INTRODUÇÃO

A Atenção Primária à Saúde (APS) é uma estratégia de organização para atender a população de for= ma regionalizada, sistematizada e continuada, sendo o primeiro nível de atençã= o, caracterizado por um conjunto de ações que abrangem a promoção e a proteção= da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação = e a manutenção da saúde¹. A APS é considerada a porta de entrada do indivíduo ao Sistema Único de Saúde (SUS), sendo responsável pelo cuidado integral e gratuito para toda a população². O profissional enfermeiro, de formação generalista, possui um papel estratégico dentro desta organização sendo cap= az de perceber o indivíduo como um todo, avaliando suas reais necessidades e expectativas a partir de um vínculo previamente estabelecido entre profissi= onal e usuário^3,4.

Na APS, o tratamento = de feridas faz parte da rotina diária do enfermeiro, sendo as feridas crônicas aquelas atendidas com maior frequência⁵. A partir da avaliação do paciente de forma sistematizada, é realizada a anamnese, o exame físico, o diagnóstico de enfermagem, as intervenções, as prescrições de enfermagem e = os encaminhamentos. Durante a consulta, desenvolve-se o plano de cuidados para= a escolha da cobertura ideal e o acompanhamento da evolução da ferida, com intuito de observar a eficácia do tratamento e reduzir as complicações das feridas⁶.

As feridas crônicas s= ão aquelas que possuem como característica o tempo prolongado de cicatrização, podendo estar relacionadas à infecções recorrent= es e complicações relacionadas ao histórico de doença pregressa do portador de u= ma ferida, como por exemplo, diabetes mellitus e hipertensão arterial^{7.
Cerca de 2% da população mundial apresentam feridas crônicas⁸. No
Brasil, estas são consideradas um problema de saúde pública devido ao número
elevado de indivíduos acometidos, gerando altos gastos públicos com os
tratamentos e um grande impacto em sua qualidade de vida⁹.<=
/o:p>}

O conhecimento do enfermeiro em cuidados de feridas e suas competências na APS são regulament= ados pela Resolução 0567, de 29 de janeiro de 2018, do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN), que dispõe sobre a atuação da equipe de enfermagem no cuidado aos pacientes com feridas¹⁰. É importante reconhecer o p= apel e responsabilidade do enfermeiro nesse processo, entretanto, muitas vezes o enfermeiro baseia seus cuidados em evidências frágeis que, frequentemente, = não atendem às informações e condutas precisas e cientificamente validadas^=
11.

Descrita a importância do papel profissional acerca do tratamento de lesões crônicas é relevante identificar o conhecimento técnico-científico dos mesmos. Desta forma, considerando: os altos índices = de prevalência de lesões crônicas; o grande impacto socioeconômico e na qualid= ade de vida do portador de uma ferida; a importância de um tratamento adequado, pautado por evidências científicas; a capacitação do profissional para real= izar um cuidado sistematizado com abordagem holística, o presente estudo teve co= mo objetivo identificar o conhecimento técnico-científico de enfermeiros da atenção primária à saúde sobre o tratamento de lesões crônicas. =

MÉTODOS

A presente pesquisa trata-se de um estudo transversal, observacional, descritivo e com abordagem quantitativa realizado com enfermeiros que atuam na APS de 24 Unidades Básicas de Saúde (UBS) da regiã= o da Zona da Mata mineira. Foram convidados para participar do estudo 135 enfermeiros que atuam na APS, no entanto 28 se recusaram participar e 66 pr= ofissionais não responderam ao convite para realização da pesquisa. A amostra foi composta por 41 enfermeiros.

Os enfermeiros foram convidados a participar da pesquisa= por meio de contato telefônico, e-mail ou visita do entrevistador em seu local = de trabalho. Foram excluídos do estudo ou enfermeiros que estavam de férias ou= de licença na época da realização da coleta de dados e também aqueles que não concordaram em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).=

Para a coleta de dados foi utilizado instrumento validad= o e traduzido para o Português do tipo Survey, sobr= e o conhecimento de enfermeiros a respeito de tratamento de feridas¹². O questionário foi preenchi= do por meio impresso ou online através do Google forms^TM<=
/sup>. O instrumento possui 60 questões objetivas e está dividido em quatro partes= . A primeira parte inclui perguntas sobre caracterização do entrevistado, bem c= omo locais de trabalho; a segunda parte aborda questões relacionadas à sua formação, atualização e tempo de atuação; seguido pela terceira parte compo= sta por perguntas sobre a prática clínica em feridas e a quarta e última parte = com perguntas acerca de conhecimentos específicos sobre o tratamento de feridas= . A avaliação geral das repostas foi considerada ruim quando houve menos de 25%= de acertos; regular entre 26% a 50%, boa entre 51% a 75% e considerada ótima quando acima de 75% de acertos a respeito do tema.

A análise dos dados foi realizada através de avaliação descritiva e por meio de frequência relativa e porcentagem utilizando o SPS= S (Statistical Package f= or the Social Sciences),= versão 25.0.

Os aspectos éticos foram respeitados em todas as etapas = do estudo, de acordo com a Resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012, que tr= ata das recomendações que regulamentam a pesquisa envolvendo seres humanos^=
13. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa em seres humanos da = Universidade Federal de Juiz de Fora, sob o parecer número 3.048.382.<= /p>

RESULTADOS

Do total de 135 enfermeiros convidados, 41 fizeram parte= da amostra. O instrumento foi preenchido pelo próprio enfermeiro, individualme= nte, de forma online ou impressa. A maioria dos entrevistados eram mulheres (92,= 7%), com formação em universidade pública (80,5%) e que afirmaram realizar atendimento aos portadores de feridas com frequência (6= 1,%).

Um total de 32 enfermeiros (78%) afirmou se atualizar so= bre o tema feridas, sendo de fundamental importância que este profissional dete= nha domínio dos procedimentos assistenciais e receba formação para atuação neste âmbito, visto que é responsável por executar, orientar e supervisionar a eq= uipe nos cuidados com a lesão. Quando questionados sobre a forma de atualização,= os entrevistados afirmaram que na maioria das vezes fazem uso de leitura de artigos (75,6%), consultam sites eletrônicos (75,6%), e participam de congr= essos e/ou palestras (61%). Poucos se atualizam por meio de grupo de estudos (36,= 6%) e cursos de extensão universitária (26,8%), não sendo avaliada a frequência= em que são realizadas as atualizações. Em relação à sua formação no cuidado de feridas, 39% se consideram regulares (n=3D16) e 24,4% (n=3D14) se considera= m ruins.

Na Tabela 1 estão descritas as características da instituição em que os profissionais trabalham. Tais info= rmações são relevantes para entender como é a rotina do serviço do profissional e o quanto o enfermeiro atua diretamente no cuidado ao portador de lesão crônic= a. Importante ressaltar que foram observadas poucas UBSs com padronização do serviço no tratamento e realização de curativos, evidenciado pela falta de protocolos específicos na área, o que compromete a qualidade = da assistência.

DISCUSSÃO

O conhecimento técnico-científico acerca do tratamento de feridas dos enfermeiros que atuam na APS foi avaliado no presente estudo e = foi possível identificar que eles atingiram um score bom na média geral, mesmo quando não se autoconsideram suficientemente bons em sua formação. T= al dado em questão foi observado quando questionados sobre sua formação no cui= dado com feridas, no qual 63,4% afirmaram se considerar ruins ou regulares no conhecimento.

Na rotina diária, a realização do curativo se torna, as vezes, pouco valorizado na assistência de Enfermage= m. Contudo, a técnica do curativo é um cuidado de útil para a avaliação da les= ão, visto que, durante realização da técnica é possível traçar uma conduta. É p= or meio da avaliação criteriosa do enfermeiro que é estabelecida a autonomia profissional para implementar o cuidado necessário para a cicatrização da l= esão existente^14,15.

De acordo com a literatura é possível pontuar algumas situações que podem influenciar na assistência prestada ao portador de lesõ= es na atenção primária a Saúde: o grande número de atendimentos; déficit na formação dos profissionais da equipe de enfermagem; falta de materiais e fragmentação no cuidado do usuário com lesões. Tais pontos interferem no cuidado integral e na continuidade da assistência pelo profissional^{16<=
/sup>.
Outro estudo descreve que no momento da realização do curativo, menos de 15=
% das
pessoas escolhem a atenção primária¹⁷.
No entanto, é mister a importância da atenção primária no cuidado de lesões
crônicas, sendo esse nível de atenção o responsável tanto pela prevenção qu=
anto
para o tratamento das feridas. Nota-se que, ao mesmo tempo em que a atenção
primária tem responsabilidade no cuidado de lesões, esta pode não ser a
primeira escolha de local onde os usuários buscam o cuidado de sua ferida18}.

Na presente pesquisa quando questionados sobre as lesões= por pressão (LPP), 63,4% dos profissionais responderam corretamente sobre as le= sões em estágio quatro, que são as que pior respondem ao tratamento clínico. No entanto, apresentaram elevada frequência de erros no que diz respeito à prevenção de lesões – sobre o uso de almofadas de assento do tipo em anel p= ara prevenção de lesão na região sacral e o uso de luvas de silicone preenchidas com água para a prevenção e o tratamento de lesão por pressão na região de calcâneo. No que tange as lesões por pressão (LLP), estas estão estatisticamente aumentando ao longo do tempo e foi constatado a prevalênci= a de 19,5% de LLP em pacientes admitidos em um hospital universitário de São Pau= lo¹⁷. Em estudo, identificou-se a importância do enfer= meiro conhecer esse assunto, pois é o profissional responsável por efetivar o cui= dado¹⁹. Desta forma, o conhecimento ampliado nesta temática é fundamental para os enfermeiros.

Em relação as principais coberturas conhecid= as pelos enfermeiros entrevistados, foram citados o ácido graxo essencial, neo= micina, sulfadiazina de prata, colagenase, papaína, hidrocolóide, hidrogel e = bota de unna. Nenhuma cobertura ou tratamento foi desconhecid= a por todos os profissionais. No entanto, algumas terapias apresentaram baixa frequência como terapia a vácuo, hiperbárica, iruxol, hidrofibra. Os custos para o tratamento de feri= das vêm aumentando nos últimos anos, tanto para os pacientes quanto para o sist= ema de saúde²⁰. O curativo ideal é aquele que evita a contaminação; neutraliza odor; mantém humidade adequada; requer pouca troca; promove o desbridamento autolítico, é absorvente, adaptáv= el, antimicrobiano, indolor na retirada e barato²⁰. Desta forma, o conhecimento das diferentes coberturas poderá contribuir para a indicação m= ais adequada para cada situação próxima ao ideal da realidade apresentada.

O sc= ore geral dos enfermeiros avaliados foi considerado bom. Desta forma é possível inferir que apesar de alguns erros identificados nos questionários, os enfermeiros estão aptos a desempenhar o papel no cuidado do tratamento de feridas. Mas, não é possível desconsiderar a contínua necessidade de atualização, considerando que o tratamento de feridas requer uma compreensã= o da cicatrização, das causas da ocorrência da cronicidade na cicatrização e da gestão do cuidado geral²¹. Cada indivíduo e sua ferida deverão s= er tratados de forma única quanto à causa, localização e nível de contaminação microbiana, bem como os fatores que afetam a cicatrização da ferida. Além disso, atualização no conhecimento dos produtos de tratamento de feridas es= tão disponíveis no mercado e no serviço em que se trabalha²¹. <= /o:p>

Como limitação do estudo, observou-se uma resistência dos profissionais em participarem da pesquisa, por desacreditarem em mudanças e por não verem benefícios em pesquisas científicas. Alguns não concordaram em participar do estudo por considerar que o tema era muito específico e a realização de cur= ativos não ser considerada como prática que possua incentivo dos órgãos superiores, sendo assim um tema que não traria melhora para o sistema. Por outro lado, = alguns enfermeiros elogiaram a iniciativa, pois com ele mostrou-se o déficit que a atenção primária possui quanto a recursos materiais para uma assistência de qualidade em feridas crônicas. Entende-se que durante a coleta de dados foi criado um incentivo aos profissionais em estu= dar sobre a área, visto que notaram sua carência de conhecimentos atualizados s= obre feridas. A pesquisa também despertou nos enfermeiros a vontade de participa= ção em capacitações sobre a temática

CONCLUSÕES

O conhecimento dos enfermeiros que atuam na APS avaliados atingiu um score bom na média g= eral. Apesar disso, alguns conteúdos necessitam ser revisitados pelos participant= es, pois são pontos importantes no tratamento de feridas. Em auto avaliação, os entrevistados não se a= utoconsideram suficientemente bons em sua formação sobre o conhecimento em feridas= .

O conhecimento do enfermeiro no tratamento de lesão é imprescindível para uma boa condução do caso, sendo importante a atualizaçã= o de conteúdo e a iniciativa para realizar um cuidado integral ao usuário. Desta forma salienta-se a necessidade de treinamento continuado sobre a prevenção= , avaliação e tratamento de lesões.

É importante também que o profissional tenha o suporte de recursos materiais e humanos para uma boa qualidade na assistência. Os enfe= rmeiros demonstraram procurar forma de se atualizar, todavia, alguns não conseguem executar na prática o conteúdo estudado devido à escassez de recursos, send= o um dificultador na melhoria da assistência realizada na APS. Deste modo torna-se evidente a necessidade de maior envolvimento e incentivo da rede de atenção à saúde que envolve os gestores e as esferas de governo.

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Variável	Nº	%
Existe protocolo de curativo na instituição?	Não existe	21	51,2
Não sabe	6	14,6
Sim, existe	14	34,1
Enfermeiro prescreve curativo e faz consulta de enfermagem?	Não	22	53,7
Sim	18	43,9
Não sabe informar<= o:p>	1	2,4
Quem realiza curativo?=	Técnico/auxiliar de enfermagem e/ou Enfermeiro	28	68,3
Técnico/auxiliar de enfermagem	12	29,3
Enfermeiro	1	2,4
Quem realiza curativo segue prescrição do:	Enfermeiro e/ou mé= dico	18	43,9
Enfermeiro	5	12,2
Médico<= /span>	8	19,5
Padronizado	5	12,2
Enfermeiro e/ou mé= dico e padronizado	5	12,2
Onde são realizados os curativos?	Sala de curativo/procedimento	33	80,5
Sala improvisada	2	4,9
Sala de curativo/procedimento e domicílio	6	14,6
Médicos avaliam os pacientes?	Às vezes	34	82,9
Nunca	2	4,9
Sempre<= /span>	5	12,2

Questões	Acertos (%)	Erros (%)
Melhor ambiente para a cicatrização da lesão	61,0	39
Com a técnica de swab é = possível diferenciar feridas colonizadas das infectadas	9.8	87,8
Curativos hidrogéis são melhores indicados para desbridamento autolítico= das feridas	61,0	36.6
Hidrocolóides não devem ser utilizados em feridas com alta exsudaçã= o	19,5	78,1
Carvão ativado com prata são os melhores indicados para úlceras por pressão	53,7	43,9
Bota de U= nna é a principal forma de tratamento para úlceras arteriais	65,9	31,7
A escala de Braden é utilizada para avaliação do risco do paciente desenvolver lesão por pressão	63,4	36,6
Biofilmes se formam no leito de úlceras crônicas e oferecem resistência ao tratamento com antibióticos tópicos e sistêmicos	24,4	75,6
Feridas com alta exsudação, od= or desagradável e leito esverdeado devem ser tratadas com antibióticos sistêmicos	17,1	82,9
Ácidos graxos essenciais devem= ser usados nas feridas abertas com a finalidade de desbridamento químico=	58,5	41,5
Leito de úlcera com coloração amarelada indica a necessidade de utilização de algum método de desbridam= ento	82,9	17,1
PVPI e clorexidina devem ser utilizados para limpeza diária de feridas crônicas colonizadas=	56,1	43,9
Não se devem combinar curativos oclusivos ou carvão ativado com prata com terapia compressiva no tratamen= to de úlceras venosas	29,3	70,7
As feridas crônicas devem ser limpas diariamente com água e sabão	51,2	48,8
Almofadas de assento do tipo em anel são indicadas para pacientes com úlcera por pressão na região sacral=	9,8	30,2
Luvas de silicone preenchidas = com água são uma excelente opção para prevenção e tratamento de úlcera por pressão na região de calcâneo:	14,6	85,4
Antes da colocação de qualquer curativo, as feridas devem ser previamente limpas com soro fisiológico 0,= 9%	95,1	4,9
Açúcar pode ser utilizado em feridas colonizadas e devem ser trocados 1 vez ao dia para promover sua a= ção bactericida	68,3	31,7
Úlcera no membro inferior acompanhada por história de dor no mesmo membro à deambulação com piora quando este fica elevado, sugere etiologia arterial para o quadro ulceros= o	63,4	36,6

Avalia= ção geral	Nº	%=
Ruim	01	2,4
Regular	09	22,0
Bom	30	73,2
Ótimo	01	2,4
Total	41	100,0