÉTICA Y COSMETOLOGÍA: DEL CONTEXTO SOCIOHISTÓRICO A LA PRÁCTICA DE ENFERMERÍA
https://doi.org/10.31011/reaid-2025-v.99-n.4-art.2628
1Camila Izabela de Oliveira Machado
2Sue Christine Siqueira Péclat
1Enfermeira, Pós-graduada em Enfermagem Dermatológica e Estética, Mestre em Saúde Coletiva - UnB, Doutoranda em Ciências da Saúde - UnB, Brasília, DF, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0009-0001-1409-9449
2Enfermeira, Pós-Graduada em Estética Avançada e Clínica, Mestre em Atenção à Saúde – PUC GO, Doutoranda em Ciências da Saúde - FM/UFG, Goiânia, GO, Brasil. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0399-5635
Autor correspondente
Camila Izabela de Oliveira Machado
Universidade de Brasília. Brasília-DF, Brasil. CEP: 70.297-400, Telefone: +55 61-98155-9412. E-mail:caizamachado@gmail.com
Submissão: 19-08-2025
Aprovado: 20-10-2025
RESUMO
INTRODUÇÃO: O conceito de beleza e o uso de cosméticos são fenômenos milenares, influenciados por contextos sociais, econômicos, culturais, climáticos e religiosos. No cenário de crescente demanda por cuidados estéticos e valorização da qualidade de vida, a Enfermagem Estética emerge como uma área de atuação relevante, enfatizando a importância da formação e das competências específicas para uma prática segura e ética. OBJETIVOS: Este estudo teve como objetivos analisar a trajetória da estética e cosmetologia desde suas origens até a atualidade e discutir a atuação do enfermeiro nesse cenário. MÉTODO: O levantamento de dados foi realizado entre 2023 e 2025, e usou abordagem qualitativa, utilizando a revisão narrativa da literatura como estratégia de investigação para análise crítica de fontes primárias e secundárias sobre a trajetória da estética e cosmetologia e a atuação do enfermeiro, usando como fonte as bases de dados BDENF, LILACS, MEDLINE, via PubMed e BVS. RESULTADOS E DISCUSSÃO: Foi retratada a evolução histórica da estética e da cosmetologia em diferentes culturas e períodos, identificou-se marcos regulatórios e a expansão do mercado de trabalho na área estética, analisou-se a formação e as competências do enfermeiro para atuar em estética e cosmetologia, como também, discutiu-se os aspectos éticos, legais e de segurança na prática do enfermeiro esteta. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O estudo reforça o papel protagonista do enfermeiro na promoção do bem-estar, conforto com o próprio corpo e autoestima, contribuindo para a saúde integral do indivíduo.
Palavras-chave: Estética, Cosméticos, Enfermagem, Enfermeiro.
ABSTRACT
INTRODUCTION: The concept of beauty and the use of cosmetics are ancient phenomena, influenced by social, economic, cultural, climatic, and religious contexts. In the context of growing demand for aesthetic care and the appreciation of quality of life, Aesthetic Nursing emerges as a relevant field of practice, emphasizing the importance of training and specific skills for safe and ethical practice. OBJECTIVES: This study aimed to analyze the trajectory of aesthetics and cosmetology from its origins to the present day and to discuss the role of nurses in this context. METHOD: Data collection was conducted between 2023 and 2025 and used a qualitative approach, using a narrative literature review as a research strategy for critical analysis of primary and secondary sources on the trajectory of aesthetics and cosmetology and the role of nurses. Sources included the BDENF, LILACS, MEDLINE, PubMed, and BVS databases. RESULTS AND DISCUSSION: The historical evolution of aesthetics and cosmetology across different cultures and time periods was portrayed. Regulatory frameworks and the expansion of the aesthetics job market were identified. The training and competencies of nurses working in aesthetics and cosmetology were analyzed. The ethical, legal, and safety aspects of aesthetic nurse practice were also discussed. FINAL CONSIDERATIONS: The study reinforces the leading role of nurses in promoting well-being, body comfort, and self-esteem, contributing to the individual's overall health.
Keywords: Aesthetics; Cosmetics; Nursing; Nurse.
RESUMEN
INTRODUCCIÓN: El concepto de belleza y el uso de cosméticos son fenómenos antiguos, influenciados por contextos sociales, económicos, culturales, climáticos y religiosos. En el contexto de la creciente demanda de cuidados estéticos y la valoración de la calidad de vida, la Enfermería Estética emerge como un campo de práctica relevante, enfatizando la importancia de la formación y las habilidades específicas para una práctica segura y ética. OBJETIVOS: Este estudio tuvo como objetivo analizar la trayectoria de la estética y la cosmetología desde sus orígenes hasta la actualidad y discutir el papel de las enfermeras en este contexto. MÉTODO: La recopilación de datos se realizó entre 2023 y 2025 y utilizó un enfoque cualitativo, utilizando una revisión narrativa de la literatura como estrategia de investigación para el análisis crítico de fuentes primarias y secundarias sobre la trayectoria de la estética y la cosmetología y el papel de las enfermeras. Las fuentes incluyeron las bases de datos BDENF, LILACS, MEDLINE, PubMed y BVS. RESULTADOS Y DISCUSIÓN: Se retrató la evolución histórica de la estética y la cosmetología en diferentes culturas y épocas. Se identificaron los marcos regulatorios y la expansión del mercado laboral en estética. Se analizaron la formación y las competencias del personal de enfermería que trabaja en estética y cosmetología. También se discutieron los aspectos éticos, legales y de seguridad de la práctica de enfermería estética. CONSIDERACIONES FINALES: El estudio refuerza el papel protagónico del personal de enfermería en la promoción del bienestar, la comodidad corporal y la autoestima, contribuyendo así a la salud integral del individuo.
Palabras clave: Estética; Cosmética; Enfermería; Enfermera.
INTRODUÇÃO
O termo cosmético tem origem da palavra grega Kosméticos que está relacionada ao adorno ou àquele que adorna e Cosmos significa ordem (1).
O cosmético possui propriedades para o cuidado pessoal, de higiene e de conservação da saúde. Segundo a Anvisa, cosméticos são preparações para uso externo, utilizados para limpar, perfumar, alterar a aparência e corrigir odores, protegendo e mantendo bom estado das diversas partes do corpo (2).
O uso dos cosméticos é influenciado pelo contexto social, econômico, cultural, climático e religioso em uma sociedade. Há indícios do uso de cosméticos, há pelo menos 100.000 anos pelos homens pré-históricos, através dos achados em pinturas e desenhos rupestres e utensílios. De acordo com achados arqueológicos, foram encontrados artefatos que pareciam ser usados para maquiagem e pigmentos extraídos de argila, plantas, minerais rochosos e carvão, diluídos em água ou gordura animal (3).
Segundo Kahn et al (4), os cosméticos são itens importantes da vida diária de pessoas de todas as idades e são usados para uma variedade de propósitos, sendo que a maioria dos usuários está mais preocupada com resultados imediatos dos cosméticos que seus resultados a médio e longo prazo, o que é um dos grandes motivos para o aumento global do uso desses elementos no dia a dia e o crescimento do mercado global de cosméticos.
Como o interesse pela busca da beleza cresceu significativamente desde a década passada, os cosméticos têm sido mais utilizados com este intuito dentro dos consultórios e das clínicas de estética (5).
O presente estudo visa traçar um panorama da evolução da estética e da cosmetologia, desde suas origens históricas até o cenário contemporâneo, e, em particular, analisar a inserção e o papel do enfermeiro nesse campo de atuação.
MÉTODO
Este estudo adota uma abordagem quantitativa, utilizando a Revisão Narrativa da Literatura como estratégia de investigação. Esta modalidade permite a análise crítica e a síntese do conhecimento sobre a trajetória da estética e cosmetologia e a atuação do enfermeiro no campo. A revisão foi realizada seguindo as etapas propostas por Sousa et al (6): formulação da questão norteadora, busca bibliográfica, coleta e análise crítica dos dados.
O período de investigação compreendeu de janeiro de 2023 a maio de 2025. A análise proposta visa aprofundar a evolução histórica da estética, os marcos regulatórios, a expansão do mercado e, especificamente, a formação, atuação e os aspectos éticos, legais e de segurança na prática do enfermeiro esteta.
Estratégia de Busca e Coleta de Dados
A pesquisa bibliográfica foi executada em duas etapas complementares para garantir uma cobertura abrangente do tema:
Etapa 1: Levantamento Histórico e Conceitual (Busca Ampla)
O objetivo inicial foi estruturar o conhecimento histórico e conceitual sobre a estética e a cosmetologia. A busca foi realizada na plataforma PubMed, sem restrição de idioma ou recorte temporal, utilizando os seguintes tópicos de forma independente, conectados pelo operador booleano “OR”, apresentados no Quadro 1 a seguir:
Quadro 1 - Tópicos utilizados na busca ampla
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TÓPICOS PESQUISADOS |
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Enfermagem Estética |
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Enfermeiro Esteta |
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Estética |
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Procedimento Estético |
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História da Estética |
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História dos Cosméticos nas Sociedades |
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Cosmetologia |
Fonte: elaborados pelos autores, 2025. Dados da plataforma PubMed.
Nesta etapa, foram compilados: (a) Artigos científicos; (b) Livros especializados; (c) Documentos normativos de entidades de classe e agências reguladoras (para regulamentação); e (d) Literatura clássica sobre Estética na Arte e Filosofia (para o conceito de beleza e belo).
Etapa 2: Foco na Atuação do Enfermeiro (Busca Dirigida)
Posteriormente, foi realizada uma busca mais específica, com foco na produção científica da Enfermagem, nas seguintes fontes de dados: BDENF, LILACS, MEDLINE (via PubMed) e BVS (Biblioteca Virtual em Saúde).
O termo de busca central foi ESTÉTICA. Para refinar os resultados e focar na área de interesse, foram aplicados filtros utilizando os seguintes Assuntos Principais, obtidos nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), como apresentados no Quadro 2:
Quadro 2 - Descritores utilizados na pesquisa
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DESCRITORES |
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Enfermagem
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Cuidados de Enfermagem
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Enfermeiras e Enfermeiros
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Educação em Enfermagem
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Processo de Enfermagem
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Teoria de Enfermagem
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Fonte: elaborados pelos autores, 2025, dados dos DeCS.
Foi aplicado um recorte temporal de 10 anos, abrangendo publicações de 2015 a 2025, visando rastrear a literatura mais recente sobre a atuação do enfermeiro na estética.
Resultados da Busca e Critérios de Seleção
Na Etapa 2, o rastreamento inicial de títulos e resumos resultou nos seguintes volumes de publicações nas bases de dados selecionadas, usando o termo ESTÉTICA e os filtros aplicados, conforme detalhado no Quadro 3:
Quadro 3 - Publicações nas bases de dados
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BASE DE DADOS |
TOTAL DE PUBLICAÇÕES ENCONTRADAS |
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LILACS |
50 |
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BDENF |
30 |
Fonte: elaborados pelos autores, 2025, resultados por base de dados.
Os critérios de inclusão na Etapa 2 foram artigos cujo tema principal era a Estética como área de atuação do enfermeiro.
Os critérios de exclusão foram:
● Artigos que abordavam a perspectiva estética ou sociopoética, ou a experimentação estética no contexto da Enfermagem não relacionada à prática clínica estética.
● Artigos sobre prática estética não diretamente relacionada ao trabalho do enfermeiro (ex: focados em outros profissionais).
Após a triagem por títulos e resumos, 8 publicações foram selecionadas para leitura na íntegra. Destas, 3 pesquisas abordaram a atuação do enfermeiro no pós-operatório de cirurgia plástica e 5 pesquisas tratavam especificamente da prática do enfermeiro esteta.
A análise final dos documentos selecionados nas duas etapas (artigos, livros e normas) possibilitou a extração de definições, regulamentações, reflexões filosóficas sobre o belo e a beleza, e a síntese da atuação profissional, estruturando a base conceitual e argumentativa desta revisão.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A cosmetologia é um ramo que estuda formas de ação, aplicação, efeitos e desenvolvimento dos produtos (física, química, biológica e microbiológica). Constitui "uma área da ciência farmacêutica que estuda os produtos cosméticos de forma geral, desde a sua preparação até a venda” e “não tem como objetivo a cura ou o tratamento de alguma enfermidade ou doença, pois não se trata exatamente de um medicamento, mas tem sim apelo de tratamento de beleza” (7).
Na antiguidade há registros de uso de pigmentos para maquiagem e tatuagens. Seu uso era empregado na higiene, no embelezamento e nos rituais religiosos. Os egípcios deixaram muitos resquícios da cultura e hábitos cotidianos. Há registros do uso de óleos, leite, ervas, perfumes, lama para higiene e hidratação da pele (3); henna e pigmentos minerais com cristais de malaquita para proteção de insetos e para maquiagem em rituais religiosos e funerários (8). No sarcófago de Tutankamón (1400 a.C.) foram encontrados incensos, unguentos, cremes e azeites que eram usados em seus cuidados corporais.
Outros povos também deixaram contribuições para o desenvolvimento dos cosméticos. Os hebreus utilizavam no asseio corporal cosméticos hidratantes e antissépticos. Os fenícios em 600 a.C. desenvolveram o processo de saponificação a partir de gordura de cabra, água e carbonato de potássio solidificado. Entretanto, foram os gregos e romanos que desenvolveram os primeiros sabões a partir de óleos vegetais e minerais alcalinos (3).
Para os gregos, o corpo era um templo e merecia ser cuidado. Os homens tinham como hábito frequentar casas de banho, e as mulheres faziam seus cuidados pessoais em casa, sendo comum o uso de ervas como anis, pimenta, sálvia, alecrim e hortelã em fragrâncias, bem como azeite e areia para controle térmico. Os romanos também utilizavam as casas de banho não só para higiene, mas também faziam uso de vapor e massagens. Realizavam asseio pessoal com ervas e raízes (8). Os asiáticos mantinham rituais de asseio e valorização da aparência feminina, usavam pinturas em unhas (3) e foram pioneiros nas técnicas de depilação com linha (8).
As concepções sobre o belo e a beleza eram alvo de ampla valorização e discussão filosófica desde a antiguidade. Para os pensadores antigos o belo era belo em si mesmo e estava relacionado com o bem e a verdade. Ética, verdade e beleza eram elementos complementares. Alguns filósofos deixaram vários postulados sobre a função social da beleza. Para Pitágoras, a beleza estava contida na lei dos números, a harmonia vinha da simetria e o belo era sinônimo de bom. Sócrates considerava que o belo estava intimamente relacionado à ética, e atribuía ao belo tudo aquilo que causava prazer por meio dos sentidos. Para Platão, o belo estava relacionado à liberdade e à verdade, um conceito universal ligado ao mundo das ideias (mundo inteligível). Para Aristóteles, o belo tinha ordem e simetria (9-11).
Na idade média, a religião exercia forte influência de controle social e o cristianismo impunha normas de conduta, reprimindo o culto à beleza e impondo restrições à higiene corporal (12). A beleza feminina era retratada por peles pálidas, cabelos loiros e ar virginal. O uso de maquiagem era condenado pela igreja, pois era “uma prática sedutora que conduzia ao pecado”. A higiene era combatida, porque acreditava-se que deixava a pele suscetível a doenças e despertava a vaidade.
Os banhos eram praticados apenas em recém-nascidos e nos batismos. Os hábitos de higiene se reservavam a mãos, rostos e dentes (esfregaços com tecidos). Esses costumes contribuíram para o surgimento e agravamento do surto de peste, devido à negligência com hábitos de higiene. Nem todas as culturas estavam submetidas às imposições cristãs, para os muçulmanos o asseio pessoal era preceito religioso (12).
A compreensão dos religiosos sobre o belo conectava ao conceito da criação divina, remetia às escrituras sagradas e normas cristãs. Para Santo Agostinho, o belo é um todo harmonioso, que possui unidade, proporção, igualdade e ordem, sendo o reflexo da criação divina e perfeição de Deus. Tudo que é belo é bom e verdadeiro. São Tomás de Aquino associa a beleza com bondade e verdade, pois são atributos transcendentais de Deus. De modo geral, as reflexões sobre a beleza atribuíram a integralidade, a harmonia e a claridade, em contrapartida, o feio era ligado ao fragmentado, à desarmonia e à escuridão (9).
No renascimento, o banho ainda era desaconselhado. Surge a figura dos perfumistas na elaboração de fragrâncias e cosméticos. A nobreza ostentava o uso de joias e maquiagem (utilizavam a farinha de trigo como pó facial). Os cabelos eram usados com ornamentos e perucas e os contornos do corpo feminino eram alvo de valorização e as vestimentas marcavam seios e nádegas (9).
Na idade moderna é retomada a discrição e naturalidade na aparência e vestimenta. Os banhos voltam a fazer parte da rotina com o emprego do uso de sabão, mas a maquiagem deixa de ser empregada. As pinturas corporais, com uso de pó de urucum e seiva de jenipapo, eram empregadas em rituais religiosos, status social, proteção solar para os povos indígenas. Nessa fase a ideia do belo era subjetiva, pois estava relacionado ao sujeito que contempla e ao objeto contemplado. As reflexões sobre os conceitos beleza, sensibilidade e arte eram temas intimamente relacionados (8).
A arte é a forma de representação do belo e desperta o mundo dos sentidos. Alguns filósofos modernos reforçam conceitos de eras anteriores sobre a beleza e adicionam atributos mais complexos para a interpretação do belo. Shafsterbury foi um defensor da liberdade e da beleza, acreditava que o homem tinha inclinação natural para o belo e virtuoso. Para ele tudo que é belo tem harmonia. Hutcheson pregava que a beleza pode ser absoluta e relativa, uniforme e variável. Burke difere o belo do sublime, em que o primeiro nasce do prazer, e o segundo emerge da dor/horror (10,13). O filósofo alemão Alexander G. Baumgarten (1714-1762) conceituou no século XVIII a Estética e a classificou como ciência da percepção. Foi denominado o primeiro Esteta e difundiu a estética como a experiência do sentir, de ser impactado ou afetado por um estímulo físico ou mental (imaginário).
A Estética se tornou uma disciplina da filosofia da arte. O belo então passa a ser campo da arte, enquanto a Estética se desenvolve enquanto ciência (10,13).
Kant também faz várias contribuições sobre a função social da beleza e sobre a estética, trazendo o belo como fruto da relação entre sujeito e objeto. Retrata a representação que o sujeito faz ao contemplar o objeto, provocando sentimento de prazer. Para Kant, o belo é o que agrada universalmente, de forma desinteressada. Hegel vê o belo como “um mero agrado subjetivo, ou uma sensação casual”. Para ele, a concepção de beleza muda com o tempo, a cultura e a visão de mundo (8,10,13).
A origem do termo Estética vem do grego "Aisthesis" que quer dizer ato ou capacidade de sentir, sensação, percepção ou estudo da sensibilidade. Logo, seu oposto "Anesthesis" significa ausência de sentidos, de sensibilidade. Para linguagem da área da saúde, o Esteta é o profissional de saúde, com especialização em Estética, regulamentada pelo Conselho de Classe Profissional (14).
Na idade contemporânea, retoma-se a valorização da higiene e os banhos foram aumentando a regularidade. Nessa época, há intensa produção industrial de produtos de higiene (sabão, produtos bucais, desodorantes), potencializando os estudos dos princípios ativos e avanços na indústria química (3).
O conceito de beleza foi modificado em várias épocas e sofreu influências inúmeras de culturas diversas. Nos anos 1990, o padrão de beleza valoriza corpos magros e a indústria cosmética experimenta grandes avanços tecnológicos. Nos anos 2000, o conceito da nanotecnologia desenvolve a produção em escala atômica e molecular para micronização de nutrientes, com o objetivo de aumentar os efeitos e reduzir as reações adversas. A ditadura da beleza ostenta um padrão muitas vezes inatingível, levando a crescentes prejuízos à saúde mental, além de reforçar ideias de exclusão de alguns perfis corporais com quadros de obesidade e sobrepeso, gerando forte impacto emocional com diminuição da autoestima, depressão e transtornos de imagem e alimentares (8).
De 2010 até a época atual, podemos dizer que alguns desses padrões estão em processo de desconstrução, e a valorização da saúde física e mental e do bem-estar figuram mais destaque. Os padrões estéticos são instituídos conforme sociedade, cultura, economia e clima. Nesse contexto, o peso corporal passa a ser relativo e adaptado ao estilo pessoal, embora haja forte destaque para o investimento no "mercado do músculo". O uso dos cosméticos também sofre adaptações e surge a valorização dos cosméticos artesanais e as farmácias magistrais são preteridas em detrimento dos cosméticos individualizados. Há crescente evolução dos produtos e tecnologias na área da estética em cosméticos, equipamentos e substâncias injetáveis dão lugar a predileção para os procedimentos minimamente invasivos (7,15).
A saúde passa a ser sinônimo de qualidade de vida e sua conquista é adquirida por meio da sua promoção. Nesse cenário, emerge a Enfermagem Estética com a "Prevenção de problemas relacionados ao estresse e ao envelhecimento, resgate da beleza e do senso estético e a promoção do bem-estar e do conforto com o próprio corpo e autoestima". Esse ramo do cuidado não se limita ao indivíduo saudável, mas ao indivíduo livre de doenças (agudas) ou restrições, proporcionando também o cuidado do indivíduo com patologias, restrições, necessidade de orientações próprias do enfermeiro, com sua prática integral e uso de ferramentas já consagradas na área terapêutica, como o processo de enfermagem e sistematização da assistência (14).
Em 1970 passa a ser difundida a área de atuação em enfermagem dermatológica no Brasil. Em 1985, a enfermeira Maria Helena Mandelbaum difunde trabalhos de estética no pós-operatório de cirurgia plástica. Em 1986 é aprovada a Lei n.º 7.498/86 que regulamenta o Exercício Profissional da Enfermagem (16). Em 1990 surge a primeira Especialização em Enfermagem Dermatológica. Em 1998 é criada a SOBENDE, Sociedade Brasileira de Enfermagem Dermatológica. Diante do mercado da beleza aquecido, as oportunidades do ramo da estética sendo aproveitadas por diversas categorias profissionais de saúde e o enfermeiro se aproximando do empreendedorismo, amplia-se o interesse, em vários pontos do país, pela atuação da enfermagem também no cuidado estético.
Segundo os autores (17), “no Brasil, a trajetória do cuidado no campo da estética teve início em 2014 com a publicação do Parecer COFEN n.º 197/2014, que esclareceu que não há barreiras técnicas legais para a atuação estética da categoria de cuidados para procedimentos não invasivos perfurocortantes ou injeções” (17:3).
Em 2003 há a criação da SOBENFeE, Sociedade Brasileira de Enfermagem em Feridas, que incorporou também a Estética a partir da primeira regulamentação, em 2016 (14).
Em 2004, o COFEN regulamenta a atuação da Enfermagem Dermatológica e Terapias Naturais e Complementares. Em 2016 surge a primeira Resolução da Enfermagem Estética (529/16), (suspensa em 2017) e a criação da SOBESE, Sociedade Brasileira de Enfermeiros em Saúde Estética. Em 2020 surge a Resolução n.º 626/20, Enfermagem Estética, que revoga a 529/16. Em 2022, o Conselho Federal publica o Parecer Técnico COFEN n.º 001/22. E, em 2023, o COFEN publica a Resolução n.º 715/23, que altera a 626/22, e inclui no texto 100 horas práticas “supervisionadas” (18-23).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo teve como objetivo analisar a trajetória da estética e cosmetologia desde suas origens até a atualidade e discutir a atuação do enfermeiro nesse cenário. Para tanto, a revisão narrativa discorreu sobre a evolução histórica da estética e da cosmetologia em diferentes culturas e períodos, identificou marcos regulatórios e a expansão do mercado de trabalho na área, analisou a formação e as competências do enfermeiro, e discutiu os aspectos éticos, legais e de segurança em sua prática.
A análise histórica revelou que o conceito de beleza e o uso de cosméticos são fenômenos milenares, profundamente influenciados por contextos sociais, econômicos, culturais, climáticos e religiosos. Desde os homens pré-históricos, com achados de pinturas rupestres e utensílios para maquiagem, passando pelos egípcios – que valorizavam a higiene e o adorno –, até os gregos e romanos – que desenvolveram os primeiros sabões e práticas de cuidado corporal –, a busca pelo belo e pelo bem-estar sempre esteve intrinsecamente ligada à identidade social.
A trajetória demonstrou, contudo, que essa valorização não é linear. A Idade Média, sob forte influência religiosa, impôs restrições ao culto à beleza e à higiene, ao passo que o Renascimento e a Idade Moderna marcaram um retorno à valorização da aparência, ainda que com diferentes ênfases socioculturais. O marco mais significativo reside na Idade Contemporânea, impulsionada pela produção industrial, pela ciência e por avanços tecnológicos, como a nanotecnologia, o que resultou na intensa expansão do mercado cosmético global.
Verificou-se que os padrões de beleza são dinâmicos e multifacetados. A ditadura da beleza, por vezes inatingível, pode gerar prejuízos à saúde mental, impactando a autoestima e contribuindo para transtornos de imagem e alimentares. Entretanto, a tendência atual demonstra uma desconstrução desses padrões, com maior valorização da saúde física e mental, do bem-estar e uma preferência por procedimentos minimamente invasivos e cosméticos individualizados, pautados no autocuidado.
Nesse cenário de crescente demanda por cuidados estéticos e valorização da qualidade de vida, a Enfermagem Estética emerge como uma área de atuação relevante. A pesquisa identificou que o avanço tecnológico na área estética foi acompanhado por importantes marcos regulatórios que buscaram normatizar a atuação de diversos profissionais de saúde, incluindo o enfermeiro. Tais normativas, emitidas por Conselhos e Agências Reguladoras (ANVISA), são cruciais para garantir a segurança dos procedimentos e a competência técnica, enfatizando a importância da formação especializada e das competências específicas para uma prática segura e ética.
A atuação do enfermeiro na estética, conforme discutido, transcende a mera aplicação de técnicas. Ela se fundamenta no cuidado holístico e na promoção da saúde, aplicando ferramentas essenciais como o Processo de Enfermagem e a Sistematização da Assistência (SAE), o que confere cientificidade e segurança à prática. O enfermeiro esteta atua não apenas no indivíduo saudável que busca aprimoramento estético, mas também no cuidado de indivíduos com patologias e necessidades específicas, como no pós-operatório de cirurgias plásticas. Isso reforça o papel integral do enfermeiro na promoção do bem-estar, na recuperação da autoimagem e na autoestima, contribuindo de forma significativa para a saúde integral do indivíduo.
Conclui-se que a estética e a cosmetologia representam um campo em constante e rápida evolução, com profundas raízes históricas e culturais. A Enfermagem Estética, com sua base sólida no cuidado holístico e na promoção da saúde, demonstra um potencial significativo para contribuir para a qualidade de vida e o bem-estar dos indivíduos, desde que sua prática esteja inequivocamente pautada em uma sólida formação, rigor ético, legalidade e segurança.
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Fomento e Agradecimento:
Os autores declaram que a pesquisa não recebeu financiamento.
Declaração de conflito de interesses
Nada a declarar.
As autoras contribuiram na concepção e/ou no planejamento do estudo; na obtenção, na análise e/ou interpretação dos dados, assim como na redação e/ou revisão crítica e aprovação final da versão publicada.
Editor Científico: Italo Arão Pereira Ribeiro. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0778-1447
Rev Enferm Atual In Derme 2025;99(4): e025148